Um excelente artigo do nosso ilustre colega José Lisboa Moreira de Oliveira, que ele publicou recentemente no seu blog. Penso que, passados os dois meses, todos devemo-nos indagar sobre o que de fato ficará dessa festa que foi a JMJ Rio 2013: Vai mudar mesmo alguma coisa? Será que todos dentro da Igreja querem seguir (e vão seguir) o exemplo do Papa Francisco?
“Sem
conversão, eventos como a JMJ servem apenas como rota de turismo para alguns
poucos jovens privilegiados, que logo esquecerão o que o papa lhes disse. O
clero conservador se encarregará de tirar a palavra àqueles poucos mais
ousados. Resta-nos, pois, a indignação e a rebeldia.” – lemos no finalzinho do artigo.
Trago este artigo também para o blog
Indagações.
Não deixe de ler! .
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Blog
– O Chamado
Eventos
eclesiais
“Troco
de papa, mas não troco de carro”. O que ficou da Jornada Mundial da Juventude?
José Lisboa Moreira de
Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e
professor universitário.
Das pessoas mais velhas aprendi o seguinte
provérbio: “Festa acabada, pé na estrada”. O que este ditado pretende ressaltar
é o fato de que, após a festa, se volta à vida real. Isso porque, segundo a
Antropologia, em praticamente todas as culturas de todas as épocas e de todos
os lugares a festa representa certo distanciamento da realidade. Durante o
período da festa os homens e as mulheres tentam esquecer seus problemas,
celebrando e se divertindo.
O antropólogo Mircea Eliade na sua clássica obra O
Sagrado e o Profano(São Paulo: Martins Fontes, 2001) afirma que a festa é
uma forma de saída momentânea do temporal, isto é, da vida real, na qual os
humanos se tornam “contemporâneos dos deuses”. A festa é “um tempo fora do
tempo”! O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, num livro bem sugestivo,
intitulado O que faz do brasil, Brasil? (Rio de Janeiro:
Rocco, 1986), diz que isso vale sobretudo para este que é o país do carnaval.
Segundo DaMatta, embora as festas brasileiras sejam festas “da ordem” (p.
81-91), ou seja, pensadas e organizadas pelas elites religiosas e políticas
para manter o status quo, elas acontecem como “momentos neutros”
onde o quotidiano é celebrado, mas através da “abertura de todas as portas e de
todas as muralhas e paredes” (p. 82). A festa no Brasil acontece para que o
povo esqueça o que está acontecendo!
Dentro desta perspectiva quero analisar a festa da
Jornada Mundial da Juventude (JMJ), realizada no Brasil no mês de julho
passado. Antes de tudo é preciso dizer que a JMJ foi essencialmente uma festa
do papa. Por alguns dias os brasileiros, mesmo os não-católicos, estiveram
com os olhos fixos na mídia, acompanhando o que acontecia no Rio de Janeiro.
Embora fosse um evento que englobava várias outras atividades, como palestras e
celebrações diversas, o que ficou de verdade foram os gestos do papa Francisco.
Mesmo porque a mídia católica e não-católica decididamente e conscientemente
fez questão de ressaltar apenas esse aspecto. Era para ser a festa da juventude
católica mundial, mas quem acompanhou de perto a cobertura da mídia pode
constatar que essa realçou apenas a figura do papa. A única pessoa a destacar
publicamente a juventude e a dialogar em público com ela foi o papa. Os demais
praticaram certa papalatria, ou seja, certo culto à figura do papa.
A Rede Globo, por exemplo, que naqueles dias estava sendo acusada de sonegar
centenas de milhões de reais da Receita Federal, suspendeu sua programação
normal para mostrar o papa.
Não restam dúvidas de que os inúmeros gestos do
papa Francisco, durante sua visita ao Brasil, foram gestos até certo ponto
ousados e profundamente significativos. Através deles o papa quis, creio que
intencionalmente, comunicar uma mensagem significativa. Começando pelo fato de
recusar locomover-se num carro oficial e luxuoso, preferindo um simples carro
popular.
O mais triste, porém, é que a mídia, inclusive a
mídia católica – salvo uma ou outra exceção –, deu destaque ao espetacular,
transformando os gestos do papa em fato midiático sensacionalista. Não foi
capaz de levar os católicos e as pessoas de boa vontade a uma reflexão mais
profunda. Ficou no periférico e no sensacionalista, realizando uma cobertura
superficial, tratando o episódio com banalidade.
