Uma entrevista
interessante com o irmão jesuita Guy Consolmagno *. - Pode ajudar a quem procura entender melhor as relações que exstem (ou que
deveriam existir) entre a ciência e a religião.
Foi publicada no mês de julho de 2014 no site zenit.org, e também posteriormente no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Vale
a
pena ler!
WCejnóg
IHU
- Notícias
Sexta, 25 de julho de
2014
Astrônomo pontifício: Ciência
real não é o Reino dos ateus
Os católicos precisam
ser mais corajosos para mostrar que a religião e a ciência coexistem diz o
astrônomo papal que acaba de receber um dos prêmios mais prestigiados do mundo
da ciência.
O jesuíta Guy Consolmagno, que
foi homenageado (em julho) com a Medalha Carl Sagan por sua
"excepcional comunicação de um ativo cientista planetário" pela American
Astronomical Society (AAS), conta que a Igreja não se opõe à ciência
e considera o maior equívoco entre dois reinos.
A entrevista é de Deborah
Castellano Lubov, publicada pelo sítio zenit.org, 23-07-2014.
Eis a entrevista.
O senhor poderia falar
um pouco sobre a sua vida, o seu trabalho, e explicar por que foi premiado com
a Medalha Carl Sagan?
Eu sou de Detroit. Eu
era um típico garoto baby boom, comecei o jardim de infância quando o Sputnik
subiu, assisti o desembarque na lua no meu último ano de colégio. Meu amor pela
astronomia vem desde muito cedo, quando fui para a escola jesuíta em Detroit,
eu fiz as honras clássicas e escrevi para o jornal da escola. E acabei no MIT
com o máximo de interesse em ler (e escrever!) ficção científica como na
ciência. No entanto, descobri que fazer ciência era mais fácil do que escrever
sobre isso, e então eu fiz um doutorado em astronomia planetária no Arizona
e pós-doutorado em Harvard e no MIT.
Mas eu continuei me
questionando: "Por que ciência, enquanto as pessoas estão morrendo de fome
no mundo?" - aqui a educação jesuíta entra forte -. Então parei com a
ciência e fui para o Peace Corps. No Quênia as pessoas me
mostraram por que estudamos ciência: a curiosidade deles pela astronomia
reacendeu meu amor pela ciência; e a ‘fome’ deles para saber mais sobre o
universo me fez lembrar que não vivemos só de pão.
Voltei para um emprego de professor, no Lafayette College, na
Pensilvânia, e gostei muito, por isso, decidi entrar para os jesuítas, para
ensinar em uma universidade jesuíta. Em vez disso, eles me enviaram para o Observatório
do Vaticano em Roma, onde, junto com a minha ciência, eu também faço várias
apresentações públicas e trabalhos científicos. Então, meu antigo sonho de ser
um escritor voltou depois de tudo.
De acordo com você, como
a Igreja pode mostrar que não se opõe à ciência?
Não é o que "a
Igreja" deve fazer como uma instituição; apoiando-nos no Observatório,
a Igreja já está fazendo sua parte. Agora cabe a nós, católicos, que somos
também cientistas, fazer a nossa parte. Para começar, temos de ser corajosos o
suficiente para falar em nossas paróquias e em outros ambientes católicos, de
dizer aos nossos irmãos católicos (e cristãos) sobre como a ciência ou a
engenharia nos aproxima do Criador.
Eu descobri que não são
os cientistas que precisam ouvir sobre religião. Na verdade, a maioria dos
cientistas está muito familiarizada com a religião e a proporção de cientistas
religiosos praticamente coincide com a proporção de pessoas religiosas na
comunidade onde vivem. Mas muitas pessoas religiosas só vêem "cientistas
de TV", que são uma representação da ciência como os "pregadores de
TV" são para as pessoas religiosas. Eles precisam ver que a verdadeira
ciência não é o reino de ateus ou quase, tolos egoístas.
Você pode falar sobre
como a religião e a ciência podem coexistir?
O que nos faz, como
seres humanos, diferente dos macacos meramente inteligentes? A nossa capacidade
de refletir sobre nós mesmos, o nosso ambiente, o nosso universo, e tomar
decisões livres para amar e querer isso ou aquilo. Intelecto e livre arbítrio
são atividades da alma; a ciência é o reino onde se manifestam.
