Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Papados conservadores “destruíram a Igreja inserida na vida dos pobres” no Brasil e AL. – Entrevista com Pe. Paulo Sérgio Bezerra. Muito esclarecedora!




A entrevista com Pe. Paulo Sérgio Bezerra,  que hoje trago para o blog Indagações-Zapytania, é muito interessante e pode ser bastante útil para as pessoas que  procuram compreender melhor a questão de Teologia da Libertação. Foi publicada no início deste ano (2017)  no blog CAMINHO PRA CASA, por Mauro Lopes.
Vale a pena conferir!

W. Cejnog






Publicado em 21 de janeiro de 2017
[por Mauro Lopes]

Padre Paulo: papados conservadores “destruíram Igreja inserida na vida dos pobres” no Brasil e AL


Padre Paulo ao fim de um batizado em 2015

Padre Paulo Sérgio Bezerra não cede um milímetro sequer no seguimento dos ensinamentos da Igreja à luz do Evangelho e da renovação do Concílio Vaticano II, como um dos protagonistas da Teologia da Libertação na periferia de São Paulo. Padre desde 1980, há 34 anos está na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de São Miguel Paulista, em Itaquera, bairro pobre da zona leste da cidade.
O sacerdote, de 63 anos, foi formado pela escola do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, falecido em dezembro de 2016 e dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo da região Leste II da cidade de São Paulo e hoje emérito da diocese de Blumenau (SC), aos 84 anos. Isso anos antes que João Paulo II dividisse a Arquidiocese em 1989, numa articulação para esvaziar a liderança de dom Paulo e nomear bispos conservadores para as novas dioceses, que trataram de demolir toda a construção da “Igreja rumo à periferia” na antevisão de dom Paulo, agora retomada pelo Papa Francisco, que tem convocado os católicos para novamente partirem “às periferias existenciais” de uma “Igreja em saída”.

A matriz e as capelas das sete comunidades da paróquia estão sempre cheias, quase duas mil pessoas frequentam as celebrações e participam da vida da Igreja local.  Acorrem às missas presididas por padre Paulo gente de toda a cidade, em busca de uma liturgia que fuja ao rigorismo dos tradicionalistas ou ao estilo neopentecostal dos carismáticos. “Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas”, diz ele, desolado com o ambiente da Igreja em boa parte da cidade: “A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários”. Ele não desanima, está empolgado com a primavera da Igreja promovida por Francisco: “Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo”.

Um tempo novo que se abre depois da terra arrasada. Para ele, a ofensiva conservadora de 35 anos dos papados de João Paulo II e Bento XVI quase liquidou com a Igreja na América Latina e no Brasil, com a perseguição aos leigos, leigas, padres, freiras, teólogos, teólogas e até bispos vinculados à Igreja dos pobres, à Teologia da Libertação e, sobretudo, às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): “Eles destruíram com a Igreja organizada em comunidades, pequenos círculos, inserida na vida das famílias pobres ao redor do país e da região”.

Entre outubro e novembro de 2016, padre Paulo sofreu uma campanha agressiva promovida por blogs católicos ultraconservadores. Motivo: ter recebido em celebrações na Igreja, durante a novena de Nossa Senhora do Carmo, pessoas como o deputado Chico Alencar (PSOL), Guilherme Boulos, líder nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), a filósofa Marilena Chauí e, sobretudo, a drag queen Albert Roggenbuck (Dindry Buck). No caso da de Buck, os rigoristas deixaram de informar que a jovem é catequista em outra paróquia da região. Os integristas moveram intensa campanha de ódio contra o padre nas redes sociais, incentivaram um abaixo assinado pela remoção dele e mantiveram uma reunião constrangedora e inquisitorial com o bispo, dom Manuel Parrado Carral. Não deu em nada. “No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola para isso”, afirmou padre Paulo. Em reportagem da TVCarta sobre as ações da paróquia, padre Paulo questionou: “Porque o Alckmin, por exemplo, chega e fala na basílica nacional (de Aparecida) e ninguém questiona?” (veja aqui).

Ele concedeu entrevista ao blog Caminho pra Casa em duas rodadas de conversas, entre 12 e 16 de janeiro –todas as observações entre colchetes são intervenções do autor deste blog.

Entrevista

Caminho pra Casa: As celebrações na paróquia Nossa Senhora do Carmo estão sempre cheias e a mobilização da comunidade é sempre muito forte. O que acontece aqui?

