O
artigo abaixo oferece informações preciosas e ajuda a esclarecer muitas dúvidas
em relação à atual crise na Ucrânia. Pode ser muito útil para quem procura a
entender melhor a situação desse país.
Foi
publicado recentemente no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Não deixe
de ler.
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IHU
– Notícias
Quarta,
19 de março de 2014.
Na Ucrânia, a morte
definitiva da União Sovietica.
A
análise de um jesuita. O superior dos jesuítas ucranianos, David
Nazar, oferece uma leitura das ameaças que vêm da Rússia, enquanto o país
eslavo é abalado pela revolução política interna e pela crise militar na
Crimeia, que mantêm o mundo em suspense.
O artigo
foi publicado na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 10-03-2014. A
tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o
texto.
A invasão
de Putin, claramente ilegal e contrária às suas repetidas declarações
públicas, não é, no fim, um ato de agressão, mas sim de medo. A economia russa
está se enfraquecendo, e a esperança de criar uma "União
Eurasiática" não pode se realizar sem a Ucrânia.
Cazaquistão, Quirguistão e Bielorrússia não oferecem muito. A Rússia
possui petróleo e bilionários, mas não uma economia diversificada e uma classe
média. Cerca de 60% do seu comércio exterior está ligado aos combustíveis
fósseis. Um décimo das receitas estatais provém diretamente da Gazprom.
A Ucrânia,
ao invés, é o sétimo maior produtor mundial de aço, o sexto exportador de trigo
e o terceiro de milho. Tem um setor metalmecânico importante, que vai dos
carros aos tratores, passando pelas armas e aviões. Tem uma classe média
estendida e uma forte classe operária. E, por fim, tem desembocadouros no Mar
Negro, que dá acesso ao Mediterrâneo e ao mundo.
As forças
armadas russas não são grandes o suficiente para invadir e ocupar a Ucrânia,
que é maior do que a França e tem 45 milhões de habitantes. Na Crimeia,
elas têm algum apoio. Lá está alojada a maior base da Marinha russa, com 25 mil
militares e 380 navios. Sem ela, a Rússia não poderia esperar que suas
tropas desembarcassem.
Ora,
incrivelmente, parece que Yanukóvych convenceu Putin (que não o
respeita) a atacar e que a população se levante em apoio à invasão. Putin
parece cegado pela ambição. Mas ele não poderia invadir a Ucrânia
continental, a menos que tenha sido cegado pelo desespero, hipótese não
impossível. Nada cimentaria mais a Ucrânia, e ele mesmo descobriu isso
rapidamente. Uma boa porcentagem dos habitantes da Crimeia o apoia, mas
outros logo saíram às ruas para protestar contra ele, prontos para pegar em
armas contra as suas tropas. Também nem é óbvio que ele conseguirá conquistar a
própria Crimeia.
Essa
península nunca foi "ucraniana". Nela, Catarina, a Grande,
derrotou os turcos muçulmanos e a povoou com russos. Khrushchov a uniu à
Ucrânia em 1954, apesar de alguns protestos, mas na União Soviética tudo
era decidido em Moscou. Também verificaram-se algumas reações locais em
1991, quando a Ucrânia declarou a independência, mas a Crimeia
não fez resistência à união com Kiev quando lhe foi concedido um status
especial.
Os
tártaros da Crimeia são um grupo significativo favorável à união com a Ucrânia
e não querem ter nada a ver com a Rússia. Na Crimeia, também existem
pessoas de origem russa que desejam continuar fazendo parte da Ucrânia. Putin
pode fazer um despeito, mas pouco mais.
O rublo é
a moeda mais fraca entre as das nações industrializadas. Quando o parlamento
russo votou para dar ao presidente a autorização para invadir, a moeda perdeu
quase 10% do seu valor. Quando as tropas realmente foram enviadas, a Bolsa
de Moscou perdeu mais de 10%. Os especialistas calculam que, em um dia, a Rússia
perdeu 55 bilhões de dólares (Sochi custou 50 bilhões de dólares). Isso
é exatamente o que Putin não quer e não pode se permitir.
Sete
líderes do G8 se recusaram a participar da reunião que será realizada em
Sochi em junho, a menos que ele mude completamente de rota. Obama pediu
uma total exclusão da Rússia do G8, intolerável para Moscou. Além
disso, as manifestações nos países ex-soviéticos dão aos russos a coragem de
protestar contra as grandes injustiças presentes no seu país.
Putin é
paranoico com relação a tais manifestações: as demonstrações de simpatia para
com os ucranianos eram limitadas nos últimos meses, mas cresceram com a
invasão. Putin imediatamente prendeu 300 manifestantes em Moscou,
e muitos tiveram condenações de dois meses de prisão. Entre eles, estão alguns
líderes da oposição.
Uma
leitura abrangente e de esperança de todos esses eventos vai em duas direções:
uma diz respeito ao fim da corrupção sistemática no governo ucraniano, com a
criação de um governo popular. Isso daria fim a um governo de estilo soviético,
isto é, favorável a quem está no poder e não ao povo.
A segunda
refere-se à morte definitiva da União Soviética. Putin, no seu
segundo mandato presidencial, disse que a maior catástrofe do século XX havia
sido o colapso da URSS. É difícil encontrar alguém, mesmo na Rússia, que
esteja de acordo. Ele disse também que "nós, russos", aprendemos
alguma coisa com os norte-americanos: não se conquista o mundo com a força
militar, mas sim com a economia, e a tal objetivo ele se dedicou por quase dez
anos, tentando atrair os países vizinhos à União Eurasiática.
Os fato
recentes deixaram claro também a ele, no fim, que a Ucrânia não fará
parte da sua esfera, e, por isso, as suas esperanças de uma União (seja
soviética, seja eurasiática) morreram. Resta saber como ele irá reconhecer essa
orientação do país, mas ele já começou a trabalhar com o atual governo
ucraniano.
Durante
toda a revolução dos últimos meses, na maidan, a praça de Kiev,
epicentro dos protestos, a cada hora havia uma oração. Eu acho que a oração é
crucial em todos os aspectos dessa história. É uma forma de
"exorcizar" um governo corrupto e os vestígios da mentalidade
soviética. Trata-se de um primeiro passo, mas eu diria que ele funcionou na Ucrânia,
ao menos por enquanto.
É preciso
ver como o novo governo vai responder às demandas populares. A maidan
permanecerá ocupada até as eleições presidenciais de maio, para assegurar a
organização de uma votação regular e a formação de um governo de qualidade. Os
manifestantes não estão em busca do controle, mas sim uma gestão do processo
com base na Constituição que confere ao povo a suprema autoridade.
Metade da Ucrânia
está rezando e jejuando por tudo isso durante a Quaresma, assim como fez
durante a revolução.
Fonte: IHU - Noticias
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