Acho muito interessante e bem oportuno para os dias de hoje o artigo “A ordem capitalista impõe sua Constituição e mina os direitos sociais”, do procurador aposentado do estado do Rio Grande do
Sul, Jacques Távora Alfonsin, e por isso trago-o também
para o blog Indagações-Zapytania.
O texto é bem esclarecedor e convida à reflexão
crítica. Foi publicado dois meses atrás (Agosto de 2017) no site
do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não deixe de ler!
WCejnóg
IHU - ADITAL
24 Agosto 2017
A ordem capitalista impõe sua Constituição e mina os direitos sociais
"Sem o cuidado crítico de se perceber em toda
a atividade administrativa e legiferante do atual (des)governo do
Brasil a vacina de imunização do capitalismo, como se ele
fosse a saúde ameaçada, os direitos sociais, o Estado, a democracia e a nação
vão continuar doentes", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador
aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e
Direitos Humanos.
Eis o artigo.
O número de projetos encaminhados pelo Poder
Executivo do atual (des)governo brasileiro ao Congresso
Nacional, alguns já sancionados como lei, está reavivando a eterna
polêmica jurídico-política sobre as garantias devidas
aos direitos humanos fundamentais sociais, como condição de autêntica
democracia.
Nas críticas a Constituição Federal de 1988 sobram
elogios teóricos ao Estado democrático de direito e ao
elenco de direitos sociais nela reconhecidos, de forma expressa, refletidos direta
e indiretamente nos capítulos da ordem econômica, da ordem social, do
meio-ambiente, das políticas urbana e agrícola, fundiária e de reforma agrária,
etc.
Os efeitos esperados dessas disposições, embora
encontrem base teórica abundante e consistente, é na prática da atividade
administrativa do Poder Público da União (?!) que eles estão sendo barrados,
atestando assim o quanto há de verdade no fato de o país não estar vivendo mais
sob autêntica democracia.
Comparando-se lições de quem estuda crises de
Estado, o reflexo da brasileira de hoje sobre a democracia, pode ser visto
a) pelo bem comum ter perdido o
pouco que tinha como condição do bem das/os brasileiras/os individualmente;
b) pela preferência do atual (des)governo em
garantir a ordem do mercado em prejuízo do poder
constituinte do povo;
c) os direitos econômicos fundamentais sociais
serem mantidos na letra da lei para dar “legitimidade” ao dano de serem negados
no espírito da mesma.
Três juristas mais dedicados ao estudo do direito
político e constitucional retratam essa realidade, como ela já apareceu assim
no passado, com poder suficiente para aparentar respeito a democracia,
preservando a existência do Estado a serviço a serviço da economia.
Sobre o bem comum como condição do bem
individual, Luis Fernando Barzotto (“A democracia na
Constituição”, São Leopoldo: Unisinos, 2003) - em texto que poderia questionar
toda a atividade administrativa do atual (des)governo, visivelmente
autoritária e auto suficiente - diz:
“Se a finalidade da comunidade que detém o poder
é o bem da pessoa humana e o bem comum como condição daquele, vimos que a sua
natureza não exclui o diálogo, mas o exige. Porque ninguém sabe,
definitivamente, o que seja o ser humano e a comunidade, ninguém pode pretender
o monopólio do conhecimento do bem da pessoa e o bem da comunidade, o que
significa, como foi visto, que o conhecimento dos direitos individuais e
sociais e dos valores está sempre sendo construído, de modo democrático, pelo
diálogo que caracteriza o uso público da razão prática.” (página 206).
Sobre a preferência do atual (des)governo pela
ordem do mercado e não pela do poder constituinte do povo, Gilberto Bercovici (“Soberania e Constituição: para uma crítica do
constitucionalismo”. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2008) antecipava o
que as emendas constitucionais de agora, manipuladas pelo
Poder Executivo da União, estão fazendo aqui:
“A evolução deste sistema de exceção no decorrer
do século XX vai da violência aberta, como o fascismo, à sutil e recente
elaboração de uma constituição desvinculada do estado e do poder constituinte
do povo, mas instituidora e garantidora da ordem do mercado. Da garantia do
Estado, o estado de exceção passou a ser empregado na garantia da constituição
e agora consolida-se o modelo da garantia do capitalismo. Apesar desta
evolução, uma constante permanece neste percurso histórico {...}: a tentativa
permanente de exclusão do poder constituinte do povo.” (página 46).
Sobre a conveniência de os direitos sociais permanecerem
previstos nas Constituições para serem negados na prática, dando
aparência de legitimidade à ordem capitalista, Vital Moreira (“A
ordem jurídica do capitalismo”, Coimbra: Centelho, 1978) já denunciava:
“Evidentemente, a consideração da constituição
econômica do capitalismo contemporâneo como um espaço de tensões e
contradições, peal integração nela de elementos em princípio contrários à ordem
capitalista, não significa, de modo algum, que as constituições contemporâneas
tenham deixado de ser a constituição do capitalismo. {...} Esses corpos
estranhos - na medida em que o são - entram a título de vacina e não a título
de infecção. Mais do que vias de assalto das forças inimigas, são processos do
seu controle e contenção.” (páginas 270/271).
Sem o cuidado crítico de se perceber em toda a
atividade administrativa e legiferante do atual (des)governo do Brasil a
vacina de imunização do capitalismo, como se ele fosse a saúde ameaçada, os direitos
sociais, o Estado, a democracia e a nação vão continuar doentes. O problema
maior, mesmo assim, talvez consiga piorar o que já está ruim: são as lideranças
dos movimentos populares aumentarem essa febre por se conformarem com a
inferioridade do seu poder, exibindo apenas o termômetro da sua medição,
substituindo toda a efetiva oposição ao mal - a urgência inadiável de se
organizarem e unirem - pelo discurso inconsequente de apenas denunciá-lo. A
história já provou que isso é insuficiente.
Fonte: IHU - ADITAL
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