Faltam
alguns dias para o Natal. É tempo de....
Pois
é, é tempo de quê? ... O que se vê é a ‘febre’
de consumo ou, melhor dizendo, a ‘neurose’ de fazer compras, garantir presentes
e comida farta (e sobretudo as bebidas!). De modo geral, reunir família e/ou
amigos para ‘comilança’, conversa e brincadeiras... Poucos dão algum sentido
religioso a esses momentos, outros nem lembram, e até os ateus festejam.
Talvez,
ainda, postar e-mails e mensagens ‘docinhas’ no Facebook, que não comprometem
com ninguém e com nada, desejando aos outros ’Boas Festas’. Assim foi nos anos
anteriores, assim hoje e assim, provavelmente, será no próximo ano. Festeja-se
o Natal sem mais saber o por quê e, enfim, de quem é esse Aniversário. Cada vez
menos menciona-se o nome de Jesus...
Aí
vem a indagação: O sentido do NATAL estaria em tudo isso que fazemos hoje?...
E,
pensando nesta pergunta, trago aqui, para o blog Indagaçoes-Zapytania, um
excelente e muito atual artigo do professor José Lisboa Moreira de Oliveira
sobre o Sentido do Natal. Uma leitura atenta e serena de suas colocações é
capaz de nos ajudar muito na reflexão. Acredito que seria bom se sobretudo os
líderes e coordenadores de comunidades cristãs pudessem ler e discutir esse
texto. Aliás, todos os cristãos, sejam católicos ou não, precisariam fazê-lo.
O autor publicou este artigo no seu blog O Chamado.
Realmente, vale a pena ler!
WCejnóg
O
Chamado
sexta-feira,
12 de dezembro de 2014
Sentido
do Natal
Natal: comemoramos, mas não entendemos
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo,
teólogo, escritor e professor universitário
Conhecemos a origem da festa cristã do Natal. Ela remonta aos tempos da chegada do cristianismo à capital do império romano. Ao chegar a Roma os cristãos encontram, por volta do dia 25 de dezembro, uma festa ao deus Sol. Tratava-se de uma celebração para comemorar o solstício de inverno do polo norte. A partir dessa data os dias começavam a ser mais longos, o frio ia diminuindo, o calor aumentando. A terra ia ficando aquecida e favorecendo o plantio. Numa tentativa de inculturação, o cristianismo vai substituindo essa festa pela comemoração do nascimento de Jesus, considerado a “luz do mundo”, ou “a luz da vida” (Jo 8,12).
Embora significativa, a festa do Natal não entrou de imediato no calendário litúrgico cristão, voltado inicialmente, e quase que exclusivamente, para a celebração da Páscoa, memorial da morte e da ressurreição de Jesus. Com o passar do tempo a celebração do nascimento de Jesus foi sendo misturada com a comemoração de São Nicolau, santo que teria vivido no IV século, um velhinho bondoso que, segundo a tradição, distribuía esmolas e presentes para as pessoas, especialmente para as crianças. Aos poucos acontece a “noelização” do Natal, ou seja, a substituição do Menino Jesus por Papai Noel. A comemoração do nascimento do Menino Jesus cede lugar ao velhinho de barbas brancas que, na noite de Natal, sai deslizando pela neve com o seu trenó, a fim de levar presentes para as pessoas.
De acordo com uma tradição, São Francisco de Assis teria feito uma tentativa de resgate do significado cristão do Natal, armando o primeiro presépio da história. Ele queria expressar plasticamente a singeleza, a pobreza, a ternura e a humildade do Filho de Deus. Buscava, assim, retornar às fontes evangélicas e dar outro sentido àquela celebração. Mas, também depois disso, a celebração do Natal não conseguiu encarnar na prática o que ela devia significar. Os presépios se sofisticaram e aquela que deveria ser a festa da singeleza do nascimento do Filho de Deus virou uma comemoração qualquer, praticamente desvestida do seu sentido cristão mais profundo.
Com a chegada do capitalismo deu-se a comercialização do Natal. Este passou a ser uma festa do consumo. Houve um distanciamento total do Menino Jesus, o qual foi substituído por personagens e símbolos insignificantes e sem sentido. No hospital onde estou fazendo tratamento, por exemplo, já foi feita a decoração do Natal. Não há nenhum símbolo e nenhuma figura que lembre aquela criança que, segundo o evangelho de Lucas, teria nascido pobre, numa manjedoura, na periferia de uma cidade periférica da periferia do império romano. Uma rede de lojas aqui do Distrito Federal está fazendo uma propaganda intitulada “Natal sem estresse”. As pessoas podem ficar despreocupadas, pois essa rede possui mais de cinco mil produtos à disposição da clientela e ninguém precisa ficar estressado, pois as lojas vão garantir produtos em quantidade suficiente para todos fazerem suas compras natalinas.
Ora, tudo isso mostra que nós celebramos o Natal, mas não entendemos nada da sua mensagem cristã. Num país como o Brasil, onde os que se declaram cristãos chegam a quase 90% da população, isso é muito triste e revela a fragilidade desse cristianismo, incapaz de entender e, sobretudo, de viver de sua essência. Ao mesmo tempo revela a responsabilidade desses cristãos, particularmente de suas lideranças, diante do que acontece. De fato, a comercialização do Natal é apenas um dos aspectos de um cristianismo que, em nosso país, foi perdendo progressivamente a sua capacidade profética de sacudir as consciências, principalmente dos próprios cristãos.
