Faltam apenas alguns dias para o fim do ano 2014. Em
breve assistiremos a “chegada” do Ano Novo de 2015. É um período do ano tradicionamente
marcado pelas numerosas publicações de ‘previsões’, horóscopos e ‘profecias’ para o futuro. O fato é que muita gente gosta
disso e se ‘delicia’ com essas previsões
baratas como se elas realmente tivessem algum valor. Lamentavelmente, não há
costume em também divulgar os fracassos nesse campo e ninguém sequer lembra do
que se ‘previa’ um ano atrás. Aliás, seria interessante ter hoje publicações que
desmistificariam tudo aquilo ‘previsto’, que foi falado e/ou escrito um ano
atrás, antes de publicar novas previsões... Talvez esta fosse uma atitude
consciente para não alimentar a superstição do povo!
Previsões, horóscopos e superstições à parte, quero aproveitar
a atmosfera do ‘fim de ano’ e trazer para o blog Indagações-Zapytania uma
entrevista muito interessante e construtiva com o procurador da República Helio
Telho Corrêa Filho, realizada pelos jornalistas Elder Dias e Cezar Santos, do
Jornal Opção.
Considero o teor dessa
matéria (abaixo), publicada no site do Jornal Opção, como uma excelente aula para
todas as pessoas interessadas em
entender melhor a vida política no Brasil, conhecer e entender a ‘práxis’ dos políticos,
das grandes empresas e dos representantes
dos Poderes Públicos.
Na verdade, não importa aqui se as colocações do
entrevistado podem ser, ou não, consideradas como previsões para o Brasil.
O importante, na minha opinião, seria mesmo as pessoas lerem e analisarem esse
texto e tirarem as suas próprias conclusões.
Ao procurador Federal Helio Telho Corrêa Filho, merecida homenagem pela clareza,
determinação e coragem em mostrar à sociedade brasileira que a corrupção,
abusos e crimes praticados para assaltar
o povo devem ser desmascarados e punidos, e não escondidos e acumulados debaixo
do tapete, como acontece hoje.
WCejnóg
Jornal Opção
“Vamos ter um escândalo de corrupção ainda maior do
que o da Petrobrás. E será no BNDES”
O procurador mais temido de Goiás diz que o banco do governo será
foco de rombos ainda maiores e desabafa: “Não estamos dando conta de defender a
República dos ratos que estão corroendo suas estruturas”
É raro achar um político que goste de Helio Telho Corrêa Filho. Eles têm razão de não ter muita afeição
pelo procurador da República: além de já passado pelo Ministério Público
Eleitoral (MPE) deixando estragos em várias candidaturas com gastos suspeitos
nas eleições de 2004 e 2006, ele não costuma “alisar” com a classe. O fato
agravante é que ele usa as redes sociais para dizer o que pensa — e geralmente
o que ele pensa é o antônimo do que um questionável ocupante de cargo público
consideraria um elogio.
Dessa forma, ele consegue a antipatia de partidários de todas as
correntes. Ser tido por tanta gente diversa como “persona non grata” não parece
lhe incomodar. Pelo contrário: mostra que o alcance de seu rigor com a coisa
pública é imparcial e acaba “doendo” em todos. Ao mesmo tempo em que mostra a vigilância necessária
aos fatos sombrios demonstrada nas redes sociais, ele tem também um lado
reservado: prefere não falar sobre questões pessoais. “Minha vida particular é
muito pouco interessante”, desconversa, embora ele mesmo diga que quem o quer
destratar o acusa de gostar de aparecer.
Ao receber o Jornal Opção em sua sala, Helio Telho fez questão
de puxar alguns temas por conta própria — embora já estivessem também na pauta.
O principal alvo foi a necessidade de uma reforma político-eleitoral adequada.
“Hoje as lideranças políticas, sociais e religiosas, em sua maioria, vendem o
apoio. Há até mesmo uma tabela. E a cada eleição isso está mais caro”, resume.
O escândalo da Petrobrás ganha outro nome pela boca do procurador:
“petropina”, uma junção dos termos “petróleo” e “propina”. “A ‘Veja’ foi de uma
criatividade sem tamanho usando o termo ‘petrolão’. O que há é a ‘petropina’, a
Petrobrás estava prospectando petróleo com propina.” Mas o pior ainda está por
vir, diz ele. “Nós ainda vamos ver o maior escândalo de corrupção. E será no
BNDES. Se na Petrobrás havia o TCU [Tribunal de Contas da União] investigando e
denunciando fraudes, do BNDES nós não temos nada, não sabemos nada”, alerta
Helio Telho, que estabelece até um prazo máximo para os novos podres virem à tona:
dois anos.
Foto: Renan Accioly/Jornal Opção
Eis a Entrevista:
Elder Dias — O sr. atuou como procurador eleitoral [esteve à
frente do Ministério Público Eleitoral (MPE) no Estado de 2004 a 2007, período
em que definiu a estratégia de atuação do colegiado nas eleições de 2004 e 2006
e também no referendo sobre comércio de armas, ocorrido em 2005], e fez alguns
candidatos terem problemas sérios com a Justiça. O que o sr. pode dizer da Lei
da Ficha Limpa? Ela efetivamente contribuiu para melhorar o processo eleitoral
no País?
Só teve problema quem teve dificuldades para observar as regras eleitorais. De
lá para cá, tivemos muita evolução na legislação eleitoral como um todo, mas
foram alterações mais, digamos, cosméticas. Não tivemos o que realmente
precisávamos, que é uma reforma política que barateie as campanhas eleitorais,
que faça com que não se necessite de tanto financiamento.
O sistema não pode induzir a que o partido político se
torne um negócio, uma empresa, e que o apoio político se torne uma mercadoria.
Hoje — e desde aquela época já era assim, identificamos isso — o apoio político
é uma mercadoria negociada por dinheiro. Esse comércio ocorre de várias
maneiras. Por exemplo, um partido político pequeno tem um horário na propaganda
eleitoral e vende isso para quem lhe der mais, seja por dinheiro, por posições
no governo etc. Veja que as coligações governistas, em todas as eleições —
nacionais, nos Estados e nos municípios — são as que reúnem o maior número de
siglas, fazem uma sopa de letrinhas. Isso se dá porque um punhado de partido de
aluguel vende para o majoritário governista, que tem maior capacidade de pagar.
