Abordar o
tema de corrupção dentro das estruturas eclesiásticas da Igreja Católica não
significa ser contra a Igreja de Jesus Cristo e nem, tampouco, fazer parte dos
que se consideram inimígos da mesma. Ao contrário, falar dessa questão com franqueza e transparência pode (e deve) nos
ajudar a entender melhor as causas e as consequências das práticas de corrupção e do abuso de poder
dentro das estruturas eclesiásticas.
Uma coisa é
saber que existia, existe (ou pode existir) a corrupção dentro da Igreja, e
outra coisa é, sabendo desse fato, considerá-lo
normal ou fazer ‘vista grossa’, concordando com essas
práticas e atitudes erradas e antievangélicas. A vida nos ensina que para combater uma doença
é imprescindível tomar conhecimento de que ela existe e ter noção da sua
dimensão. Só assim o tratamento tem chance de ser eficaz.
Para falar
desse tema, trago para o blog Indagações um artigo muito interessante do nosso
ilustre colega José Lisboa Moreira de
Oliveira, que ele publicou no seu blog no início do mês de agosto.
Publicando
este artigo também no blog Indagações, espero poder contribuir um pouco na
sua divulgação. Não deixe de ler! .
WCejnóg
Blog
- O Chamado
Corrupção na Igreja
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Um amigo,
meu conterrâneo lá da Bahia, leitor assíduo dos meus artigos, enviou-me dias
atrás uma mensagem sugerindo-me que escrevesse algo sobre a corrupção na
Igreja. Na opinião dele, os cristãos, especialmente os católicos romanos, falam
com facilidade da corrupção na política e na sociedade, mas sentem dificuldade
de falar e de denunciar a corrupção no interior da Igreja. Aceitei o desafio e
resolvi escrever este texto falando do assunto.
Para
começar é indispensável entender bem o que é a Igreja. Infelizmente ainda existe
a tendência de identificar a Igreja com a hierarquia, como se ela pudesse ser
reduzida aos eclesiásticos, ou seja, aos ministros ordenados. Mas na
perspectiva bíblica, resgatada pelo Concílio Vaticano II, a Igreja é muito mais
do que isso. Ela é a comunidade do Povo de Deus, a assembleia daqueles e
daquelas que foram convocados e reunidos pelo Pai, mediante o Filho e na
unidade do Espírito Santo (LG, 2-4). Assim sendo, todas as pessoas batizadas
formam a Igreja e dela fazem parte. Todos os homens e todas as mulheres do
mundo são vocacionados a participar da Igreja (LG, 13).
Considerando
esse aspecto podemos dizer, sem medo de errar, que a maioria absoluta daqueles
e daquelas que fazem parte da Igreja, ou são a ela destinados, é composta de
pessoas honestas e sérias que procuram viver a sua vocação com simplicidade e
pureza. São homens e mulheres, casados ou solteiros, ministros ordenados ou
não, lideranças cristãs, pessoas cristãs que diariamente dão testemunho de
transparência e de ética. Neste sentido, importa destacar que a maioria
absoluta do povo cristão vive com muita seriedade a sua fé e não se deixa
corromper.
Porém,
essa constatação não exclui a necessidade de admitirmos que existam casos de
corrupção na Igreja que terminam por obstaculizar a sua missão, que é a
evangelização ou anúncio da Boa Notícia de Jesus. Os recentes escândalos de
pedofilia dos padres, as operações financeiras ilícitas que envolveram o Banco
do Vaticano, a evidente disputa de poder em algumas instâncias eclesiásticas não
nos permitem “tapar o sol com a peneira”. Os papas Bento XVI e Francisco têm
admitido publicamente a existência da corrupção no interior da Igreja, falando
inclusive de verdadeiro lobby de alguns grupos específicos e tomando algumas
providências sérias. Ao que tudo indica a corrupção maior dentro da Igreja é
praticada por eclesiásticos que estão à frente da Igreja, no seu comando. Tal
fato torna a situação ainda mais grave. Geralmente os atos de corrupção têm a
ver com a questão do poder, do dinheiro e do sexo.
Cabe
lembrar que a corrupção na Igreja existe desde os seus primórdios. Os
evangelistas não tiveram receio de registrar alguns episódios de corrupção no
grupo de Jesus. Os evangelhos sinóticos lembram o episódio dos irmãos Zebedeu
que pretendiam ocupar os primeiros lugares no grupo dos apóstolos e chegaram
até a envolver a mãe na tentativa de corromper Jesus (Mt 20,20-28). Também os
sinóticos registram o caso de Pedro que tenta corromper o Mestre para que ele
desista de enfrentar o poder religioso e tente fazer um pacto que não levasse à
cruz e à morte (Mc 8,31-33). O próprio Pedro, logo no início da missão de
Jesus, tenta corrompê-lo, instigando-o a aproveitar-se bem de sua popularidade
para fazer muito sucesso, ganhar fama e, lógico, muito dinheiro (Mc 1,36-39).
Como fazem hoje certos padres cantores e curandeiros. O evangelista João deixou
registrado o fato de que o “tesoureiro” do grupo de Jesus desviava o dinheiro
destinado aos pobres (Jo 12,1-11), “enfiando-o na cueca”. E os evangelistas
registram que este mesmo tesoureiro deixou-se subornar pelo Sinédrio e recebeu
dinheiro para trair Jesus.
