A entrevista
com o sociólogo marxista Michael Löwy, publicada nesta semana (09 de janeiro de 2013)
no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU)¹, aborda alguns aspectos
importantes em relação à Teologia da Libertação.
Por considerar importantes as suas colocações e muito úteis para esclarecer algumas dúvidas que, hoje em
dia, ainda inquietam muitas pessoas, trago esse texto para o blog
Indagações.
Não deixe de ler.
WCejnog
Quarta, 09 de janeiro de 2013
A contribuição da Teologia da Libertação. Entrevista com o sociólogo marxista Michael Löwy.
Michael Löwy é um sociólogo marxista brasileiro, radicado na França, onde é diretor de pesquisas emérito em ciências sociais do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS). Ele é um dos pesquisadores que vem buscando compreender o movimento da Teologia da Libertação. Sentindo-se impactado pelo que vinha acontecendo com a Igreja brasileira no final dos anos 1970 e, sobretudo, pela participação massiva de cristãos na Revolução Sandinista de 1979, ele começou a escrever sobre marxismo e Teologia da Libertação a partir dos anos 80. Com o material reunido ao longo dos anos, tal como entrevistas e documentos, Löwy escreve o livro Guerra dos deuses – religião e política na América Latina, com a primeira edição em inglês, no ano de 1996, e publicado no Brasil em 2000 pela Editora Vozes.
O livro analisa o campo de forças político-religioso na América Latina desde o final dos anos 50 e foi o ganhador do prêmio Sérgio Buarque de Holanda, na categoria ensaio social. Seguindo a coerência de sua adesão ético-política, Löwy doou o dinheiro do prêmio ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Nesta entrevista à Gustavo Xavier do Brasil de Fato, 08-01-2013, concedida pela ocasião dos 50 anos da Ação Católica Operária/ Movimento dos Trabalhadores Cristãos (ACO/MTC) no Brasil, ele reflete sobre a trajetória deste movimento como parte do cristianismo da libertação.
Eis a entrevista.
Há pontos de contato entre o horizonte de movimentos como a ACO e o projeto socialista? Quais?
Movimentos como a Juventude Universitária
Católica (JUC), a Juventude Operária Católica
(JOC), a ACO, promoveram, em particular nos
anos de 1960 e 1970, uma crítica radical do capitalismo, inspirando-se não só
em fontes cristãs – desde encíclicas papais até escritos da esquerda católica
francesa, como Emmanuel Mounier, etc. – mas também em textos de Marx e
dos marxistas latino-americanos (teoria da dependência). Entre seu horizonte
sociorreligioso, o reino de deus, e o reino da liberdade socialista, existe uma
espécie de afinidade eletiva.
Na sua avaliação, quais são as principais contribuições sociais, políticas, ideológicas de movimentos do cristianismo da libertação, entre os quais a ACO? E quais as principais limitações?
O cristianismo da libertação é um vasto movimento
social que aparece no Brasil desde o começo dos anos 1960 – bem antes da
aparição dos primeiros livros da teologia da libertação. Este movimento inclui
setores significativos do clero – padres, freiras, ordens religiosas, bispos –
dos movimentos religiosos leigos, como a Ação Católica, a JUC,
a JOC, a ACO, das comissões pastorais, como
Justiça e Paz, Pastoral da Terra, Pastoral Operária, e das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs). Trata-se de uma ampla e
complexa rede que ultrapassa os limites da Igreja como instituição, e que
reúne, a partir dos anos 1970, milhões de cristãos que partilham a opção
prioritária pelos pobres.
Sem a existência deste movimento social, sem o cristianismo da libertação – o
que inclui ao mesmo tempo uma prática social emancipadora, novas formas de
prática religiosa e uma reflexão espiritual (mais tarde teológica) que
corresponde a esta experiência – é impossível entender o conflito entre a
Igreja e o regime militar no curso dos anos de 1970, assim como, a partir de
1978, o espetacular surgimento de um novo movimento das classes subalternas,
dos trabalhadores da cidade e do campo: o Partido dos Trabalhadores,
a Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra. Com efeito, uma grande parte dos
militantes e quadros dirigentes dessas novas organizações vêm das CEBs e
pastorais populares, e é no cristianismo da libertação que se encontra a
motivação primeira de seu compromisso social e de sua mística política.
Uma das principais contribuições ideológicas do
cristianismo da libertação – objeto de críticas incessantes de parte do
Vaticano e das correntes conservadoras da Igreja no Brasil – é a integração, em
maior ou menor grau, segundo os casos, de elementos fundamentais do marxismo.