Padre Paulo Sérgio Bezerra: Bem, talvez seja melhor dizer o que não acontece aqui. Aqui não tem ‘milagres’ nem se fala em línguas (risos). Há mais de 30 anos o que fazemos aqui é manter a linha do Vaticano II. Seis anos depois de minha ordenação decidi fazer pós-graduação em Liturgia e sempre procurei inspirar-me na renovação do Concílio que pretendeu uma caminhada litúrgica dinâmica, com o povo. Ao longo dos anos houve um enrijecimento litúrgico notável, que negou em boa medida o espírito do Vaticano II, ao lado do surgimento da onda de padres cantores e celebrações com acento neopentecostal, mas buscamos nos manter fiéis e eu tentei manter-me amparado no ensinamento de dom Paulo (Evaristo Arns) e dom Angélico (Sândalo Bernardino). Para eles, como filhos diretos do Vaticano II, a Liturgia deveria refletir e ser concretização de uma vida pastoral de compromisso com os pobres. Não se sacralizavam as normas litúrgicas, mas elas eram adaptadas à vida da Igreja como Povo de Deus. Com os anos a liturgia virou uma “vaca sagrada”; ninguém toca. E não tem mais vida, não pulsa.

É mesmo impressionante o que aconteceu. Onde estão os profetas da Igreja?

Há muitos profetas ainda, mas o fato é que em largas fatias do clero há três palavras que são imperativas: dinheiro, dinheiro, dinheiro. A questão para os padres hoje, em larga escala, é indumentária. Tem padre que usa barrete, solidéu preto, é um fetiche indumentário que sequer é propriamente uma teologia tradicionalista, conservadora, apesar de serem conservadores, reacionários.


Padre Paulo na abertura da Campanha da Fraternidade de 1985, 
sob o tema “Pão para quem tem fome” – na Zona Leste de São Paulo.

Estamos começando a sair de uma situação difícil, muito difícil. Como superar esses anos de fechamento e esclerose? Como enfrentar a Teologia da Prosperidade que se tornou como uma praga dentro da Igreja, seduzindo fiéis, padres, bispos, tanto teologicamente como pessoalmente? Sim, a prosperidade financeira tornou-se “projeto de vida”. É uma virada enorme a ser feita. Comblin perguntava: quem na Igreja realizará a missão continental? Dom Angélico disse-me mais de uma vez, depois de tantos livros publicados sobre o Papa Francisco: “é preciso parar com essa coisa de escreve livros e passar à pratica pastoral que ele aponta para a Igreja.


Padre Paulo preparando homilia dominical

Isto ficou claro desde o começo, não?

Sim. Quando em 2013 aquele homem curvou-se para a multidão no dia do anúncio de seu nome, na Praça São Pedro, nem precisei ir ao Google pra saber quem era; entendi que havia chegado um novo tempo.

Está tudo na Evangelii Gaudium! [a Exortação Apostólica de Francisco, A Alegria do Evangelho, sobre o anúncio do Evangelho –a íntegra aqui]
Ela foi lançada em novembro de 2013 e será que os cardeais rebelados não leram? Tenho certeza que sim, mas esperaram o momento para atacar, que é o que vemos hoje.

A Igreja do Vaticano II, a Igreja das primeiras comunidades, está tudo lá na Evangelii Gaudium. Com ela, Francisco liquidou todo o edifício hierárquico de fundo monárquico que foi construído nesses anos todos. Olha! [Pega um exemplar da carta apostólica e indica] O Papa fala nos novos caminhos logo no tópico 1, anuncia um novo desenho de Igreja, a partir dos processos e de uma amarração de elaboração coletiva… Leia aqui no número 16: “(…) não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo”.[1]

Tudo o que a Igreja experimentou no Sínodo da Família e com a Amoris Laetitiaestava indicado desde a Evangelii Gaudium. É a Igreja das autonomias, dos processos, não mais das decisões monárquicas; por isso os que estavam no poder estão reagindo desse jeito brutal. Eles querem manter o poder!

O cenário é muito tenso. Há muita gente na estrutura da Igreja rezando por uma morte rápida de Francisco. Mas precisamos ter coragem de mudar. Os planos pastorais, que hoje são verticais e inspirados nos planos das empresas, precisam ser refeitos todos, com a participação e decisão do povo. Houve um tempo, o da Teologia da Libertação, em que a liderança da vida da Igreja estava com o episcopado profético; depois foi esse desastre; o futuro está nas mãos dos leigos.
Há muito trabalho pela frente.

Com Francisco, a Igreja, que se tornou nos últimos 35 anos totalmente irrelevante, domesticada volta a cumprir sua missão: ser luz do mundo, incomodar, ser profética. Precisamos ser esta luz não apenas em Roma, mas em todos os cantos.

O que está acontecendo na paróquia em que o senhor atua?

Bem, tentamos manter uma pequena chama acesa esses anos todos. Há sinais aqui e ali, parece que a Igreja começa, lentamente, a acordar da  anestesia, em meio aos  conflitos internos brutais.

Buscamos ter um governo da Igreja partilhado com todos, dentro de nossas fragilidades.

