Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sábado, 24 de junho de 2017

A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira. - Artigo de Leonardo Boff. Excelente!


O artigo  de Leonardo Boff A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira  oferece uma ótima reflexão sobre algumas caraterísticas nada gloriosas da sociedade brasileira.  É um artigo bem atual e útil, principalmente  nos dias de hoje, quando perplexos diariamente assistimos  ao vivo (!)  - transmitido por grande mídia, tampouco isenta de imparcialidade  -  ao absurdo e escandaloso “espetáculo” da grande parte da classe política e empresarial corrupta brasileira...  Mais ainda, quando constatamos que participam desse indecente ‘show’  todas as instituiçãos dos Três Poderes.  

Por que isso existe? Quais são as causas? Como entender essa “falta de vergonha” dos corruptos e corruptores e, muitas vezes, sua absoluta falta de sentimento de culpa? – Essas são algumas das indagações analisadas no artigo pelo autor.

Aproveito este momento para parabenizar Leonardo Boff por mais essa importante contribuição, e por considerar este texto muito oportuno para uma objetiva reflexão que a sociedade brasileira precisa fazer, para contribuir um pouco na sua divulgação - trago-o também para o blog Indagações-Zapytania.

O artigo foi publicado pelo autor no seu blog leonardoBOFF.com, no ano passado (em julho de 2016).
Vale a pena ler e refletir.

WCejnóg


Blog leonardoBOFF.com
22/07/2016

A falta de vergonha e a ausência de culpa na corrupção brasileira. 

Depois que surgiu a psicanálise e o estruturalismo não podemos mais nos restringir ao consciente e aos ditames da razão na análise dos fenômenos humanos, pessoais e coletivos. Há um universo pré-consciente, sub-consciente e inconsciente (pessoal e coletivo), subjacente a nossas práticas, a serem considerados.

Quero me ater apenas a duas vertentes que influenciam nossos comportamentos: são os legados das duas principais culturas ancestrais que subjazem no nosso inconsciente coletivo e que nos ajudam a entender fenômenos atuais, como por exemplo, a tresloucada corrupção que atravessa o corpo social brasileiro: a cultura grega e a cultura judaico-cristã.

Da cultura grega herdamos o sentimento de vergonha. O conceito correlato é a do herói. Ter vergonha para os gregos consistia em se frustrar em qualquer empreendimento como na guerra e na convivência social. Perder uma batalha constituía uma vergonha coletiva para todo um povo. Perder numa competição nas Olimpíadas provocava vergonha. Triunfar e ser bem sucedido preenchia os requisitos do herói.

Hoje esta categoria está presente em nossa sociedade. É um herói o jogador que conseguiu o gol da vitória do time de sua predileção. Vergonha coletiva é o Brasil perder de 7x1 na Copa Mundial de futebol contra a Alemanha. Conseguir altos índices de crescimento e de lucro de uma empresa faz do empresário um herói. Perder uma eleição produz vergonha. A vergonha tem a ver com a imagem que projetamos socialmente. Ela tem que causar admiração e respeito. Caso contrário faz as pessoas se envergonharem.

A outra vertente é constituída pela tradição judaico-cristã. A categoria central é a culpa. Geralmente colocamos a culpa nos outros. Se fracassamos num negócio, é por culpa da crise econômica. Se o matrimônio se desfez é por culpa de um dos parceiros. Se há uma desgraça ecológica é por culpa dos moradores que se instalaram em áreas de risco. Às vezes, colocamos a culpa em nós mesmos por um acidente de tráfico ou por erros que produzem uma ruinosa administração.

A culpa atinge a interioridade e afeta a consciência. A repercução não é tanto diante dos outros que talvez nem saibam de nosso malfeito, mas diante do tribunal da consciência. Esta nos remete logo a Deus, pois entre a consciencia e Deus não há mediação. Estamos direta e imediatamente diante dele.

A culpa nos causa remorsos e o sentimento de culpa que pode produzir uma punição. O oposto à culpa é o sentimento de ser justo e reto, dois conceitos definidores de uma pessoa “justa” (santa) no sentido bíblico.

Sentir vergonha e dar-se conta da culpa constituem as bases de uma consciência ética. Não precisar se envergonhar diante dos outros e não se sentir culpado diante da consciência e de Deus são sinais de retidão de vida e de uma atitude ética correta.

Qual é o nosso problema concernente à escandalosa corrupção passiva e ativa no Brasil? É a acabada falta de vergonha e a completa ausência de culpa dos corruptos e corruptores diante de seus malfeitos.

Mesmo surpreendidos no ato de corrupção, ouvimos sempre o mesmo ritornello: “não sou culpado de nada”, “sou injustiçado”, “sou completamente inocente”. E trata-se de pessoas notoria e comprovadamente corruptas. Perderam a noção total de culpa e não dão nenhuma importância à vergonha pública de seus atos. Seguem desfilando, tranquilos e a frequentar os melhores restaurantes.

Raramente ouve-se a indignação ética com os gritos de “corrupto, ladrão”. Mas os corruptos nem se incomodam e continuam no seu desfrute.

Já Aristótles na sua Ética a Nicômano estabelecia a vergonha e o rubor do rosto como um indicativo da presença de uma consciencia ética. Sem essa vergonha, a pessoa era realmente um “sem vergonha”, um mau caráter, sem sentido dos valores.

Essa falta de vergonha e de sentimento de culpa se transformou, entre nós no Brasil, numa especial de segunda natureza, tornada uma prática usual. Por isso, quase todo o tecido social é contaminado pelo virus da corrupção, dos corruptores e dos corrompidos.

Mas ela chegou nos dias atuais a níveis tão escandalosos que não podem mais ser tolerados pela sociedade e pelos cidadãos que ainda guardam uma consciência ética, do que é reto e correto, justo e bom.

A corrupção como prática pessoal e social, sem sermos moralistas e utópicos, tem que ser banida e reduzida a níveis compatíveis com a condição humana decaída e corruptível. Há que se resgatar o sentimento de vergonha e de culpa, sem o que nossos esforços serão inócuos.


Fonte: blog leonardoBOFF.com


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