O partido governista, além do dinheiro, tem a estrutura de poder, cargos,
contratos favorecidos etc.
Esses cargos depois serão usados da mesma maneira como
foram utilizadas as diretorias da Petrobrás, para tirar dinheiro e enriquecer
as pessoas que fizeram as indicações para esses cargos. Então, o sistema
eleitoral precisa mudar. Se os partidos querem se coligar, ótimo; mas isso não
pode implicar um aumento do tempo de televisão. Podem coligar, mas o tempo será
apenas o do partido que lançar o candidato. Dessa forma, o tempo de TV deixa de
ser uma moeda de troca, porque não terá valor de mercado. O tempo das siglas
que se juntarem aos partidos dos candidatos será distribuído em rateio para
todos. Dessa forma, a reforma eleitoral desestimularia a compra do apoio de
partidos de aluguel.
Cezar Santos — A cláusula de barreira não seria um dispositivo
nesse sentido?
A cláusula de barreira é antidemocrática, porque impede o surgimento de novos
partidos. Podem dizer que há partidos demais; é verdade, mas temos partidos de
aluguel e a cláusula de barreira não impede que esses partidos continuem
negociando apoio, vendendo tempo de televisão. O que acabaria com isso seria
impedir que o partido levasse o tempo de TV para a coligação. É simples: assim,
os partidos de aluguel não terão mais a mercadoria para vender e tenderão a
morrer de inanição.
Partido que tiver candidato vai usar seu tempo de TV
para fazer a propaganda desse candidato; quem não tiver candidato não terá
tempo. O tempo dos partidos que não tiverem candidatos será distribuído para
todos os outros partidos que apresentarem candidatos. Assim, teremos uma
eleição mais democrática, será menor a necessidade de financiamento, porque os
partidos com candidato não terão de pagar aos nanicos para ter cinco segundos a
mais, dez segundos a mais. Ao comprar o tempo da sigla de aluguel, o partido
maior evita que o adversário pegue esse tempo; ou seja, traz o partido de
aluguel e ao mesmo tempo o tira do adversário. É como vencer um “jogo de seis
pontos”.
Hoje as lideranças políticas, sociais e religiosas que
atuam nas eleições, em sua maioria, vendem o apoio. O vereador e o prefeito do
interior, para trabalharem para um deputado, querem dinheiro. Há até mesmo uma
tabela. E a cada eleição isso está mais caro. O preço é regulado de acordo com
a importância dessa liderança, da quantidade de votos que essa liderança pode
conseguir. Hoje isso está em mais ou menos 100 reais por eleitor — uma diária
para serviço braçal no domingo. É o preço de um voto. Se o indivíduo teve 3 mil
votos na eleição passada, então ele vale 3 mil vezes 100 reais. Se só teve 500
votos, vale “só” 500 vezes 100.
Elder Dias — Isso explica o fato de tanta gente disputar eleição
sabendo que não tem nenhuma chance de vencer?
Sim, veja que tivemos quase 800 candidatos a deputado estadual este ano em
Goiás, e a grande maioria não tinha quase nenhuma chance de se eleger. Isso
ocorre porque o sujeito está se cacifando na eleição. Ele sabe que se tiver só
2 mil votos não se elege; mas, na eleição seguinte, poderá vender esses 2 mil
votos a um candidato a prefeito. Ele vai dizer “eu posso trabalhar esses 2 mil
votos para votar em você”. Vai custar 2 mil vezes 100. O candidato a prefeito
vai ter de correr atrás de dinheiro para pagar isso, porque, senão, o cara vai
trabalhar para o adversário dele.
Cezar Santos — Na reforma política, que virou o grande tema no
momento, muitos colocam que o financiamento exclusivamente público de campanha
resolve a questão. Resolve mesmo?
Todo político tem sua própria receita de reforma, pode perguntar a qualquer um,
a qualquer parlamentar. Em geral, essa receita não muda muito de um para outro
e pode ser resumida da seguinte maneira: é uma fórmula que facilite a eleição
do dono da ideia e dificulte a eleição de meu adversário. Essa é a reforma
política ideal que a pessoa vai defender. Na discussão sobre financiamento
público ou privado, se a opção é por ser exclusivamente público ou misto, também
há esse interesse por trás disso. Quem é de esquerda e tem condição de
conseguir mais dinheiro público defende o financiamento exclusivamente público;
quem é de direita e acha que tem mais condição de conseguir dinheiro de
empresas vai defender o financiamento privado.
Na prática, isso não faz muito sentido, porque quem
financia campanha não está interessado em saber se o sujeito é de direita ou de
esquerda: ele está financiando campanha para ver quem vai lhe trazer benefício
financeiro depois, ou seja, lucro. É um negócio. O financiador está fazendo um
investimento. Por isso que a JBS-Friboi foi a maior financiadora de campanha
nessas eleições e doou uma grana pesadíssima tanto para Dilma Rousseff (PT)
quanto para Aécio Neves (PSDB). Eles fizeram igual ao cara que joga na loteria
esportiva e quer preencher a coluna 1, a coluna do meio e a coluna 2. O sujeito
faz o triplo, assim não vai perder nunca a aposta. Foi o que a JBS fez. E fez
isso porque tem negócios com o governo, é a empresa que mais recebeu tem
financiamentos do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social],
com mais de R$ 5 bilhões para expandir seus negócios no exterior. Então a JBS
quer manter essa linha de crédito aberta e não quer saber se é Dilma ou Aécio
quem vai ganhar, se é o PT, se é direita ou esquerda. Ele quer saber é que vai
ter lucro com isso. Lucro não tem ideologia. É preciso desmistificar isso,
portanto.
Sou particularmente contra o financiamento de campanha
por pessoa jurídica, porque empresa sempre visa lucro. O sistema capitalista é
construído sobre o lucro, as empresas existem para ter lucro, senão quebram.