Um aspecto importante de nossa dinâmica, além do cotidiano de viver e compartilhar com as pessoas é a celebração anual de Nossa Senhora do Carmo, nossa padroeira. Desde 2006 tornamos a novena preparatória da festa como espaço privilegiado de reflexão; em cada ano foi um tema: democracia, meio ambiente, mulheres, saúde… É um período de distribuição de documentos, cartas e da encíclica Laudato Sii sobre o planeta. Convidamos pessoas que refletem sobre essas questões para partilhar com nossa comunidade, aqui estiveram nesses anos todos gente como Vladimir Safatle, Marilena Chauí, Guilherme Boulos, o padre Luiz Lima, Chico Alencar, Marcelo Barros, Boff…

A partir de 2015 mudamos a novena para um ciclo em sete domingos, um septenário, que permite uma reflexão mais aprofundada e é mais adaptado à esse ritmo frenético da vida  das pessoas.

O senhor é alvo de uma perseguição constante de grupos católicos ultraconservadores, que foram até pedir sua remoção ao bispo

Sim. Essa história foi quando trouxemos a drag queen Dindry Buck [Alberto Roggenbuck] para dar testemunho, como católica e drag, sobre as provocações que a vida lhe traz e como vive a sua fé. Ela sequer estava caracterizada assim durante a celebração. Por sinal, o que os conservadores não dizem é que ela é catequista numa paróquia vizinha. Fizeram um escarcéu porque ela falou na missa, levantou o cálice durante a consagração e ajudou na distribuição da eucaristia. Quando veio a Marilena Chauí fizeram um escândalo porque ela teria comungado da “hóstia do padre”. Mas isso só revela ignorância litúrgica, pois a hóstia é da assembleia.

No abaixo assinado deles tinha até gente do Acre, no norte do país, mas aqui na paróquia pouquíssimas pessoas deram bola pra isso.
Eu fico tranquilo, porque sei que não sou o alvo. O alvo verdadeiro é a eclesiologia do Papa Francisco.


Padre Paulo e padre Júlio Lancelotti visitam Guilherme Boulos, 
preso durante repressão da PM a sem teto em São Paulo em 17 de dezembro

Quais as perspectivas em curto prazo?

A comunidade aqui da região fundou em 2010 o IPDM (Igreja Povo de Deus em Movimento), que pretende ser um núcleo de articulação, reflexão e oração em torno da proposta do Papa para a Igreja, numa perspectiva ecumênica. Com isso, começamos a “expandir” as fronteiras da paróquia para dialogarmos com pessoas e movimentos em outros cantos, estabelecer novas pontes. É uma prioridade para mim e muita coisa já está sendo feita.

Além disso, fomos “provocados” pelo Boulos [Guilherme Boulos, líder nacional do MTST].  Em dezembro ele nos convidou para assumirmos a evangelização nas ocupações de sem teto a partir de uma perspectiva também ecumênica. Estamos nos organizando para isso. É um desafio. E pensar que nos anos 80 em todas as ocupações aqui na zona leste (e não só aqui) estavam presentes padres e seminaristas aos montes, era a Igreja “em saída”, “nas periferias existências”, desafio para o qual o Papa Francisco nos re-convoca. É um começar de novo, mas entendendo que vivemos uma época totalmente nova; há ocupações de milhares de pessoas sem moradia em toda a cidade e a Igreja ou inexiste ou tem uma presença tímida, e mesmo essa presença tímida sofre em muitos casos a perseguição dos católicos reacionários. [em 17 de janeiro, dia seguinte à segunda rodada da entrevista, Guilherme Boulos foi preso numa desocupação violenta realizada pela PM no leste de São Paulo e o padre Paulo, ao lado dos padres Júlio Lancelotti, vigário da Pastoral do Povo da Rua, e Tarcísio Mesquita, da Paróquia Nossa Senhora do Bom Parto, também na Zona Leste, acorreram para a delegacia, em solidariedade –e foram todos os três sacerdotes alvos de postagens agressivas e ofensivas dos movimentos católicos integristas nas redes sociais]

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[1] “Com prazer, aceitei o convite dos Padres sinodais para redigir esta Exortação. Para o efeito, recolho a riqueza dos trabalhos do Sínodo; consultei também várias pessoas e pretendo, além disso, exprimir as preocupações que me movem neste momento concreto da obra evangelizadora da Igreja. Os temas relacionados com a evangelização no mundo atual, que se poderiam desenvolver aqui, são inumeráveis. Mas renunciei a tratar detalhadamente esta multiplicidade de questões que devem ser objeto de estudo e aprofundamento cuidadoso. Penso, aliás, que não se deve esperar do magistério papal uma palavra definitiva ou completa sobre todas as questões que dizem respeito à Igreja e ao mundo. Não convém que o Papa substitua os episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas que sobressaem nos seus territórios. Neste sentido, sinto a necessidade de proceder a uma salutar ‘descentralização’” (16).
  


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