Abaixo, um artigo muito útil e interessante
para o momento atual, em que está terminando o ano velho e começa o novo ano de
2015.
O autor, professor José Lisboa Moreira de Oliveira, publicou este texto no seu blog O Chamado.
Não
deixe de ler!
Aproveito, para desejar a todos os leitores e
visitantes do blog Indagações-Zapytania um Bom Ano Novo, repleto de paz e
felicidade.
WCejnóg
O Chamado
Quarta-feira, 24 de
dezembro de 2014.
Avaliação de início de
ano
“No início não foi assim”
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário
O começo de um novo ano
civil é apenas uma convenção humana e nada mais. Há bilhões de ano a Terra gira
em torno do Sol, completando uma volta em torno dele a cada 365 dias e algumas
horas. Assim sendo, o começo de um novo ano não significa nada, além do início
da recontagem de um novo período de 365 ou 366 dias. Isso não tem nenhuma
influência sobre as pessoas e sobre as suas vidas, a não ser levá-las a trocar
de calendário. Mas hoje nem precisamos fazer isso, pois os computadores e as
outras formas de tecnologias, como os celulares, se encarregam de fazer a
troca. Desta forma até mesmo aquilo que antes era uma novidade, hoje se tornou
rotina. Minutos após a virada do ano e a queima de fogos tudo volta a ser como
antes; tudo volta ao normal.
Porém, para as cristãs e
os cristãos, o início de um novo ano pode se apresentar como uma oportunidade
para uma reflexão mais séria. Embora o evento não passe de um mero início de
nova recontagem de dias e da troca de algum dígito no calendário, pode ser uma
ocasião para aprofundarmos alguns elementos de nossa fé e para a reconstrução
de nossas vidas, para a nossa conversão. Pode ser um verdadeirosinal dos
tempos, como nos alertava Jesus (Lc 12,54-57) e como amava repetir o
papa João XXIII e o Concílio Vaticano II. Podemos aproveitar deste momento para
uma parada, para um balanço de vida, para uma avaliação ou análise da realidade
de nossa vida pessoal e comunitária.
Neste artigo quero
propor que façamos esta avaliação a partir do conceito de início, do
conceito de princípio, assim como aparece na Bíblia. Trata-se de
aproveitar da ocasião da chegada de um novo ano para uma reflexão profunda
sobre o que significa voltar ao início, voltar ao princípio, voltar às origens.
Quando Jesus foi
interpelado por alguns fariseus acerca da prática do divórcio, ele deixou bem
claro que tal prática era ilícita e injusta. E para fundamentar a sua posição
ele recorre às origens: “Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de
coração. Mas não foi assim desde o início” (Mt 19,8). Ao dizer
isso, Jesus deixa claro que há um projeto de Deus que remonta às origens, o
qual foi desvirtuado pelo egoísmo e pelos caprichos humanos. Por essa razão é
preciso voltar ao início, ou seja, ao projeto inicial de Deus. Se
não houver essa volta estaremos na contramão, destruindo por completo o sonho
do Criador para a humanidade.
Pena que as Igrejas, até
hoje, tenham tratado o divórcio apenas como uma questão de sexo e não tenham
conseguido entender o que Jesus queria propor. Para o Mestre o divórcio não era
permitido por causa de possíveis relações sexuais fora do casamento, com uma
terceira pessoa, mas por ser uma decisão unilateral e arbitrária
do homem, que deixava a mulher numa situação dramática. Dentro da cultura
palestina da época, a mulher repudiada passava a ser discriminada e odiada.
Dificilmente achava um homem que quisesse se casar com ela. E como,
culturalmente, a mulher era totalmente dependente do homem, ela ficava
completamente desemparada. Só lhe restava morrer de fome, mendigar ou
prostituir-se. Diante do exposto pelos fariseus, Jesus se posiciona contra o
divórcio, não para condenar uma possível relação sexual extraconjugal, mas para
defender a igualdade e a dignidade da mulher, e livrá-la de uma tremenda
injustiça. E fundamenta a sua defesa voltando às origens, lembrando que “o
Criador, desde o início, os fez homem e mulher” (Mt 19,4).
A partir do exemplo que
acabei de apresentar, podemos aproveitar do início do novo ano para fazer uma
grande avaliação de nossa vida pessoal e de nossa vida comunitária e social. O
que está de acordo com o projeto inicial de Deus? O que precisa ser refeito,
tendo presente o princípio de tudo, a proposta original do Criador?
