Continuando o tema sobre a Igreja Católica, agora vem uma
reflexão sobre o papel e o primado do apóstolo Pedro, tanto dentro do grupo
dos Apóstolos e discípulos de
Jesus Cristo, como no início da jovem Igreja, após o Pentecostes. Entender isso
é importante para compreendermos a posição que desde o início e
durante todos esses séculos de história tinha, e também ainda hoje tem, a figura do papa na Igreja Católica.
Com isso, talvez seja mais fácil
para muitos de nós percebermos que alguns atributos que o papa tem, vêm
realmente do próprio Cristo e estão
expressos nas páginas do Novo Testamento, e alguns outros carecem dessa
prova, sendo eles mais o fruto do condicionamento histórico e das interpretações que mais serviam, no passado e talvez ainda hoje, para justificar o poder político, real e temporal do papa como chefe da Igreja
Instituição ou Igreja – Estado. Em todo caso, é bom procurarmos lembrar qual é
a visão da Igreja Católica sobre o papel do Santo Padre, para termos uma compreensão maior das
discussões e polêmicas que hoje envolvem
esse assunto.
O texto abaixo, de autoria de Ferdinand Krenzer¹,
fala sobre esse tema.
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Para poder
acompanhar com facilidade a reflexão do autor e aproveitar ao máximo as
explicações é aconselhável ler desde o
início todos os seus textos sobre este
assunto (começo no dia 03 de agosto de 2012
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(10)
E quanto ao Pedro?
Entre os Apóstolos um
visivelmente sobressai à frente, é um tal de Simão, que depois recebeu de Jesus
Cristo o apelido kepha (kepha= pedra, em
latim: Petrus). Esse primado não é questionado pelos demais Apóstolos, e isso
apesar de o Pedro não ser nem o mais velho, nem o primeiro que foi chamado, e
nem o mais querido e estimado por Jesus. Em nenhum lugar também lemos que
ele tivesse algum talento particular ou
virtudes, ao contrário. Mas, apesar disso, o São Pedro é 114 vezes mencionado
nos Evangelhos, e isso, do jeito especial, na frente dos outros Apóstolos. Ele
está no primeiro lugar em todas as listas
dos Apóstolos. Por que será que, por exemplo, algumas vezes lemos: “Pedro e
aqueles que estavam com ele”? Quase sempre ele
é o porta-voz do colégio apostólico. O primado torna-se muito evidente
após a ascensão de Jesus Cristo. Os Atos dos Apóstolos mostram que São Pedro age
como chefe da jovem comunidade dos
fiéis, e eles o assim consideram.
O texto decisivo que ao mesmo tempo é a argumentação
desse primado do Pedro encontra-se no
Evangelho segundo Mateus (16, 16). Jesus
Cristo dirige aos discípulos a pergunta: “E
vós quem dizeis que eu sou?” Novamente o Pedro responde em nome de todos: “Tu
és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Jesus confirma a verdade dessa resposta e, em
seguida, dirige-se a Simão, dizendo quem ele é, ou quem deve ser. Na língua
aramaica original tem aqui um jogo de
palavras: “(...) E eu te digo: tu és Pedro
[kepha, isto é , pedra], e sobre esta pedra construirei a minha Igreja e as
portas do inferno nunca levarão vantagem sobre ela. Eu te darei as chaves
do reino dos céus, e tudo que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será
desligado nos céus”. (Mt 16, 18-19).
A edificação que Jesus Cristo
pretende levantar da sua sociedade (Igreja) precisa encontrar no Pedro o fundamento sólido,
que lhe garantirá a solidez. Naturalmente, a pedra e o fundamento principal continua o próprio Cristo: “(...) e a rocha era Cristo” (1Cor 10, 4). Mas, Ele queria dar a
Igreja também um fundamento terrestre para o tempo após a sua ascensão. Por
isso, e com razão, São Paulo diz que a Igreja foi construída sobre o fundamento
dos Apóstolos e profetas: “ (...) edificados
sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, tendo por pedra principal o
próprio Cristo Jesus” (Ef 2, 20). No
entanto, aqui, em Mt 16,19, o Pedro foi
chamado de fundamento da Igreja sendo tratado como uma pessoa concreta.
Ainda mais claramente vemos isso
nas palavras “Eu te darei as chaves do
reino dos céus, e tudo que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo que desligares na terra será
desligado nos céus”. (Mt 16, 19). O
poder de “ligar e desligar” que Cristo aqui transmite ao Apóstolo, é prometido
somente ao Pedro.
Por causa das palavras “chaves do
reino dos céus”, freqüentemente ainda até hoje apresenta-se o Pedro com a
chave, mas na verdade isso nos leva ao
erro. Porque, neste caso, precisamos saber o que essa forma de expressão queria, na realidade,
dizer naquela época. Confiar as chaves a alguém (a autoridade das
chaves) significava muito mais do que a função de porteiro ou funcionário de
recepção. Por exemplo, no livro de Isaías a autoridade das chaves é equivalente
a um poder real de alguém que está
substituindo o rei: “Naquele dia chamarei
o meu servo Eliacim filho de Helcias. (...) Colocarei a chave da casa de Davi
sobre seus ombros: Ele abrirá e ninguém
fechará, ele fechará e ninguém abrirá” (Is 22, 20 e 22).
A função de ser guia, que Jesus
Cristo confiou ao Pedro, foi expressa ainda no outro lugar, quando foi
outorgada ao Pedro a função de pastor do
rebanho de Cristo. Jesus Cristo, que
se considera o pastor do seu rebanho [“Eu sou o bom pastor” (Jo 10, 10ss)], disse ao
Pedro: “Apascenta meus cordeiros,
minhas ovelhas” (Jo 21, 15ss). Ser pastor significa aqui exercer o poder de
dirigir e coordenar. Na Bíblia os reis
são chamados “pastores das nações”.
Assim, aqui, Jesus Cristo transfere a Pedro o seu poder. Portanto, esse poder
que Pedro recebeu, precisa ser
reconhecido também em relação aos outros Apóstolos.
Resumindo: o colégio
apostólico recebeu o poder de dirigir a Igreja no mundo (universal = católica). No
entanto ele teve uma “cabeça” visível na pessoa de São Pedro. Com a sua atuação
ele tem que fortalecer na fé e na
unidade todos os irmãos – toda a comunidade.
(KRENZER, F. Taka jest nasza wiara,
Paris, Éditions Du Dialogue, 1981, p. 148-149)²
Continua...
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Krenzer Ferdinand (nascido em 22 de maio de 1921 em Dillenburg,
Hesse, † 08 de maio de 2012 em Hofheim am Taunus) foi um teólogo católico alemão,
sacerdote e escritor na aposentadoria.
² Obs.: As reflexões do Ferdinand
Krenzer fascinam pelo seu jeito simples e direto, e agradam o leitor,
ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os temas mais
difíceis desta doutrina.
Os textos publicados neste blog são
tomados do livro Taka jest nasza wiara, desse autor; uma edição no idioma
polonês, do qual faço uma tradução livre (para o português). O título original: “Morgen wird man wieder
Glauben”.
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