Obviamente, existe uma grande diversidade neste terreno, indo desde a
desconfiança ou a hostilidade de alguns até a explícita autodefinição de grupos
ou indivíduos como “cristãos marxistas” – passando por várias formas de
prudente e implícita utilização de alguns aspectos. A grande maioria dos
militantes de base do cristianismo da libertação provavelmente nunca ouviu
falar em Marx, mas isto não impede que em sua cultura
político-religiosa se encontrem, mais ou menos diluídos, temas e conceitos do
marxismo. Obviamente se trata de uma integração seletiva: são rejeitados
elementos como o ateísmo materialista, e assimilados outros como a crítica do
capitalismo – em particular em sua forma dependente, no Brasil e na América
Latina – e do poder das classes dominantes, a inevitabilidade do conflito
social e a perspectiva da auto-emancipação dos explorados.
A descoberta do marxismo pela esquerda cristã não
foi um processo puramente intelectual ou universitário. Seu ponto de partida
foi um fato social evidente, uma realidade massiva e brutal no Brasil: a
pobreza. O marxismo foi escolhido porque parecia oferecer a explicação mais
sistemática, coerente e global das causas desta pobreza e, ao mesmo tempo, uma
proposta radical para sua supressão. Para lutar de forma eficaz contra a
pobreza, e superar os limites da visão caritativa tradicional da Igreja, era necessário
compreender suas causas. Como o resumiu com ironia e humor Dom Helder Câmara: “Enquanto eu pedia às pessoas que ajudassem aos
pobres, diziam que eu era um santo. Mas quando fiz a pergunta: ‘porque existe
tanta pobreza?’, me chamaram de comunista”.
A principal limitação de alguns – não todos –
setores do cristianismo da libertação, sobretudo na hierarquia da Igreja, tem a
ver com a dificuldade de aceitar o direito das mulheres a disporem de seu
corpo: divórcio, contracepção, aborto.
Em seu ponto de vista, militantes de base marxista podem enriquecer sua militância ao tomar contato com a trajetória destes movimentos cristãos? Como avalia este contato entre militantes marxistas e militantes cristãos?
Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que vários destes “militantes cristãos” também são marxistas. A pergunta então seria: o que podem os marxistas ateus ou sem fé religiosa aprender com os militantes do cristianismo da libertação? Acho que em primeiro lugar, uma visão mais dialética da religião, que não pode sempre ser reduzida a um simples “ópio do povo” – coisa que Friederich Engels, Antonio Gramsci, José Carlos Mariátegui e vários outros marxistas haviam entendido muito bem. Também há muito que aprender com o trabalho de base, paciente e obstinado, destes militantes nos bairros populares, buscando a auto-organização e a conscientização dos oprimidos. Finalmente, é enriquecedor o contato com a fé, a dedicação, a entrega, a mística destes militantes cristãos das lutas sociais.
Para o senhor, quais as iniciativas de maior peso da ACO em sua história?
Entre outras, a resistência à ditadura militar e a contribuição à formação da Pastoral Operária, que teve papel decisivo na formação do novo movimento operário brasileiro. Desde 1978, os militantes da ACO estão presentes em sindicatos – como membros ativos e dirigentes sindicais –, em associações de trabalhadores, fundos de greve, sociedades de amigos de bairros, partidos políticos de esquerda.
E qual sua avaliação do papel dos movimentos do cristianismo da libertação, especialmente a ACO, durante a ditadura militar?
Os movimentos ligados ao cristianismo da libertação, entre eles a ACO, tiveram um papel importante na transformação da Igreja brasileira, levando-a, a partir de 1970, a romper com o regime militar – o qual havia apoiado em 1964 – tornando-se sua principal força de oposição. Muitos militantes cristãos, inclusive padres e religiosos, participaram diretamente de atividades de resistência contra a ditadura, chegando, em alguns casos, a apoiar a resistência armada. Os militantes da ACO trataram de desenvolver correntes sindicais opostas ao regime e dispostas a lutar contra a tirania patronal nas fábricas.
Qual o balanço dos avanços e retrocessos relacionados aos movimentos do cristianismo da libertação até os dias atuais?
Como observamos, os avanços são consideráveis, e levaram à formação do novo movimento operário, camponês e popular no Brasil a partir do fim dos anos de 1970. Mas a partir de 2002, com a institucionalização governamental do Partido dos Trabalhadores e da direção da CUT, uma parte desta militância oriunda do cristianismo da libertação perdeu sua mística, seu horizonte utópico, e acabou enveredando pelos caminhos do pragmatismo político tradicional. Felizmente muitos setores da militância cristã, em particular nas fileiras do MST, mas também outros movimentos sociais ou políticos, preservaram a chama sagrada da luta pela libertação dos explorados e dos oprimidos.
