Considero muito oportuno relembrar aqui, no blog Indagações, um artigo de Hans Küng¹ intitulado “Por que devemos voltar para Jesus”,
publicado há um ano, no site do Instituto Humanitas
Unisinos. O autor fala do seu livro Ser cristão, e tece uma reflexão
muito importante sobre a espiritualidade cristã que existe hoje, após 20
séculos que transcorreram desde o nascimento de Jesus Cristo. Com certeza, somente uma reflexão crítica
consciente e corajosa pode levar os
cristãos, e a Igreja Católica em particular, a uma verdadeira e tão necessária Metanóia².
Enfim, a pergunta “em que consiste ser
cristão?”, quando tratada à sério, deixa à mostra todas as deformações,
maquiagens e abusos que deformam a
verdadeira imagem do cristão.
Quem procura ser um cristão consciente e autêntico,
determinado e sereno em prosseguir no caminho da fé que o possa levar ao
encontro pessoal com esse único Jesus Cristo, o Homem de Nazaré, que nos revela
a face do Pai – certamente encontrará aqui argumentos e colocações muito
esclarecedores.
Não deixe de
ler.
WCejnog
Notícias
Segunda, 23 de janeiro de 2012
Por que devemos voltar para Jesus. Artigo de Hans Küng
"Só seguindo o Messias,
pode-se agir, sofrer e morrer de modo humano". - A opinião é do teólogo
suíço-alemão Hans Küng, em artigo para o jornal Corriere della Sera,
20-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o
texto.
Mediante o livro Ser cristão
(Ed. Imago, 1976), inúmeras pessoas encontraram a coragem para serem cristãs. O
autor sabe isso por causa das inúmeras resenhas, cartas e colóquios. Muitas
pessoas, de fato, afastadas da prática e da pregação de alguma grande Igreja
cristã, buscam caminhos para continuarem sendo cristãos confiáveis, buscam uma
teologia que não seja abstrata para eles e alheia ao mundo, mas explique de
modo concreto e próximo da vida em que consiste ser cristão.
Ser cristão não pretendia
"seduzir" as pessoas com a retórica ou agredi-las com um tom de
pregação. Nem queria simplesmente fazer proclamações, declamações ou
declarações em sentido teológico. Pretendia motivar, explicando que, por que e
como uma pessoa crítica também pode ser responsavelmente cristã perante a sua
razão e o seu ambiente social.
A originalidade do livro não está, portanto, nas
passagens críticas; está em outro lugar, no fato de ter fixado critérios que,
para muitos, representam desafios em teologia. Em Ser cristão,
de fato, eu tentei: apresentar toda a mensagem cristã no horizonte das
ideologias e religiões contemporâneas; dizer a verdade sem resguardos de
natureza político-eclesiástica e sem me preocupar com inclinações teológicas e
tendências da moda; não partir, por isso, de problemáticas teológicas do
passado, mas sim das questões do ser humano de hoje e, a partir daí, apontar
para o centro da fé cristã; falar na língua do ser humano de hoje, sem
arcaísmos bíblicos, mas também sem recorrer ao jargão teológico da moda;
destacar o que é comum às confissões cristãs, como o renovado apelo ao
entendimento no plano prático-organizativo; dar expressão à unidade da teologia
de modo que não possa mais ser negligenciado o nexo inabalável entre teoria
confiável e práxis vivível, entre religiosidade pessoal e reforma das
instituições.
A esse livro não faltaram reconhecimentos públicos. Além disso, também foi uma oportunidade para as Igrejas e, nesse nível, ele encontrou um amplo consenso igualmente. No entanto, não pode ser silenciado o fato de que os membros da hierarquia alemã e romana fizeram de tudo para esvaziar essa oportunidade. Não se envergonharam – diante do sucesso do livro até mesmo entre o clero – de pôr publicamente em dúvida ou, melhor, de difamar a ortodoxia do autor. De nada serviu ao autor o fato de ter declarado amplamente, mais uma vez, a sua fé em Cristo no livro Deus existe? (1978), que apareceu quatro anos depois de Ser cristão. A hierarquia romana e alemã tomaram a cristologia aqui exposta como pretexto para retirar do autor a “missio canonica” para o ensino da teologia, pouco antes do Natal de 1979, embora jamais tenha sido realizado um processo magisterial contra Ser cristão e Deus existe?. Dessa forma, buscou-se desviar a discussão da embaraçosa questão da infalibilidade à questão cristológica, não por último para envolver os cristãos evangélicos. Além disso, para os expoentes da hierarquia contrários às reformas eram indigestas as exigências de reforma na Igreja que eram propostas nesse livro.
A esse livro não faltaram reconhecimentos públicos. Além disso, também foi uma oportunidade para as Igrejas e, nesse nível, ele encontrou um amplo consenso igualmente. No entanto, não pode ser silenciado o fato de que os membros da hierarquia alemã e romana fizeram de tudo para esvaziar essa oportunidade. Não se envergonharam – diante do sucesso do livro até mesmo entre o clero – de pôr publicamente em dúvida ou, melhor, de difamar a ortodoxia do autor. De nada serviu ao autor o fato de ter declarado amplamente, mais uma vez, a sua fé em Cristo no livro Deus existe? (1978), que apareceu quatro anos depois de Ser cristão. A hierarquia romana e alemã tomaram a cristologia aqui exposta como pretexto para retirar do autor a “missio canonica” para o ensino da teologia, pouco antes do Natal de 1979, embora jamais tenha sido realizado um processo magisterial contra Ser cristão e Deus existe?. Dessa forma, buscou-se desviar a discussão da embaraçosa questão da infalibilidade à questão cristológica, não por último para envolver os cristãos evangélicos. Além disso, para os expoentes da hierarquia contrários às reformas eram indigestas as exigências de reforma na Igreja que eram propostas nesse livro.