Seguindo esse estilo, a mídia em geral, e também a
mídia católica, não comentou em profundidade os pronunciamentos do papa
Francisco. Passou de raspão sobre suas palavras e não quis aprofundá-las. Tomo
como exemplo a reflexão por ele dirigida aos bispos da América Latina e Caribe,
certamente o discurso eclesial oficial mais ousado do papa Francisco até agora.
Tentei, de propósito, acompanhar a mídia católica naqueles dias para ver se o
discurso seria retomado e aprofundado em alguns programas. O que vi foram
algumas referências superficiais que pareciam mais esconder do que evidenciar a
força transformadora das palavras do bispo de Roma aos bispos de nosso
continente.
Isso mostra que os católicos “indignados” não podem
se contentar com os gestos do papa Francisco. Eles são muito importantes, mas
podem ser facilmente transformados em mero espetáculo midiático pelos que não
querem uma Igreja renovada, libertada e libertadora. Infelizmente a mídia em
geral e a mídia católica (salvo um ou outro caso) estão nas mãos de grupos
conservadores que não querem mudanças significativas na Igreja. A maioria
absoluta dos bispos e dos padres, escolhidos e formados dentro dos parâmetros
conservadores, não vai se transformar em apoiadores e multiplicadores das vozes
proféticas do papa Francisco. Pelo contrário, fará de tudo para minimizar e até
para esconder o caráter profético de alguns gestos do atual papa.
Um caso que representa bem esta mentalidade
aconteceu alguns dias atrás e me foi narrado por um amigo. Aconteceu na região
do Entorno do Distrito Federal. O Entorno é formado pelos municípios do estado
de Goiás e que estão em volta do Distrito Federal. De um modo geral os
habitantes dessa região são pessoas que trabalham em Brasília e que foram
propositadamente enxotadas para lá, a fim de que ficassem bem distante da
capital. A região é marcada por muita pobreza, exclusão, sofrimento e
violência. Porém, alguns padres que atuam por aqui (com as devidas e honrosas
exceções) são amantes do luxo e da boa vida. Os seus carros são, em muito,
superiores ao carro usado pelo papa Francisco em suas locomoções durante a JMJ.
Pois bem, segundo esse meu amigo, ele veio a se
encontrar numa roda de padres que trabalha na região do Entorno. Conversa vai e
conversa vem, um deles dirigindo-se a outro, perguntou-lhe em tom de ironia: “E
aí, você vai seguir o exemplo do papa Francisco e trocar seu carro por um menos
luxuoso?”. Ao que o outro respondeu: “Troco de papa, mas não troco de carro!”
Estou convencido de que os gestos do papa Francisco
não vão impactar a maioria absoluta do clero, que continuará apegada aos vícios
e a um modelo de Igreja arcaica e anti-evangélica. O clero, na sua grande
maioria, é conservador e não vai querer mudar. Vai resistir o quanto puder.
Haverá exceções, mas que servirão apenas para confirmar a regra. A mudança só
virá se o Povo de Deus partir para a ação e começar a questionar
insistentemente o seu clero, respaldado pelo exemplo do papa Francisco,
exigindo mudanças significativas.
Os destaques da JMJ deveriam ter sido para os
jovens. Mas com esse modelo de Igreja que aí está há pouco o que fazer. O
cardeal jesuíta Carlo Maria Martini, falecido há pouco mais de um ano atrás, em
sua última entrevista, publicada num jornal italiano no dia 8 de agosto de
2012, afirmou categoricamente: se a Igreja não quiser perder os jovens “deve
reconhecer os próprios erros e deve percorrer o caminho radical da mudança,
começando pelo Papa e pelos bispos... A Igreja está atrasada em pelo menos 200
anos”. Sem conversão, eventos como a JMJ servem apenas como rota de turismo
para alguns poucos jovens privilegiados, que logo esquecerão o que o papa lhes
disse. O clero conservador se encarregará de tirar a palavra àqueles poucos
mais ousados. Resta-nos, pois, a indignação e a rebeldia.
Fonte: Blog O Chamado
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