Isso não é ruim, a roda gira dessa maneira. O ruim é uma empresa financiar uma
campanha e amanhã ir atrás de um contrato que será concedido pelo financiado
por ela. Aí o interesse público vai para o ralo, porque o que se atende é o
interesse da empresa. Por isso, empresa não pode financiar campanha, ainda mais
empresa que pode ter algum negócio com o governo, como empreiteiras, bancos e
outras. Isso é um absurdo.
“O que encarece demais a campanha eleitoral são a compra do apoio político e o marketing, o programa eleitoral chamado
gratuito. Gratuita é só a veiculação”
Cezar Santos — Mas o financiamento exclusivamente público de
campanha não vai estimular o caixa 2, que no fundo é o grande problema?
Não é só isso. Caixa 2 é utilização de dinheiro ilícito.
Cezar Santos — Às vezes o dinheiro é legal, mas passado ao
candidato de forma escamoteada…
Se a pessoa tem o dinheiro legal, por que vai sujá-lo e passá-lo de forma
ilegal? O dinheiro de caixa 2 é ilícito, é dinheiro sujo, que não tem origem
clara, ou porque foi de corrupção ou de sonegação ou por estar acima do limite
de doação. Mas por que alguém vai doar acima do limite legal — o que, no caso
de pessoa física, é 10% de toda a receita que ela teve no ano anterior e, no
caso da empresa, é 2% do faturamento dela? É muito dinheiro, por que alguém vai
querer doar mais do que isso?
Já pegamos muitos casos em que a pessoa doou mais do
que arrecadou. É porque, na verdade, ela está emprestando só o nome. Isso é
somente para lavar o dinheiro, que veio de uma origem suja. Portanto, é um
dinheiro que não poderia estar na campanha e está. Por isso é que o dinheiro
passa pelo caixa 2. Se ele fosse lícito, a empresa apenas doaria no caixa 1, o
caixa oficial da campanha. Se a pessoa não quer que a doação apareça, por ter
receio de o candidato perder e, depois, sofrer o risco de ser retalhada por
isso pelo vencedor, doa para o partido. Hoje, a legislação eleitoral prevê essa
possibilidade. O partido, então, distribui entre os candidatos e ninguém fica
sabendo para quem foi dado aquele dinheiro, pois cai no caixa do partido e não
é possível saber quem doou para quem. O caixa 2 é isso.
Às vezes, o dinheiro é lícito, mas o objetivo final, o
emprego do dinheiro, é ilícito. Às vezes, precisam comprar apoio político, mas
obviamente isso não é previsto na legislação como autorizado. Então, o
candidato vai dar o dinheiro para o vereador trabalhar para ele no caixa 2. O
dinheiro não aparece porque o gasto foi ilícito. O problema é que há o dinheiro
legal que é utilizado para comprar a influência política do mandato — pois quem
foi eleito não vai dever sua eleição a quem votou nele, mas sim a quem
financiou sua campanha. É uma espécie de corrupção institucionalizada,
permitida, não punida e admitida.
E há o financiamento ilegal. Se adotarmos o
financiamento público, proibindo o financiamento de empresa, isso por si só não
será suficiente para impedir o financiamento ilegal, o financiamento
clandestino com dinheiro ilícito — proveniente de sonegação, corrupção, tráfico
de drogas, o que seja. É claro que quando se adota o financiamento público,
proíbe-se o financiamento por empresa e impede que aquela empresa, legalmente,
possa doar, mas não é o suficiente para impedir o caixa 2. Isso terá de ser
feito de outras maneiras, o que é, normalmente, um pouco mais complexo. Se se
diminui a necessidade de financiamento, barateando as campanhas eleitorais, a
possibilidade de esse dinheiro ilícito interferir na campanha é menor — se o
político não precisa do dinheiro, por que ele vai pegar?
O que encarece demais a campanha eleitoral, hoje?
Basicamente são as duas principais despesas: a compra do apoio político e o
marketing, o programa eleitoral chamado “gratuito”. Gratuita é apenas a
veiculação na televisão, pois a produção não é. Pelo contrário, ela é muito
cara, caríssima. Não só pela necessidade de ter atores, produtores,
cinegrafistas, câmeras, editores e todo esse pessoal, mas também porque tem,
por trás de tudo, o marqueteiro, que é o profissional mais bem pago do mercado,
hoje. O bom marqueteiro é mais bem pago do que jogador astro de futebol. Esse
marqueteiro não trabalha de qualquer jeito, é um profissional exigente e quer
só o melhor para apoiar suas pesquisas. Ele quer pesquisas qualitativas,
diárias, para avaliar o programa eleitoral que ele pôs no ar e para que, assim,
ele possa preparar o próximo capítulo. As pesquisas qualitativas são caríssimas
e tem de ter muito dinheiro para isso. Se não regulamentarmos uma forma para
impedir que esse custo da propaganda eleitoral continue alto, não conseguiremos
fechar a entrada de dinheiro ilícito. É preciso reformar esse modo de fazer
propaganda eleitoral para que fique mais barato.
Elder Dias —– Já houve algumas tentativas de baratear o horário
eleitoral. Como o sr. vê as restrições que hoje são impostas?
A legislação melhorou um pouco. Mas, ainda assim, existem algumas questões. Por
exemplo, hoje, um partido pode lançar uma vez e meia o número de candidato, na
eleição proporcional. Em uma coligação, esse número é o dobro das vagas. Ora,
se eu tenho 10 vagas em uma Câmara de vereadores, por que meu partido vai
lançar mais do que 10 candidatos? Se eu estou lançando 15 ou 20, eu estou
colocando um candidato para brigar com o outro, pelo voto. Ou seja,
correligionários disputando votos com correligionários. Se aumentam a
competição, aumenta a necessidade de dinheiro. Portanto, nós precisaríamos
diminuir a quantidade de candidatos. Cada partido ou coligação só poderia
lançar, no máximo, a quantidade de cadeiras que há de disputa.
Elder Dias —– E a lista fechada, como o sr. percebe isso?
