Hoje trago para o blog Indagações-Zapytania um excelente
artigo O silêncio de Deus, de autoria
do Frei Betto. Foi publicado no início do mês passado (novembro de 2015) no
Adital.
Recomendo! Acho que uma leitura serena e atenciosa
desse texto pode ajudar muita gente, que se vê debatendo diante de sérias
dúvidas desse tipo. Na verdade, é um texto valioso para uma séria reflexão, que
todos nós deveriamos hoje fazer.
Realmente, vale a pena ler!
WCejnóg
06.11.2015
O
silêncio de Deus
Por Frei Betto*
Incomoda-nos o silêncio de
Deus, tema recorrente na obra magnífica de Carlos Heitor Cony. Até o papa Bento
XVI, ao visitar Auschwitz, em abril de 2010, exclamou: "Por que, Senhor,
permaneceste em silêncio? Como pudeste tolerar isto? Onde estava Deus nesses
dias?”
Albert Camus concluiu que ou Deus é onipotente, mas
é mau, ou é bom, mas impotente. De fato, paira a indagação se Deus deserdou a
humanidade ao se constatar tantas atrocidades: de Auschwitz a Hiroshima; do
genocídio indígena na América Latina ao uso de drones made in USA que, no
Oriente Médio, provocam destruição e mortes até mesmo em hospitais de campanha
dos Médicos Sem Fronteiras. Hordas de imigrantes promovem um novo êxodo rumo a
países ditos cristãos e estes, horrorizados, fecham suas fronteiras e seus
corações.
Deus faz silêncio na vida de tantos adultos que, na
infância, creram nele e, agora, nas pegadas de Nietzsche, o descartam como uma
ilusão destinada a tentar compensar na vida além da morte o sofrimento
inexplicável nesta existência.
Como Deus pode existir se há tantas crianças
condenadas à fome, a doenças incuráveis, à crueldade dos adultos?, perguntava
Betinho, que foi meu companheiro na Ação Católica. E aqueles que nele creem são
mais éticos e justos do que os ateus? As maiores atrocidades da
história, como a Inquisição, o colonialismo, a escravatura, o nazismo e as duas
grandes guerras, foram cometidas por nações que se consideram predominantemente
cristãs.
Ora, quantos cristãos enchem a boca com o nome de
Deus, e inclusive o bolso graças a ele, e trazem o coração repleto de ira,
ódio, vingança e preconceitos! Quantos exploram a boa fé do rebanho de fieis
para extorquir, corromper e multiplicar seus negócios, e ainda prometem o Inferno
a quem os denuncia!
Até Jesus experimentou o silêncio de Deus:
"Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?” (Marcos 15, 34). Em dois ou
três períodos de minha vida, como na prisão sob a ditadura civil e militar,
também indaguei onde Deus se escondia.
Não é a fé em Deus que importava para Jesus. A fé é
um dom, e muitos não o receberam. O importante para ele era se a pessoa vivia,
ainda que sem fé, os valores humanos (que coincidem com os valores
evangélicos): amor ao próximo, justiça aos oprimidos, solidariedade, tolerância
e compaixão. Quem assim age faz o que Deus espera de cada um de nós.
Jesus enfatizou que muitos que não creem e abraçam
tais valores haverão de perguntar do outro lado da vida: "Quando te vimos
com fome e te demos de comer?” E o Senhor dirá: "Todas as vezes que
fizeste isso ao menor dos meus irmãos, a mim o fizeste” (Mateus 25, 37-40).
Jesus não veio fundar uma religião ou uma Igreja.
Veio nos propor um novo projeto civilizatório, baseado no amor e na justiça – a
globalização da solidariedade, como definiu o papa João Paulo II. No reino de
César, ele pagou com a vida o fato de anunciar um outro reino, um "outro
mundo possível”, o de Deus. Não, como muitos pensam, situado apenas do outro
lado da vida, mas aqui e agora, e cujo protótipo ele encarnou. Por isso, nos
ensinou a orar: "Venha a nós o vosso Reino”.
O modo de entender a presença de Deus em nossas
vidas depende da ideia que temos de Deus, como o demonstra a emblemática
história de Jó, cujos amigos, inconformados diante daquela fé inabalável, o
instigavam a repudiar Deus que o fazia sofrer.
Certa vez, indignado com o silêncio omisso de Deus
perante tanta injustiça, um homem entrou em uma igreja vazia e, junto ao altar,
pôs-se a gritar: "Tanta maldade no mundo, e o Senhor não faz nada? Não
reage à violência, à miséria, a tanto sofrimento de suas criaturas?”
Deus quebrou o silêncio e respondeu: "Eu já
fiz.”
"Como já fez? Fez o quê?”, indagou o homem
revoltado.
"Fiz você”, disse Deus.
Fonte: Adital
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* Frei Betto é escritor, autor de "Fome de
Deus” (Paralela), entre outros livros.
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