Assim, a hierarquia alemã apoiou o percurso de
restauração do papa polonês que estava então se impondo e teve que pagar um
alto preço por isso: a perda de credibilidade e uma difundida hostilidade
contra a Igreja na opinião pública.
Com toda a modéstia: algumas coisas na pregação e
na pastoral cristã seguramente teriam sido diferentes e não tivesse sido
recusada a oferta de Ser cristão. Mas, como sempre
acontece: para mim, Ser cristão tornou-se ponto de
partida para um novo desenvolvimento teológico e para uma espiritualidade à
qual, apesar de todas as dificuldades do presente, o futuro devia pertencer.
Como inúmeros outros católicos antes do Concílio
Vaticano II, eu também cresci com a imagem tradicional de Cristo da
profissão da fé, dos concílios helênicos e dos mosaicos bizantinos: Jesus
Cristo, "Filho de Deus", sentado em um trono, um "Salvador"
amigo dos seres humanos e, ainda antes, para a juventude, o "Cristo
Rei". Sobre isso, eu depois acompanhei, em Roma, um curso de um semestre
inteiro sobre "cristologia". Certamente, eu passei sem problemas por
todos os exames em latim, não exatamente simples – mas a minha espiritualidade?
Isso era outra coisa totalmente diferente, permanecia insatisfeita. A figura de Cristo só se tornou
decisivamente interessante para mim quando eu pude conhecê-la, com base na
moderna ciência bíblica, como real figura da história.
A essência do cristianismo, de fato, não é nada
de abstratamente dogmático, não é uma doutrina geral, mas sim, desde sempre, é
uma figura histórica viva: Jesus de Nazaré. Ao longo dos anos,
elaborei o perfil singular do Nazareno com base na riquíssima pesquisa bíblica
dos últimos dois séculos, refleti sobre tudo com apaixonada participação.
De Ser cristão em diante, sei do que estou falando quando, de modo totalmente elementar, eu digo: o “modelo de vida cristã” é simplesmente esse Jesus de Nazaré enquanto messias, christós, ungido e enviado. Jesus Cristo é o fundamento da autêntica espiritualidade cristã. Um exigente modelo de vida para a nossa relação com o próximo, assim como com o próprio Deus, que, para milhões de seres humanos em todo o mundo, tornou-se critério de orientação e de vida.
De Ser cristão em diante, sei do que estou falando quando, de modo totalmente elementar, eu digo: o “modelo de vida cristã” é simplesmente esse Jesus de Nazaré enquanto messias, christós, ungido e enviado. Jesus Cristo é o fundamento da autêntica espiritualidade cristã. Um exigente modelo de vida para a nossa relação com o próximo, assim como com o próprio Deus, que, para milhões de seres humanos em todo o mundo, tornou-se critério de orientação e de vida.
Quem é, portanto, um cristão? Não é aquele que
diz apenas "Senhor, Senhor" e apoia um "fundamentalismo" –
seja ele de tipo bíblico-protestante, ou autoritário-romano-católico ou
tradicionalistaoriental-ortodoxo. Ao
contrário, cristão é aquele que, em todo
o caminho pessoal de vida, se esforça para se orientar praticamente para esse
Cristo Jesus. Não se exige nada mais.
A minha vida pessoal e, assim, qualquer outra
vida, com seus altos e baixos, e também a minha lealdade à Igreja e a minha
crítica à Igreja só podem ser compreendidas a partir dessa referência. A minha crítica à Igreja, assim como a de
muitos cristãos, brota justamente do sofrimento pela discrepância entre o que
esse Jesus histórico foi, pregou, viveu, lutou, sofreu, e o que hoje a Igreja
institucional, com a sua hierarquia, representa. Essa discrepância
tornou-se muitas vezes insuportavelmente grande. Jesus, nas cerimônias
pontifícias da basílica papal de São Pedro? Ou na oração com o presidente George
W. Bush e o papa na Casa Branca? Inconcebível!
O mais urgente e mais libertador para a nossa
espiritualidade cristã, consequentemente, é nos orientar pelo nosso ser
cristão, tanto em nível teológico quanto prático, não tanto segundo as
formulações dogmáticas tradicionais e os regulamentos eclesiásticos, mas sim de
novo e cada vez mais segundo a singular figura que deu nome ao cristianismo.
______________________________________
¹ Hans
Küng é um teólogo suíço, filósofo, professor de teologia, escritor e sacerdote
católico romano. Küng estudou teologia e filosofia na Pontifícia Universidade
Gregoriana de Roi. Foi ordenado sacerdote em 1954. (fonte: Wikipédia)
² Metanóia :
é uma palavra de origem grega (μετάνοια , metanoia) e
significa arrependimento, conversão (tanto espiritual, bem como intelectual),
mudança de direção e mudança de mente; mudança de atitudes, temperamentos;
caráter trabalhado e evoluído.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/505997-por-que-devemos-voltar-para-jesus-artigo-de-hans-kueng
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