O artigo O silêncio, de Vladimir Safatle, é muito atual e
oportuno. Gostei da maneira realista e
crítica com que o autor analisa a situação política no Brasil.
O texto foi recentimente publicado por Folha de São Paulo e também,
posteriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Trago-o
também para o blog
Indagações-Zapytania para contribuir um
pouquinho na sua divulgação. Acho que é muito importante a sociedade brasileira
tomar conhecimento do que de fato está acontecendo atualmente no Brasil e saber
formar uma opinião verdadeira e justa, livre de manipulações.
Não deixe de ler!
WCejnóg
IHU - ADITAL
05 agosto 2017.
O silêncio
“Não há ninguém nas ruas porque a esquerda brasileira entrou em colapso. Presa entre a
tentativa de ressuscitar o que morreu e a incapacidade de encontrar outra forma
de incorporação genérica de sua multiplicidade de demandas em um ator político
unificado, ela encontra-se paralisada e sem capacidade de dizer claramente o
que quer, qual seu horizonte”, escreve Vladimir
Safatle, professor de Filosofia, em artigo publicado por Folha
de S. Paulo, 04-08-2017.
Eis o artigo.
Há algo de instrutivo no ritual que o Congresso
Nacional ofereceu ao país na última quarta-feira, quando um ocupante
do cargo da Presidência, gravado em situação flagrante de prevaricação e
corrupção passiva, formalmente denunciado pela Procuradoria Geral da União,
foi poupado.
É difícil imaginar algum país no mundo que chegaria
a um espetáculo tamanho de degradação comandado por uma casta de políticos
dignos de filmes de gângsteres série B. Ao menos, depois dessa confissão de
desprezo oligárquico pela opinião pública, quem sabe agora parem de falar que
estamos em uma "democracia".
Enquanto o país assiste a universidades públicas
suspenderem as aulas por se encontrarem em situação falimentar, serviços
públicos entrarem em deterioração, agências de pesquisa decretarem estado de
calamidade e 3,6 milhões de pessoas saírem da classe média baixa em direção à
pobreza, o ocupante do trono da Presidência, único presidente da história brasileira a ser denunciado pela Justiça no
cargo, gastava milhões de reais em suborno explícito de deputados,
uso de cargos públicos para aliciamento de votos e liberação de emendas escusas
a fim de garantir sua sobrevida.
Ou seja, bem-vindos a uma cleptocracia que agora
não faz nem sequer questão de conservar as aparências. Há algo de terminal
quando até mesmo as aparências já não são mais conservadas. Tudo isso com o
beneplácito daqueles que dizem que o país precisa, afinal, de
"estabilidade".
Com se vê, há algo de muito interessante no
conceito de "estabilidade" que circula atualmente. Uma estabilidade
da pauperização, da precarização do emprego, do desmonte dos serviços públicos e
da redução final da república brasileira a uma farsa macabra.
Contra isso, há aqueles que falam que receberam uma
"herança maldita" do governo anterior. Alguém deveria explicar essa
repetição compulsiva que nos acomete. Vivemos em um país onde todo governo usa
o expediente de culpar a herança maldita do anterior para mascarar sua própria
impotência. O cômico é que eles sempre encontram alguém a continuar a vociferar
a mesma estratégia surrada de sempre.
Mas o que pode realmente impressionar alguns é o
silêncio com que este momento foi recebido por setores da sociedade brasileira
ou, antes, os expedientes que vemos para justificar a passividade. Por que as
ruas não queimam, perguntam?
Ao menos três fatores deveriam ser levados em conta
aqui.
Primeiro, porque estamos falando de um governo que atira em manifestantes em toda impunidade, como vimos na
última manifestação de greve na Esplanada dos Ministérios. Ele usa seu braço armado
para cegar estudantes com bala de borracha, atemorizar a população nas ruas com
sua polícia gestora da desordem, ameaçar com punições os que entram em greve e
ridicularizar o fato de 35 milhões de pessoas pararem o país (como na última
greve geral). Ou seja, boa parte das pessoas não sai às ruas porque elas têm
medo da violência do Estado, já que elas tacitamente sabem que não
têm mais garantias alguma de integridade.
Segundo, porque há um setor da sociedade brasileira
que nunca teve problemas com corrupção, mesmo que tenham saído às ruas
em 2015 falando o contrário. Eles sempre votaram em corruptos notórios e
continuarão fazendo isto. O único problema deles era com o governo anterior.
Derrubado o governo, todos eles voltaram para casa e continuarão lá para todo o
sempre.
Por fim, não há ninguém nas ruas porque a esquerda
brasileira entrou em colapso. Presa entre a tentativa de ressuscitar o que
morreu e a incapacidade de encontrar outra forma de incorporação genérica de
sua multiplicidade de demandas em um ator político unificado, ela encontra-se
paralisada e sem capacidade de dizer claramente o que quer, qual seu horizonte.
Queremos simplesmente retornar ao passado recente,
conservar o que está sendo desmontado, ou temos algo a mais a propor?
Conseguiremos fazer a maioria da população brasileira sonhar e acreditar em sua
própria força de transformação e luta ou empurraremos todos a um horizonte
desinflacionado de mudanças, como se isso fosse a expressão de um realismo
duro, porém pretensamente necessário?
Sem clareza acerca desses pontos, ninguém avançará
um passo.
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