A lista fechada é um sonho dos caciques partidários. Se houver lista fechada
com fidelidade partidária, acaba, totalmente, a liberdade do parlamentar. É o
cacique partidário, é a direção partidária que vai dizer o que deve e o que não
deve ser feito. Acabaria a negociação de balcão, no Congresso Nacional, e a
negociação passaria a ser somente entre presidentes de partido e de presidentes
de partido com o presidente da República. O que o presidente do partido falar o
deputado terá de seguir. Do contrário, será expulso, perderá o mandato ou,
então, lhe será negada legenda para a próxima eleição, ou ele será colocado no
fim da lista seguinte. Esse é um problema sério.
Existe uma proposta em tramitação no Congresso
Nacional, feita pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que é bastante
interessante. Ela propõe eleição em dois turnos para o Parlamento, para Câmara
de Vereadores, para a Assembleia e para a Câmara dos Deputados. De que maneira?
No primeiro turno dessa eleição, o eleitor vota no partido, na legenda. Tem até
uma lista partidária, mas que não é pré-ordenada, é feita sem qualquer ordenação.
O eleitor pode votar no candidato ou no partido, mas a votação toda vai só para
o partido. Define-se, então, no final da apuração do primeiro turno,
quantas vagas cada partido vai obter. No segundo turno da eleição, vota-se no
candidato. O candidato que tiver mais votos pula para o primeiro lugar da
lista. Então, quem acaba ordenando a lista é o eleitor, e não o cacique. Assim,
se o partido tem só uma vaga e o candidato do cacique foi o segundo mais
votado, ele vai virar suplente. É uma maneira interessante de se ter uma lista,
mas que não é pré-ordenada. É uma lista que será ordenada pelo eleitor no
segundo turno.
Elder Dias —– Existe um dogma de que o financiamento público só dá
certo com lista fechada. É uma falácia? Há como contornar isso?
Como o financiamento público implica repassar o dinheiro para o partido e este
administrá-lo —– não se pode passar o dinheiro para o candidato —–, acham que,
se tem uma lista aberta e o partido concentra o dinheiro em dois ou três
candidatos, aqueles que estão sem dinheiro não terão condições de se elegerem
ou terão de arrumar dinheiro por fora. Essa é a crítica que se faz. Quando se
tem a lista pré-ordenada, evidentemente, o partido investirá o dinheiro
naqueles que estão em primeiro lugar da lista. Mas essa lista vem de uma
eleição intrapartidária. E a democracia interna dos partidos a gente sabe como
se dá, é pior do que
fazer salsicha.
Elder Dias —– O sr. atuou no caso Caixego [Caixa Econômica do
Estado de Goiás], que também envolveu uma questão de caixa 2.
Foi dinheiro desviado de um acordo [com servidores] para financiar campanha.
Só que aquilo foi troco de pinga, se você for comparar com o dinheiro que hoje
rola.
Elder Dias —– O que aconteceu com aquele dinheiro? Ele foi
devolvido? Como ficou?
Naquele caso, em um determinado momento, o STJ [Superior Tribunal de Justiça]
entendeu — e isso foi logo no começo do processo, eu já tinha feito a denúncia
— que, como a Caixego estava em liquidação ordinária, ela não integrava mais o
sistema financeiro nacional. Ali, então, não teria ocorrido um crime contra o
sistema financeiro, mas outro tipo de crime, o que, por essa razão, não seria
da competência da Justiça Federal. Assim, o caso foi para a Justiça Estadual. O
Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que algumas das diligências que tinham
sido realizadas com a autorização do juiz federal eram nulas, porque o juiz não
tinha competência legal para autorizá-las. Principalmente, as escutas
telefônicas e mais algumas providências. Isso prejudicou muito a solução do
caso, pois muitas provas importantes não puderam ser utilizadas. Esse caso foi
para a Justiça Estadual e eu não acompanhei seu desfecho, a não ser pelas notícias
da imprensa, porque não fui mais o procurador do caso, já que atuo na Justiça
Federal.
O que apuramos, na época, está na denúncia que eu fiz:
houve um acordo, as pessoas acreditavam que os beneficiários — os reclamantes
na ação trabalhista — acreditavam que estava sendo pago um valor bem menor em
relação ao que, de fato, tinha sido objeto do acordo. Boa parte desse dinheiro
foi para propina, para permitir que o acordo fosse realizado. Dessa forma, o
então procurador-geral do Estado recebeu dinheiro, uma parte ficou com os
advogados e com as pessoas que intermediaram essa negociação e outra parte foi
para a eleição, para pagar dívida de campanha. Isso foi apurado, na época. Como
algumas provas não puderam ser utilizadas, talvez isso tenha influenciado negativamente
no resultado do julgamento.
Cezar Santos —– É difícil falar em tese, mas a impressão é de que,
se aquilo tivesse acontecido hoje, o desfecho do caso não teria sido o mesmo.
Parece-me que, atualmente, o Ministério Público tem mais condições de apurar,
ou talvez esteja com mais crédito junto à sociedade.
Não vejo assim. O mérito maior, a meu ver, foi da própria tese que a defesa
levantou e conseguiu convencer os tribunais em Brasília, de que aquele assunto
não era federal, mas, sim, estadual. Dessa forma, as provas ficaram nulas. Sem
provas, não tinha como tocar o caso para frente. E eram escutas telefônicas,
não tinha mais como voltar atrás. Nós tivemos, depois disso, aqui em Goiás e em
todo o Brasil, várias operações com escutas telefônicas que foram anuladas pela
Justiça.
O fato é que o STJ, principalmente, é muito restritivo
com relação à utilização de escutas telefônicas para apurar crimes de colarinho
branco. A gente não vê o STJ anulando escutas telefônicas quando se está
investigando, por exemplo, o tráfico de drogas. Aí, o peso e a medida parecem
ser um; mas, quando se trata de crime do colarinho branco, o grau de exigência
tem sido grande e tem dificultado o trabalho. O caso Caixego foi o primeiro. Se
estudarmos as operações e os casos que foram anulados pela Justiça com este
tipo de fundamento, veremos que esse foi o primeiro. Daí, então, o mérito maior
da defesa. Depois disso, outros casos seguiram essa jurisprudência. Na época
não havia escutas telefônicas, não se utilizava tanto esse método para apurar
esse tipo de crime. A lei de lavagem de dinheiro foi utilizada pela primeira
vez neste caso. Era tudo muito novo. Não sei, mas acho que hoje, provavelmente,
se essa tese tivesse sido levantada, o destino teria sido o mesmo.