É bom começar pela
própria vida pessoal. Em termos pessoais poderíamos avaliar o nosso tipo
de religiosidade. Como é a minha prática religiosa? Sou daqueles que
gostam de muita pompa, de muito incenso, de muita loa, daquele tipo de culto
que Deus rejeita como “coisa nojenta”, porque desprovido de toda sensibilidade
para com a justiça (Is 1,10-15)? Ou procuro uma forma de vivência da fé que se
preocupa em “acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr
em liberdade os oprimidos” (Is 58,6-7)? Sinto-me incomodado com aquela Igreja
que anuncia a Boa-Nova aos pobres (Lc 4,18-19) e denuncia explicitamente a
exploração praticada pelos ricos (Tg 5,1; Lc 6,24-25)? Quero uma Igreja que não
se meta em política, que não fale de injustiças e das desigualdades sociais ou
prefiro uma Igreja comprometida e corajosa, capaz de rejeitar toda piedade
transformada em “fonte de lucro” (1Tm 6,6)?
Mas tal avaliação não
deve ficar apenas no âmbito da individualidade. É preciso que façamos juntos uma
grande avaliação de nossa vida comunitária e de nossa vida social. Poderíamos
começar, por exemplo, com uma avaliação de nossascelebrações eucarísticas,
ou, como chamam algumas Igrejas, da celebração da Ceia do Senhor.
Será que elas, como se desenvolvem atualmente, conservam aquela essência das
origens? Não são celebrações excludentes, que deixam de fora os mais pobres,
aqueles que não têm nada (1Cor 11,20-22)? Será que em nossos templos luxuosos
os mais pobres têm espaço? Ou, de repente, “sem querer, querendo”, estamos
empurrando os mais pobres e excluídos para fora de nossos templos e de nossas
assembleias (Tg 2,1-4)? Será que a celebração da Ceia do Senhor, instituída como
memorial da morte e ressurreição de Jesus (1Cor 11,23-26), e para “a remissão
dos pecados” (Mt 26,28), não está excluindo aqueles que os “donos das Igrejas”
consideram “pecadores”? Em minha
comunidade, quem pode participar da Ceia do Senhor? Com qual autoridade alguns
“doutores da Lei” tentam impedir que os tidos por eles como “pecadores”
sentem-se à mesa, comam e bebam com o Mestre (Mc 2,15-17)?
E como anda o
nosso compromisso social? Somos apenas comedores de hóstias,
frequentadores de templos, de cultos, de missas ou estamos comprometidos com a
transformação de nossa sociedade? Apenas reclamamos da corrupção ou fazemos
algo para não permitir que isso aconteça? Será que também nós, cristãos e
cristãs, não somos corruptores? Não costumamos aproveitar de certas ocasiões
para sair “levando vantagem em tudo”? Será que não estamos transformando a
prática religiosa num meio para encobrir as nossas maracutaias?
Como anda a nossa
coragem profética? Estamos denunciando aqueles que estão explorando os pobres,
os trabalhadores (Tg 5,1-6)? Ou, de repente, fazemos parte daquele grupo de
gente muito piedosa que não paga o salário justo, que não respeita o direito
dos trabalhadores, da pessoa que limpa a nossa casa, lava e passa a nossa
roupa? No prédio onde moro, por exemplo, há uma família muito católica. Vive o
dia todo com a televisão conectada nas redes católicas, rezando o terço da
misericórdia e venerando como deuses Padre Marcelo, Padre Robson, Padre Fábio
de Melo etc. etc. Mas não paga o salário justo à diarista que faz a limpeza da
casa e chega mesmo a negar-lhe o almoço, obrigando-a a ter que ir almoçar fora.
Quando a diarista almoça com a família, a comida é descontada do pagamento da
diária.
E como anda a nossa
participação na política? Somos políticos ou politiqueiros?
Pensamos no bem comum, no bem de todas as pessoas, ou estamos interessados em
fazer politicagem, de modo que o nosso voto traga benefícios pessoais? Como nos
comportamos nas últimas eleições? Defendemos candidatos que tinham projetos
sérios e em favor dos mais pobres e excluídos ou nos juntamos àqueles que
defendiam um projeto neoliberal excludente? Ao votar, ou até deixar de votar,
pensamos nos pequenos e indefesos ou aderimos a partidos e candidatos que
“esmagam o fraco” (Am 5,11), que exploram os necessitados e são “opressores dos
pobres do país” (Am 8,4-6)?
Poderíamos multiplicar
as perguntas. Mas penso que aquelas aqui apresentadas já são suficientes para
que possamos entender o que significa essa avaliação de final e de início de
ano, na perspectiva bíblica daquilo que os texto sagrados chamam de “início”. O
importante é estar acordado, ou seja, perceber que a cada momento da vida Deus
nos interpela e nos convida à mudança de vida, à conversão. E felizes aqueles
“que o Senhor encontra acordados quando chega” (Lc 12,37).
Fonte: Blog O Chamado
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