“Abraão respondeu-lhe: Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro os males. Por
isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado.” (Lc
16,25)
Mais um comentário, muito bom,
para refletir sobre a parábola do rico e Lázaro (Lc 16, 19-31). É de autoria de Asun Gutiérrez
Cabriada.
Não deixe de ler.
WCejnog
[Os
interessados pedem ler esse texto em apresentação de PPS, acessando o site das
Monjas Beneditinas de Montesserrat: Benedictinascat/Montserrat. Trabalho muito
bonito!]
Jesus a ninguém nega um lugar à sua mesa,
nem se nega a ser comensal de ninguém.
A nossa terra deveria ser uma única grande
mesa para todos, cheia de frutos humildes e
saborosos, fruto do nosso trabalho
e presente de Deus.
Se partilhássemos o que temos,
haveria o suficiente para todos.
Por maus ou cheios de defeitos que nos vejamos,
nunca deveríamos duvidar disto:
Jesus acolhe-nos com gosto à sua mesa,
e é um gosto para Ele
que O convidemos para a nossa mesa.
José Arregi.
Comentário
Naquele
tempo, disse Jesus aos fariseus:
Havia um
homem rico, que se vestia
de
púrpura e linho fino e se banqueteava
esplendidamente
todos os dias.
Um
pobre, chamado Lázaro, jazia
junto do
seu portão, coberto de chagas.
Bem
desejava saciar-se do que caía
da mesa
do rico, mas até os cães
vinham
lamber-lhe as chagas.
Lázaro
significa “Deus ajuda”. Nesta parábola é
o pobre o único que tem nome. O nome do rico não aparece no texto.
A riqueza de umas pessoas é a causa do empobrecimento de outras, no tempo de
Jesus e sempre.
De Lázaro não se diz que fosse bom, nem do rico que fosse perverso. A única
acusação que se lhe faz é que não quis partilhar os seus bens. Bens que impedem
toda a atitude solidária e fraterna, desumanizam e incapacitam para ver e
sentir as necessidades dos outros.
O rico representa quem tem medo de entrar em contato com o que possa questionar
e complicar o seu estilo de vida. Não vê as necessidades dos outros ou, se as
vê, não se sente responsável nem movido nem comovido por elas.
Ora
sucedeu que o pobre morreu e foi
colocado
pelos anjos ao lado de Abraão.
Morreu
também o rico e foi sepultado.
mansão
dos mortos, estando em tormentos,
levantou
os olhos e viu Abraão
com
Lázaro a seu lado.
Então
ergueu a voz e disse:
‘Pai Abraão, tem compaixão de mim.
Envia
Lázaro, para que molhe em
água a
ponta do dedo e me refresque a língua,
porque
estou atormentado nestas chamas’.
Abraão
respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que
recebeste
os teus bens em vida e Lázaro
os
males. Por isso, agora ele encontra-se
aqui
consolado, enquanto tu és atormentado.
O
objetivo da parábola não é refletir sobre o inferno nem sobre a credibilidade
ou não das aparições, nem situa o ensinamento no destino final. Não se trata de
solucionar os problemas remetendo-os para o mais além. A questão é não nos deixarmos desumanizar por nenhum tipo de riquezas e
sermos pessoas sensíveis e solidárias
com quem necessita.
O perigo, e o contra-senso para quem se considere
cristão, é a despreocupação, a indiferença, o não querer inteirar-se da
existência de tantos “lázaros” que necessitam de uma mão estendida.
Além
disso há entre nós e vós um
grande
abismo, de modo que se alguém
quisesse
passar daqui para junto de vós,
ou daí
para junto de nós,
não
poderia fazê-lo.
A
mensagem da parábola é muito atual. Há
um abismo entre uma pessoa e/ou uma
comunidade fechada, baseada no dinheiro, nas normas, no poder, no costume, no
isolamento, no medo... e uma pessoa e/ou
comunidade evangélica, aberta, livre, solidária, que acolhe, partilha,
respeita, compreende...
Não
há nenhuma dúvida de que Jesus acolhe e aceita a todos os que queiram
participar da sua mesa, sem exceção. Portanto, todo o impedimento, proibição,
exclusão, rejeição... para participar na mesa e na vida da comunidade, não é
atitude evangélica, não é o que Jesus fez nem o que nos recomenda fazer.
O rico
insistiu: ‘Então peço-te, ó pai,
que
mandes Lázaro à minha casa paterna
– pois
tenho cinco irmãos –
para que
os previna, a fim de que não
venham
também para este lugar de sofrimento’.
Disse-lhe
Abraão ‘Eles têm Moisés e os Profetas:
que os
oiçam’. Mas ele insistiu:
‘Não,
pai Abraão. Se algum dos mortos
for ter
com eles, arrepender-se-ão’.
Abraão
respondeu-lhe:
‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas,
também
não se deixarão convencer,
se alguém
ressuscitar dos mortos’.
Também
hoje, apesar da clareza da mensagem de Jesus, podemos auto enganar-nos buscando subterfúgios ou
pedindo milagres para evadir compromissos.
Como
os fariseus –”amigos do dinheiro”- conhecemos teoricamente e lemos com
frequência a Palavra de Jesus. Transforma realmente a nossa vida?
Está
claro que se a Palavra, a Pessoa, a vida de Jesus, não transforma a nossa vida,
não mudaremos mesmo que ressuscite um morto.
Lázaro
Senhor,
mais de metade da humanidade
anda
como Lázaro, buscando as migalhas
que
o Capital deixa cair.
Todos
à porta dos palácios e dos negócios,
esperando
as sobras,
e Tu estás com eles.
Estás
à porta mendigando com os pobres
e
experimentando as portas
a
fecharam-se-lhes na cara.
E
gritas pela janela aos mercadores de escravos:
Chegará um dia em que perdereis tudo.
Porque, no final, vos examinarão pelo amor.
Vão
ao templo ao domingo ouvir
o
que eles esperam:
que
Tu fizeste ricos e pobres e
que
há que ser bom para com todos,
ou
seja, com ninguém.
E
saem tranquilos como se essa fosse a tua voz.
Leva-me
contigo às choças dos “lázaros”,
a
apanhar do chão o que está caído
e
a dar um cajado ao coxo,
a
levantar paredes e pôr tetos,
a
preparar mesas redondas para
crianças
desnutridas.
Leva-me,
não me deixes caído/a no caminho,
agora
que cheguei até aqui,
buscando
a estrela do amor.
Diz-me
também a mim,
como
disseste àquele inválido:
Levanta-te e caminha!
(Patxi Loidi)