Cezar Santos — Baseado em sua experiência em estudo de casos, que
deve ser vasto, o sr. diria que hoje esse escândalo do petrolão…
(interrompendo) Eu não gosto deste nome. Acho que “petrolão” é falta de
criatividade. A revista “Veja” patrocinou esse termo e outros veículos estão
seguindo, mas é de uma falta de criatividade sem tamanho. O termo “mensalão”
saiu de uma pessoa extremamente inteligente e criativa, um frasista com
presença de espírito muito grande, que é Roberto Jeferson [ex-deputado], que
foi um dos condenado no próprio caso que batizou. Ele falou em “mensalão” e
isso pegou. A “Veja”, por falta de criatividade, não conseguiu arrumar um nome
melhor e veio com essa história de petrolão.
Elder Dias — Mas não há um viés ideológico no termo “petrolão”,
para colar esse caso com o mensalão?
Pode ser que tenha, mas até nisso é ruim, porque este escândalo é muito maior
do que o mensalão. Usando este termo, estão reduzindo este escândalo atual ao
tamanho do outro. Acho “petropina” um termo muito mais criativo, porque é
petróleo com propina. Ou seja, leva à dedução de que ali a Petrobrás estava
prospectando petróleo com propina. Enfim, eu não gosto de petrolão, acho uma
falta de criatividade incrível.
Cezar Santos — Se não me engano, pelos valores envolvidos, este pode
ser o maior escândalo do mundo. Isso tem procedência, em sua opinião?
Teve um jornal, não me lembro se a “The Economist” ou o “The New York Times”,
que disse ser este o maior desfalque, o maior roubo público, em países
democráticos de que já se tomou conhecimento. E não é difícil de explicar isso,
não, pelo contrário, é até fácil de explicar. Quando a gente tem notícia de
escândalo de corrupção no Japão, por exemplo, vemos o corrupto flagrado chorar
na televisão, pedir perdão, até cometer haraquiri [termo japonês para designar
suicídio]. Ocorre que, em países desenvolvidos, onde o sistema de justiça
funciona, o sistema processual penal funciona, o sistema de controle funciona,
esses escândalos de corrupção são identificados e punidos quando ainda não cresceram.
É comum, por exemplo, vermos nos Estados Unidos
políticos flagrados recebendo propina de US$ 10 mil. Isso aqui no Brasil é
insignificante, em termos de propina. Nosso problema é que temos uma cultura de
impunidade muito grande. Daí, se formos voltando no tempo, percebemos que os
escândalos que se sucedem estão cada vez maiores. Como o escândalo anterior não
foi punido, o próximo vai ser maior. Isso é tão obvio e banal que não sei como
as pessoas não perceberam isso antes.
No julgamento de um dos habeas corpus do caso
Petrobrás, os ministros do STJ se disseram estarrecidos com a quantidade de
dinheiro envolvida. Ora, mas esse não foi o primeiro escândalo que chegou ao
STJ. Nós tivemos a Operação Castelo de Areia [investigação, feita pela Polícia
Federal em 2009, de crimes financeiros e lavagem de dinheiro, tendo como centro
operações do Grupo Camargo Corrêa], que o STJ anulou. Se a Castelo de Areia não
tivesse sido anulada, mas, pelo contrário, se tivesse chegado a bom tempo, nós
não teríamos essa Operação Lava Jato agora. Aquele pessoal da Castelo de Areia
é o mesmo que está nessa agora. Se eles tivessem sido punidos lá atrás, não
teríamos isso agora.
Nosso sistema é muito permissivo. Por quê? Isso ainda
é uma herança, um legado do regime militar. Durante aquele período, muita gente
sofreu com os abusos do Estado. Teve gente que foi torturada, que foi presa,
que foi “desaparecida”. E teve gente que foi torturada, presa e “desaparecida”.
Quando o regime militar cedeu espaço para o civil, tivemos uma Constituinte.
Nela, havia vários constituintes que tinham sofrido na pele com a ditadura. E
esses constituintes colocaram na Constituição salvaguardas para garantir que
ninguém no futuro passasse por aquilo de novo. Tantas salvaguardas contra a
atuação punitiva do Estado que hoje não conseguimos punir os criminosos,
principalmente aqueles do colarinho branco, que são os que têm mais condição de
usar essas salvaguardas. Portanto, essas salvaguardas, que foram feitas para
garantir a democracia, a República e o Estado democrático de direito estão,
pelo exagero, afundando esse próprio Estado, porque não estamos dando conta de
defender a República dos ratos que estão corroendo suas estruturas.
Cezar Santos — O sr. diz que surpreende que as coisas tenham
crescido. A coisa não cresceu dentro da Petrobrás justamente porque o “status
quo” de poder instalado na República hoje está profundamente implicado e isso
serve para financiar o partido do governo e seus aliados privilegiados?
Se o sistema favorece a prática da corrupção, ela vai florescer. E tenho
repetido: este ainda não é o maior escândalo que vamos ver. Ainda vamos ter um
escândalo maior do que esse. E digo até qual: será no BNDES. Por que sei disso?
Estou fazendo investigações, ouvindo escutas telefônicas? Não. Mas é que as
coisas são óbvias demais. A corrupção floresce em ambientes onde há muito
dinheiro, nenhum controle, muito sigilo e impunidade total. O BNDES está
alavancando com mais de R$ 500 bilhões do Tesouro Nacional, fazendo empréstimos
a juros subsidiados. Mas não sabemos para quem, quanto foi para cada um e nem
quais são as garantias. Por quê? Porque alegam sigilo bancário e, assim, nós
não podemos ter acesso. Ou seja, a CGU [Controladoria-Geral da União] não
fiscaliza, o TCU [Tribunal de Contas da União] não consegue fiscalizar, o
Ministério Público Federal não tem acesso. Ninguém tem acesso. É claro que esse
dinheiro está sendo desviado (enfático). É claro que isso é uma cultura para a
corrupção. Tudo isso é muito óbvio.