Nas
primeiras comunidades cristãs também aconteceram casos de corrupção. Conhecemos
o famoso episódio de Ananias e Safira que tentaram enganar os apóstolos (At
5,1-12). Na Samaria Simão oferece dinheiro aos apóstolos, tentando obter com
isso certos poderes (At 8,18-24). Foi desse episódio que nasceu o termo
“simonia”, usado depois para indicar a compra de cargos e títulos por parte de
eclesiásticos. Paulo denuncia com veemência o comportamento de lideranças
religiosas que pregam “outro evangelho” para “agradar aos homens” (Gl 1,6-10).
Também Paulo grita contra aqueles que se apresentam “junto aos irmãos” como
“inimigos da cruz de Cristo”, tendo como “seu deus, o ventre” (Fl 3,17-21).
Deixa assim transparecer certa disputa interna pelo poder. Na mesma direção
segue o autor da terceira carta de João que fala de certo Diótrefes, “que
pretende mandar em tudo” (v. 9).
Porém, foi
na Idade Média que a corrupção na Igreja conheceu o seu auge. Historiadores
sérios registram episódios escabrosos como o caso de papas totalmente
corruptos, amantes do dinheiro, que viviam em concubinato, tinham filhos e
nomeavam seus filhos e parentes adolescentes como cardeais. João, filho de
Lourenço de Médici, neto do papa Inocêncio VIII, foi feito cardeal aos treze
anos de idade. Depois se tornou papa com o nome de Leão X. Bispos que compravam
dioceses e recebiam depois somas enormes de dinheiro destas dioceses e nunca se
apresentavam para pastorear o povo. Igrejas e mosteiros que se tornaram
verdadeiros feudos, com muito luxo, ostentação e riqueza, enquanto as pessoas
que trabalhavam em suas terras viviam na miséria. Ordens religiosas que
transformaram o voto de pobreza numa verdadeira piada, uma vez que viviam
nadando na riqueza.
Frei Hugo
Fragoso, franciscano, meu professor de história da Igreja no Brasil nos
apresentou certa vez um estudo sobre as riquezas do convento São Francisco em
Salvador no período da colonização. Nesta riqueza estavam incluídos dezenas de
escravos. O próprio São Francisco morreu desgostoso ao ver que seus frades
tomavam um caminho bem diferente daquele sonhado por ele. O jesuíta Giacomo
Martina, meu professor de história da Igreja na Universidade Gregoriana de Roma,
deixou escrito no primeiro volume de seu livro (História da Igreja de Lutero
a nossos dias, Loyola, 2008, 3ª edição) que, na época da Reforma, a Cúria
Romana “vivia num faustoso luxo”. Segundo Martina, “cada cardeal tinha sua
suntuosa corte, com palácios e casas de campo dentro e fora de Roma. Esse nível
de vida exigia muitas despesas, às quais se fazia frente por meios variados”
(p. 89). Em seguida ele menciona os meios: acúmulo de benefícios, venda de
cargos, aumento de impostos do Estado Pontifício, nepotismo, concessões de
indulgências com fins lucrativos, vendas de bulas, falsificação de documentos
etc. “Na cúria, acrescenta Martina, se respirava um ar totalmente mundano,
entre festas, bailes e banquetes que, às vezes, se transformavam em verdadeiras
orgias” (p. 94). A coisa era tão grave, diz Martina, que em Roma corria a
seguinte anedota: “O Senhor não quer a morte do pecador, mas que viva e pague”.
Embora de forma muito mais mitigada, sabe-se que certos ambientes atuais da
Cúria Romana, não estão muito longe desse “ar poluído”. Existem documentos e
depoimentos mostrando isso.
Embora,
após o Concílio de Trento, essas situações fossem sendo corrigidas, a corrupção
não foi totalmente eliminada da Igreja. Atravessou os séculos e chegou até nós.
Hoje ela está mais disfarçada e só em algumas ocasiões estoura em forma de
escândalos. Foi o que aconteceu recentemente com os casos de pedofilia e com o
caso do Banco Vaticano. Mas há corrupção quando o sacristão não abre logo as
portas da Igreja, deixando as pessoas expostas à chuva e ao frio, apenas para
mostrar que tem poder. Há corrupção quando o padre privilegia as pessoas do seu
círculo íntimo e trata com indiferença os demais membros da comunidade. Há
corrupção quando o bispo permite que em sua diocese somente alguns padres
tenham determinados privilégios, como, por exemplo, o acesso a paróquias ricas.
Há corrupção quando o presbitério da diocese permite que os padres sejam
tratados com desigualdade, sem isonomia. Há corrupção quando o pároco ou o
conselho de assuntos econômicos não presta contas ao povo do dinheiro da
comunidade. Há corrupção quando o dinheiro da comunidade é desviado para pagar
as contas de familiares do padre. E os exemplos podem ser multiplicados.
Temos,
portanto, que combater a corrupção no interior da Igreja, uma vez que isso é um
obstáculo sério para a evangelização. Embora exista a obrigação de analisar
cada caso e de cuidar para que não se cometam injustiças e não se alimente as
fofocas, não podemos silenciar diante de certas situações. Estou convencido da
atualidade da afirmação de Jesus que disse: “conhecereis a verdade e a verdade
fará de vós homens livres” (Jo 8,32). Não se evangeliza mentindo ou camuflando
a realidade, mas admitindo com humildade os erros e os pecados. A dissimulação
e o fingimento são os piores inimigos do anúncio do Evangelho. O viver fazendo
de conta que tudo está bem, que estamos seguindo fielmente a mensagem de Jesus,
tentando esconder o óbvio, contradiz o próprio espírito do cristianismo (Gl
2,11-15)
Fonte: Blog O Chamado
Nenhum comentário:
Postar um comentário