E por que nós, como
cientistas, estudamos ciência? Se é por fama e glória, ou por dinheiro e poder,
então, estamos reduzindo nós mesmos. Mas, se é pelo simples prazer que sentimos
quando vemos algo novo e belo no universo, a alegria da descoberta, o
sentimento de admiração ... então eu afirmo que é o tipo de alegria que nos surpreende
na presença de Deus. Deus se manifesta nas coisas que Ele criou: não sou eu que
estou falando, mas é uma citação de São Paulo. (Carta aos Romanos)
Você incentivou
cientistas católicos a não hesitar em compartilhar o amor pela ciência com suas
comunidades. O que exatamente você quer dizer com isso? Você poderia explicar
dando um exemplo concreto?
A paróquia é um ótimo
lugar para começar. Um cientista ou um engenheiro poderia trabalhar com
programas para jovens ou clubes como os Cavaleiros de Colombo,
ensinando astronomia, criando um telescópio no estacionamento da igreja; ou um
clube de robô, falando sobre as implicações da inteligência artificial. A
paróquia é uma oportunidade para ensinar; os cientistas devem aprender a
compartilhar sua paixão e alegria. Até mesmo uma pequena nota sobre a flora e
fauna local no boletim paroquial pode lembrar às pessoas que existem cientistas
em sua paróquia.
A sua educação jesuíta
ajudou você a se sentir confortável para discutir publicamente sobre a fé.
Certo? Houve certos momentos que você se sentiu desconfortável para fazer isso?
Eu sempre tive orgulho
de minha educação jesuíta. Além do mais, acho que a reputação de jesuíta (que
como a maioria das reputações é exagerado!) abriu muitas portas para mim entre
os meus colegas cientistas. Nós somos conhecidos por sermos crentes que não têm
medo do mundo; abraçamos o universo, porque encontramos Deus em todas as
coisas.
Qual é o maior equívoco
que contribui para a noção de que a ciência e a religião não podem coexistir? E
isso pode ser esclarecido de alguma forma?
A "eterna guerra
entre ciência e religião" tornou-se um daqueles "todo mundo
sabe" factoide – como "Cristóvão Colombo provou que o mundo
era redondo" – e nós aprendemos quase por osmose quando crianças, mas que
é obviamente falso. Acho que a única maneira de combater isso é dar muitos
exemplos de cientistas de verdade, para que as pessoas encontrem por si mesmas,
‘na carne’, argumentos que contradigam a visão eternamente falsa do mundo que
nós encontramos na TV e na Internet.
__________
* Guy Consolmagno é
curador da coleção de meteoritos do Observatório do Vaticano e autor de vários
livros, escrevendo para algumas publicações, explicando de forma simples e
divertida conceitos e descobertas astronômicas.
Consolmagno nasceu
nos Estados Unidos e entrou para os jesuítas em 1989. Em 1991 professou como
irmão naquela ordem, mas nunca foi ordenado sacerdote. Quando chegou a Roma a
informação de que tinha um doutoramento em astronomia foi chamado para
trabalhar no Observatório Astronômico do Vaticano, em Castelgandolfo.
Embora o comunicado
onde é nomeado vencedor da edição deste ano da medalha Carl Sagan o descreva
como ocupando “uma posição singular na nossa profissão, como porta-voz credível
da honestidade científica no contexto da crença religiosa”, Consolmagno nem
quer ouvir falar em conflito entre ciência e religião.
“A ciência começou
nas universidades. Quem fundou as universidades? A Igreja. Quem é o pai da
geologia? Alberto Magno, que era monge. Quem é o pai da química? Roger Bacon,
um monge. Quem desenvolveu a genética? Gregor Mendel, um monge. Quem foi o
primeiro a classificar as estrelas pelos seus espectros? Angelo Secchi, um
padre jesuíta. Quem desenvolveu a teoria do Big Bang? Georges Lemaitre, um padre
belga”, afirmou em entrevista à revista “Appalachian Magazine”, em 2011. [In: anec.org.br]
Fonte: IHU - Notícias
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