Quando conseguirmos abrir a caixa preta do BNDES, a
“petropina” vai parecer troco de pinga. Se na “petropina” tinha obra em torno
de R$ 70 bilhões em contratos, no BNDES há R$ 500 bilhões, sete vezes mais. Só
que na Petrobrás havia o TCU investigando e denunciando fraudes e
superfaturamentos, há muito tempo. Mas no BNDES nós não temos nada, não sabemos
nada.
O dinheiro, por exemplo, para financiar obras no
exterior, por exemplo, em Cuba, chega lá depositado, por exemplo, em um banco
do país. E quem está tocando essa obra é a Odebrecht, que foi considerada pela
Transparência Internacional a empresa privada de menor transparência entre as
grandes, sem qualquer estrutura interna de combate à corrupção. Esse dinheiro
do BNDES, então, vai para o banco cubano e é movimentado sem controle nenhum.
Como saberemos o que foi feito com esse dinheiro, como poderemos rastreá-lo?
Então, o que vemos é como se tivessem arando o terreno fértil, colocando adubo
e semeando corrupção. Será que ela vai nascer? É evidente que vai! (enfático)
Portanto, nós ainda vamos ver o maior escândalo de
corrupção na República. Esse, sim, será o maior, não tem como ter outro maior
só porque a maior quantidade de dinheiro está ali. As medidas que os colegas
estão tomando na Operação Lava Jato são úteis, mas não são as únicas nem as
mais eficazes. Combate-se a corrupção com punição e prevenção. Primeiro, é
preciso evita que a tranca seja arrombada. Temos de ter instrumentos de
controle, organismos, entidades e órgãos independentes de controle interno e
externo, para ficar auditando esses contratos, ficar avaliando, verificar
execução, cobrar prestação de contas e para poder identificar uma eventual
situação de irregularidade antes de ela acontecer ou quando ainda estiver no
começo. É preciso ter transparência, ou seja, todo mundo tem de ver o que está
acontecendo. Porque quem está ali dentro fica constrangido e com medo de ser
preso. Se está protegido pelo escuro e pelo sigilo, vai se sentir muito mais à
vontade para roubar.
Tem de ter controle e transparência, e também um
sistema processual que seja eficaz para punir os casos em que não foi possível
prevenir. Aí nós entramos em um problema sério, voltando à questão dos
constituintes. Nós temos garantias em excesso, em decorrência disso um processo
criminal e judicial que não acaba nunca. A garantia diz que a pessoa não será
considerada culpada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.
Nos Estados Unidos, o réu não pode ser considerado culpado enquanto não houver
prova em contrário. Aqui, não: enquanto não tiver sentença judicial
condenatória transitada em julgado. E a pessoa pode recorrer. E há recursos
infinitos. Fica nisso, recorrendo, sem deixar transitar. E, assim, nunca será
considerada culpada.
Isso não está sendo utilizado somente nos crimes de
colarinho branco, a criminalidade violenta também está se aproveitando disso.
Por isso as pessoas condenadas logo estão nas ruas. Se é condenado a sete anos,
cumpre 11 meses e já sai da reclusão, o sistema favorece todo mundo. Vejo iniciativas
no Parlamento para endurecer penas, aumenta-las. Podem até impor pena de morte,
três vezes pena de morte para o mesmo individuo. Com nosso atual sistema
processual não vamos conseguir executar sequer uma delas, quanto mais as três.
É uma enganação quando se vê um político defendendo aumento de pena sem
defender uma reforma no sistema processual e de investigação criminal que
permita que se faça uma investigação célere, segura — com garantias para o
investigado, mas também com possibilidade de obter provas com que consigamos
responsabilizá-lo —, um processo de responsabilização com direito à defesa, mas
que chegue ao fim, que não seja tão demorado, que não dê margem para manobras
que visem fazer o processo prescrever. Se o político não defende isso dessa
forma, está apenas enganando.
Procurador Helio Telho fala aos editores Cezar
Santos e Elder Dias: “Quem financia eleição de alguém faz negócio”
Cezar Santos — Ou é um político mal informado.
Não acredito em desinformação por parte de políticos. Ninguém assume um mandato
sendo ingênuo. O político bobo nasceu morto. Não adianta endurecer a pena se
não tiver um sistema processual que funcione. No caso da Operação Lava Jato,
está havendo uma situação muito interessante: o sistema está funcionando.
Pessoas foram presas e quem está preso não está ali por punição. São prisões
processuais: tinha gente ameaçando testemunhas, gente com passaporte escondido
de outro país, gente que estava se preparando para fugir com dinheiro lá fora,
gente tentando atrapalhar eventual delator que resolvesse delatar, esquemas que
continuavam funcionando e as prisões serviram para desarticulá-los. Tudo isso
voltado para o processo. O sistema está mantendo essas pessoas presas, porque é
preciso. Como tudo está funcionando, essas pessoas que estão presas, a cada
dia, estão vendo sua situação mais perto do que foi o caso do mensalão. Muitos
dizem que o julgamento do mensalão não adiantou nada, porque, enquanto havia o
processo estava ocorrendo a “petropina”. Pelo contrário, adiantou muito,
porque, como teve gente cumprindo pena — e tem até hoje, há operadores do
esquema que ficarão muitos anos na cadeia —, essas pessoas envolvidas com a
“petropina” se veem no lugar daquelas. O mensalão causa o efeito Orloff: quem
está na “petropina” estão se vendo no lugar daquelas, com os condenados lhes
falando “eu sou você amanhã”. Pensam “poxa vida, amanhã serei eu a pegar 40
anos de cadeia”. Então, estão resolvendo colaborar, em troca de uma melhora
nessa situação.
Cezar Santos — O sr. já percebe um trabalho de desconstrução, ou
desmoralização, da figura do juiz Sergio Moro [da 13ª Vara Federal de Curitiba,
responsável pelo processo da Operação Lava Jato]?
Sim, claro. A atuação de Sergio Moro tem sido muito importante no caso, mas,
talvez, se pegar a conta da Operação Lava Jato, isso represente 20% do êxito
dela. Os 80% restantes estão na conta de quem está investigando de fato — o
MPF, coordenando, e a PF, apoiando. Sergio Moro não investiga. Ele é juiz, não
tem função de investigação. Está lá, quieto em seu gabinete e então chega um
investigador e lhe diz que precisa de um mandado de busca. Ele olha as provas,
os fundamentos, verifica tudo e dá o documento. Cumprem o mandado, acham mais coisa
e voltam ao juiz. Novamente pedem providências e o juiz autoriza.