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Na sua avaliação, quais são as principais contribuições sociais, políticas, ideológicas de movimentos do cristianismo da libertação, entre os quais a ACO? E quais as principais limitações?
Sem a existência deste movimento social, sem o cristianismo da libertação – o que inclui ao mesmo tempo uma prática social emancipadora, novas formas de prática religiosa e uma reflexão espiritual (mais tarde teológica) que corresponde a esta experiência – é impossível entender o conflito entre a Igreja e o regime militar no curso dos anos de 1970, assim como, a partir de 1978, o espetacular surgimento de um novo movimento das classes subalternas, dos trabalhadores da cidade e do campo: o Partido dos Trabalhadores, a Central Única dos Trabalhadores e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Com efeito, uma grande parte dos militantes e quadros dirigentes dessas novas organizações vêm das CEBs e pastorais populares, e é no cristianismo da libertação que se encontra a motivação primeira de seu compromisso social e de sua mística política.
Em seu ponto de vista, militantes de base marxista podem enriquecer sua militância ao tomar contato com a trajetória destes movimentos cristãos? Como avalia este contato entre militantes marxistas e militantes cristãos?
Em primeiro lugar, é preciso enfatizar que vários destes “militantes cristãos” também são marxistas. A pergunta então seria: o que podem os marxistas ateus ou sem fé religiosa aprender com os militantes do cristianismo da libertação? Acho que em primeiro lugar, uma visão mais dialética da religião, que não pode sempre ser reduzida a um simples “ópio do povo” – coisa que Friederich Engels, Antonio Gramsci, José Carlos Mariátegui e vários outros marxistas haviam entendido muito bem. Também há muito que aprender com o trabalho de base, paciente e obstinado, destes militantes nos bairros populares, buscando a auto-organização e a conscientização dos oprimidos. Finalmente, é enriquecedor o contato com a fé, a dedicação, a entrega, a mística destes militantes cristãos das lutas sociais.
Para o senhor, quais as iniciativas de maior peso da ACO em sua história?
Entre outras, a resistência à ditadura militar e a contribuição à formação da Pastoral Operária, que teve papel decisivo na formação do novo movimento operário brasileiro. Desde 1978, os militantes da ACO estão presentes em sindicatos – como membros ativos e dirigentes sindicais –, em associações de trabalhadores, fundos de greve, sociedades de amigos de bairros, partidos políticos de esquerda.
E qual sua avaliação do papel dos movimentos do cristianismo da libertação, especialmente a ACO, durante a ditadura militar?
Os movimentos ligados ao cristianismo da libertação, entre eles a ACO, tiveram um papel importante na transformação da Igreja brasileira, levando-a, a partir de 1970, a romper com o regime militar – o qual havia apoiado em 1964 – tornando-se sua principal força de oposição. Muitos militantes cristãos, inclusive padres e religiosos, participaram diretamente de atividades de resistência contra a ditadura, chegando, em alguns casos, a apoiar a resistência armada. Os militantes da ACO trataram de desenvolver correntes sindicais opostas ao regime e dispostas a lutar contra a tirania patronal nas fábricas.
Qual o balanço dos avanços e retrocessos relacionados aos movimentos do cristianismo da libertação até os dias atuais?
Como observamos, os avanços são consideráveis, e levaram à formação do novo movimento operário, camponês e popular no Brasil a partir do fim dos anos de 1970. Mas a partir de 2002, com a institucionalização governamental do Partido dos Trabalhadores e da direção da CUT, uma parte desta militância oriunda do cristianismo da libertação perdeu sua mística, seu horizonte utópico, e acabou enveredando pelos caminhos do pragmatismo político tradicional. Felizmente muitos setores da militância cristã, em particular nas fileiras do MST, mas também outros movimentos sociais ou políticos, preservaram a chama sagrada da luta pela libertação dos explorados e dos oprimidos.
¹ O Instituto Humanitas Unisinos – IHU é um órgão
transdisciplinar da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São
Leopoldo, RS, que visa a apontar novas questões e buscar respostas para os
grandes desafios de nossa época, a partir da visão do humanismo social cristão,
participando, ativa e ousadamente, do debate cultural em que se configura a
sociedade do futuro.
Fundado em
setembro de 2001, por ocasião do Simpósio Internacional O Ensino Social da
Igreja e a Globalização, o IHU desenvolve sua reflexão e ação a partir de cinco
grandes eixos orientadores:• Ética
• Trabalho
• Sociedade Sustentável
• Mulheres: sujeito sociocultural
• Teologia Pública.
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