Recentemente o teólogo Renold BLANK, através de seu livro Deus e sua criação (Paulus, 2013), nos ajudou a repensar o Natal numa perspectiva mais cristã, ou seja, mais evangélica. Partindo do dado fundamental da fé, o qual afirma que, através de sua encarnação, Jesus nos revelou a verdadeira identidade de Deus (Jo 14,9), Blank nos convida a refazer nosso modo de celebrar o Natal. Diz ele: “Somente na religião cristã veneramos um Deus que se revela na pequenez de uma criança, em sua impotência e fraqueza, mas também em sua carência de amor. Costumes natalinos desenvolvidos ao longo de séculos expressaram esse saber em imagens que são, em parte, folclóricas. Todas elas, porém, permaneceram, por assim dizer, na superfície do evento” (p. 189).
Eis a melhor definição para a atual celebração natalina, mesmo por parte dos cristãos: pura superficialidade. E isso por várias razões. Em primeiro lugar porque, ao fomentar o consumo, esse tipo de celebração se distancia daquele que é a razão de sua existência, o Menino Jesus, nascido pobre e simples na periferia de uma cidade insignificante. Em segundo lugar, porque ao se apresentar como uma criança totalmente desprotegida, necessitada de tudo, inclusive de carinho e de amor, o Natal deveria revelar a verdadeira face de Deus. Não um Deus onipotente, poderoso, castigador, dominador, mas um Deus humilde e simples e que quer ser venerado assim. Mas os cristãos não entenderam até hoje esta lição do Natal e continuam adorando um Deus distante, poderoso e até mesmo aterrorizador. Um Deus general, controlador, fiscal, e que fica cobrando de nós um monte de dívidas. Por fim, o Natal se tornou uma festa superficial porque não afeta os nossos relacionamentos. Há troca de presentes, congratulações, lágrimas etc., mas deixamos tudo como está. Como cristãos não nos importamos como o que está acontecendo. Não nos importamos com as injustiças, com a miséria, com as desigualdades, com os males que afetam uma sociedade, que se orgulha de ser cristã.
Blank afirma que no Natal, “Deus mostra que ele não está interessado no poder. Em vez disso, ele vai ao encontro dos seres humanos no sorriso de uma criança. De uma criança, porém, ninguém tem medo [...]. Um Deus que se manifesta na forma de uma criança necessitada de proteção, esse Deus pode ser amado porque não precisamos ter medo dele” (p. 190-191). Disso se conclui que o verdadeiro espírito de Natal não está nas lojas, nas ceias e nem mesmo nas celebrações sofisticadas ou, às vezes, tediosas que se fazem nas igrejas. Celebrar o Natal de verdade, dentro da dinâmica da encarnação de Jesus, é amar um Deus que rejeitou todas as formas de poder e de dominação. Mas é, acima de tudo, renunciar a todos os “mecanismos do poder, seja no plano político, seja no plano religioso ou privado. Diante de uma história secular de poder do cristianismo, isso deve ser ressaltado com toda clareza” (p. 191-192).
O Natal nos revela que Deus não quer ser visto, venerado, adorado como rei potente, todo-poderoso, vingativo, castigador, rico e amigo dos ricos. Ele quer ser acolhido, amado, adorado como um Deus fraco, que escolhe a fraqueza e os fracos; que escolhe o caminho da insignificância, da pequenez, da pobreza. Ele quer ser visto pelos cristãos e pelas cristãs como o Deus dos pobres, dos pequenos, dos humildes e dos simples. Um Deus-criança que suscita ternura, desperta carinho, alegria e do qual não é preciso ter medo.
O fato de ainda continuarmos vendo Deus de outra forma, e vivendo de maneira diferente daquela através da qual ele se manifestou, prova que não entendemos nada do Natal. Celebramos, gastamos, enfeitamos ruas e casas, mas não percebemos amensagem essencial desta festa. Revela a nossa responsabilidade de cristãos e de cristãs em reverter essa situação. Precisamos retornar com urgência ao espírito original do Natal. Àquele verdadeiro espírito que o evangelista Lucas quis nos comunicar quando registrou que o Filho de Deus foi colocado “na manjedoura, pois não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7).
Precisamos
fazer o Natal voltar a ser a festa do nascimento do Menino Jesus.
Precisamos desvestir o Natal de toda caricatura neoliberal, comercial e
exploradora. Os cristãos e as cristãs precisam voltar a ser discípulos do
menino de Belém. Um bebê pobre, indefeso, carente, pequeno e bem humano.
Precisam mudar suas concepções e suas experiências do Deus de Jesus. Melhor
dizendo, os cristãos e as cristãs precisam mudar de deus, deixando de ser
idólatras, adoradores de um falso deus.
Nós,
como o menino de Belém, precisamos aprender a amar de verdade, pois somente o
amor verdadeiro revoluciona o espírito do Natal. É claro que isso não é fácil,
pois, “de repente fica menos fácil cantar os antigos hinos de Natal, sem
começar ao mesmo tempo a amar as pessoas, abrir-lhes o coração e responder suas
perguntas com amor” (Blank, p. 195). Não podemos celebrar o Natal sem responder
às grandes perguntas que a humanidade de nossos dias, especialmente o mundo dos
pobres e excluídos, coloca para o cristianismo. Não há outro caminho para
devolver ao Natal o seu espírito cristão senão aquele de um Deus incômodo que
nos desestabiliza por completo ao se apresentar como uma criança que “toma
inequivocamente partido pelos escravos e contra o sistema de dominação
político-econômico” (Blank, p. 199). Um Deus que, na manjedoura de Belém, opta
decididamente pelos derrotados, pelos excluídos e pelos marginalizados.
Fonte:
Blog O Chamado
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