Nesses 80% restantes, há uma equipe de sete
procuradores da República, de vários delegados, de dezenas de agentes e peritos
da PF. Mas a imprensa precisa de um rosto, de uma imagem. Vocês sabem disso
mais do que eu. Na configuração do sistema, o juiz é um só, Sergio Moro. Na
Procuradoria, há sete pessoas, na PF há uma dezena de delegados e agentes. Não
há um “rosto” da PF ou do Ministério Público. Sergio Moro não deu sequer uma
entrevista, não soltou qualquer nota e só fala por meio do processo. Mesmo
assim, está aparecendo muito, por conta das circunstâncias. Nessa hora, então,
aqueles que estão se sentindo atingidos por essa operação vão atacar esse rosto
que aparece. Daí vem a tentativa de desconstrução de sua imagem, como buscaram
fazer com Joaquim Barbosa [ministro do STF relator do processo do mensalão].
Isso ocorre tanto por parte de políticos como por parte de advogados dos
envolvidos.
Há, ainda, o braço midiático desse esquema. Isso tudo
porque enxergam nele o único alvo certo para promover os ataques.
Nossa advocacia criminal ficou muito mal acostumada no
Brasil. A maioria dos grandes criminalistas trabalha somente buscando as
nulidades [atos jurídicos que carecem de requisitos fundamentais, por terem
sido produzidos com algum vício]. Quando não conseguem resolver a questão em
favor de seu cliente na base das nulidades, têm uma dificuldade muito grande
para desenvolver outras táticas para atuar no processo. Isso se torna ainda mais
difícil para eles em um processo como o da Lava Jato em que as provas são muito
robustas. Então, qual passa a ser sua tática? Atacar a figura do procurador, do
delegado ou do juiz. Como são vários os procuradores e delegados, não têm um
rosto único, optam por questionar a figura do juiz.
Elder Dias — Sobre a questão do exagero de recursos, temos, por
exemplo, o empresário Carlos Cachoeira, que já foi condenado. Até quando ele
poderá recorrer? Como fica o desfecho de seu caso?
Ele já foi condenado três vezes: tem uma condenação no Rio, outra em Brasília e
a maior delas em Goiânia. Ele recorreu e o tribunal não julgou ainda em segunda
instância. O desfecho só se dará quando transitar em julgado. Ele só vai
cumprir pena nesse caso.
Elder Dias — E há uma previsão de quando isso possa ocorrer?
Não, não há. O sistema não tem um calendário fixo. Vai depender da pauta do
tribunal que vai julgar o recurso. Imaginemos que o tribunal diminua ou aumente
a pena — nós, do Ministério Público, achamos que a pena dele de 39 anos de
cadeia foi pequena, então há recurso para aumentá-la. E depois desse julgamento
ainda haverá recursos.
Uma infinidade de recursos, enquanto um ministro ou
desembargador não constatar que está havendo um abuso de recursos — o que não é
nem o caso dele ainda, já que é o primeiro recurso contra as condenações, um
direito que todo mundo tem de ter. Se derem a ele mil recursos, ele vai usar os
mil recursos, porque a outra opção é ele cumprir 39 anos de cadeia. O problema
não é seu advogado recorrer: o problema é o sistema dar a ele mil recursos,
isso não pode. Tem de lhe dar esse direito, mas não nessa quantidade.
O recurso tem de ser um instrumento suficiente para
que a situação da pessoa condenada seja reavaliada ou confirmada. Afinal, 39
anos de cadeia não são 39 dias, é a metade de uma vida. A sociedade precisa ter
a segurança de que essa condenação é uma condenação correta. Para isso existe o
recurso, para que o processo seja avaliado por outros magistrados, que estão em
um tribunal, portanto mais experientes do que os que estão na instância de
primeiro grau. Então, outros analisarão e verificar se está pouco ou muito ou é
a pena ideal.
Reafirmando, então, o problema não é esse, mas ter
essa infinidade de recursos. Veja o caso de Luiz Estevão [senador cassado e
recentemente com recurso negado pelo STF contra condenação por falsificação de
documentos relativos à construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de
São Paulo]. Perderam a conta dos recursos que ele interpôs. Até que ele tentou
um último recurso, o qual, se o ministro do STF Dias Toffoli não tivesse
obstado e dito que ali havia um abuso de recursos, mais um dia e o caso seria
de prescrição. O ministro devolveu o processo e expediu o mandado de prisão. Ou
seja, o próprio representante do STF percebeu que estava havendo abuso.
Voltando à questão da Constituição de 88, as garantias são demais — o direito
do contraditório, o direito à ampla defesa, o direito de acesso à Justiça — o juiz,
vendo que tem de cumprir todos esses princípios, fica com séria dificuldade de
dizer que está havendo abuso. E então vai permitindo, até chegar ao ponto de
alguém dizer que, se permitir mais um recurso, não vai ter mais jeito, porque o
processo vai prescrever.
Não defendo acabar com os recursos, claro, mas eles
não podem ser infinitos. O STF agora está julgando uma questão agora que é o
absurdo dos absurdos. Ocorre o seguinte: o réu foi condenado e o Ministério
Público viu a sentença, achou que estava bom e não recorreu. Então, o processo
transitou em julgado para a acusação. O réu foi condenado a quatro anos e o
crime prescreve em oito. O réu vai recorrendo e os anos vão passando. O MPF
quer a execução da pena, mas não pode, porque não transitou em julgado para a
defesa, que, claro, vai recorrer até se completarem os oito anos para
prescrever o crime. Nossa tese é a seguinte: como o recurso é da defesa e o
Ministério Público não recorreu — porque se deu por satisfeito com a pena e
quer executá-la, mas não pode —, então a prescrição não pode continuar
avançando. Enquanto houver recurso apenas da defesa, o que impede a acusação de
executar a pena, essa pena não pode prescrever, senão se dará ao advogado de
defesa o poder de escolher se seu cliente poderá ser preso ou não. Ora, se for
assim o advogado já decidiu: o cliente não vai cumprir pena. E uma coisa tão
óbvia está sendo discutida no STF, porque tem gente que acha que a defesa tem
direito de recorrer enquanto também corre a prescrição.
No BNDES vai estourar mais um grande escândalo.
O Ministério Público Federal está exigindo acesso a informações sobre
empréstimos do BNDES. O TCU quer que o banco encaminhe ao órgão os processos de
concessão da JBS-Friboi
Cezar Santos — Como o sr. analisa o fato de a presidente Dilma
Rousseff dizer que a investigação do petróleo — ou “petropina”, como o sr.
prefere —, só está acontecendo porque ela mandou?
Acho que é uma forma de propaganda por parte dela. Para começar, não foi Dilma
quem mandou investigar. Quem está conduzindo essa investigação é o Ministério
Público, em parceria com a Polícia Federal. E ela não manda no Ministério
Público, que tem independência, autonomia e investiga se a presidente quiser ou
não. A decisão de investigar um crime não é da esfera de atribuição dela. É
como se eu, na torcida, dizer que o jogador errou o pênalti porque eu mandei.
Pode até ser meu desejo, mas isso independe de mim. Ou seja, é propaganda. A
Polícia Federal está sob o comando da presidente — e deve estar mesmo —, mas quem
está conduzindo essa investigação é o Ministério Público. A polícia está dando
o apoio, e não poderia ser diferente, porque o Ministério Público está
cumprindo ordens do juiz; logo, a polícia tem de fazer, em cumprimento de seu
papel legal.
É possível dizer que, no passado, esse tipo de
investigação não chegaria aonde hoje está chegando. Hoje, temos alguns
instrumentos legais que não tínhamos antes. O País desenvolveu muito seu papel
de investigação criminal, de troca de informações entre órgãos que têm
atribuição de investigação, seja criminal ou não, como a CGU, TCU, Ministério
Público, a polícia, o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras].
E temos leis, que foram promulgadas recentemente por exigência internacional —
como a nova lei de lavagem de dinheiro, que entrou em vigor em 2012, e a nova
lei de organizações criminosas, que entrou em vigor no ano passado. Essas leis
estão sendo usadas em larga escala na Operação Lava Jato. Se não tivéssemos
essas leis, não chegaríamos aonde os colegas estão chegando.
Se Dilma teve um mérito nessas leis, foi o de as sancionar. Ela poderia tê-las
vetado. Ocorre que o Brasil participa de organismos internacionais, como a
Organização Mundial do Comércio (OMC), a ONU [Organização das Nações
Unidas], organizações mundiais de combate à corrupção, que recomendam a adoção
de medidas como essas, de forma homogênea, no mundo inteiro. E avaliam o Brasil
se está cumprindo essas metas. Dão nota, informando se o País foi aprovado ou
não. E essas orientações passam pela estratégia nacional de combate à corrupção
e lavagem de dinheiro — que é formada por mais de 60 órgãos e entidades
privadas e públicas, que analisam e formulam as propostas de alteração
legislativa. Isso vai para o Congresso Nacional, que debate o tema e enxerga
que, se não forem aprovadas essas medidas, o Brasil corre risco de retaliação. A propósito, corremos o risco de sofrer
retaliação internacional por não ter aprovado uma lei que criminaliza o
terrorismo e seu financiamento. Isso está sendo avaliado agora e pode jogar a
nota do Brasil lá para baixo. Estamos evoluindo, essa é uma fase. Precisamos
evoluir mais, principalmente na questão do processo criminal, do processo de
improbidade, porque isso tem de ter um fim. As pessoas condenadas precisam
cumprir a pena, senão teremos escândalos cada vez maiores. E já precisamos
arrumar um nome para o escândalo do BNDES, quando ele aparecer, senão a “Veja”
vai usar a criatividade zero dela antes novamente, para batizá-lo. (risos)
Elder Dias — O sr. acha mesmo que esse escândalo realmente vai
aparecer? É uma bomba-relógio, questão de tempo?
Sim. Nos próximos dois anos, talvez até antes. Digo isso porque já existem
ações do Ministério Público Federal exigindo acesso a essas informações.
Algumas dessas ações já foram julgadas em primeiro grau e nós ganhamos. A
Justiça Federal, em Brasília, mandou o BNDES colocar tudo na internet. Houve um
recurso interposto e essa decisão não pode ser executada enquanto esse recurso
não for julgado. Teve também uma determinação do TCU para que o BNDES encaminhe
ao órgão os processos de concessão da JBS-Friboi, mas o BNDES disse não. Agora,
o TCU ameaça multar o presidente do BNDES [Luciano Coutinho] se não houver o
encaminhamento. Para não ser multado, ele terá de ir ao Supremo Tribunal
Federal pedir salvaguarda contra a ação do TCU. Então, o STF vai decidir se o
TCU deve ou não ter acesso a isso. O STF provavelmente decidirá que deve ter,
porque é dinheiro público e a Corte tem reiteradas decisões no sentido de que
não há sigilo bancário quando se trata de dinheiro público. Aplicando essa
jurisprudência, quando o TCU perceber o que há ali, a bomba vai estourar.
Elder Dias — Saindo do foco de trabalho, o que costuma ler? Quais
são seus hobbies?
Esse tipo de perguntas eu não respondo. Não falo sobre questões que dizem
respeito à individualidade. Já dizem que eu sou um procurador que gosta de
aparecer, que, se eu acordo de noite e vou à geladeira e vejo aquela luz na
minha cara, começo a dar entrevista para o refrigerador (risos). Falo sobre os
assuntos os quais a gente falou.
Você me segue no Twitter e percebe que não coloco nada
sobre a vida pessoal — no máximo, alguma coisa sobre futebol. Agora, questões
como filmes que eu gosto de ver, livros que estou lendo, se eu gosto de vinho
ou não, para onde gostaria de viajar, isso é muito bom para quem é celebridade
da revista “Caras”. Não é meu caso. Minha vida particular é muito pouco interessante.
[Fotos: Renan Accioly/Jornal Opção]