Mais um artigo muito interessante e esclarecedor do
nosso estimado colega Leonardo Boff. Publicado recentemente no seu blog, pode
ajudar muito a todos que procuram entender melhor a questão, que o próprio
título do artigo revela: Papa Francisco e a Teologia da Libertação.
“Não
importa que o Papa Francisco não use a expressão “teologia da libertação”. O
importante mesmo é que ele fala e age na forma de libertação.” –
escreve, entre muitas outras coisas, o autor.
Para contribuir, pelo menos um pouco, na divulgação deste
artigo, trago-o para o blog Indagações.
Não
deixe de ler!
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Papa Francisco e a Teologia da Libertação
26/04/2013
Muitos se tem
perguntado que pelo fato de o atual Papa Francisco provir da América Latina,
seja um adepto da teologia da libertação. Esta questão é irrelevante. O
importante não é ser da teologia da libertação, mas da libertação dos
oprimidos, dos pobres e injustiçados. E isso ele o é com indubitável
claridade.
Este, na verdade, sempre
foi o propósito da teologia da libertação. Primeiramente vem a libertação
concreta da fome, da miséria, da degradação moral e da ruptura com Deus. Esta
realidade pertence aos bens do Reino de Deus e estava nos propôsitos de Jesus.
Depois, em segundo lugar, vem a reflexão sobre este dado real: em que medida aí
se realiza antecipatoriamente o Reino de Deus e de que forma o cristianismo,
com o potencial espiritual herdado de Jesus, pode colaborar, junto com outros
grupos humanitários, nesta libertação ncessária.
Esta reflexão posterior,
chamada de teologia, pode existir ou não pois pode não haver pessoas que tenham
condições de exrcer esta tarefa. O decisivo é que o fato da libertação
real ocorra. Mas sempre haverá espíritos atentos que ouvirão o grito do
oprimido e da Terra devastada e que se perguntarão: com aquilo que aprendemos
de Jesus, dos Apóstolos e da doutrina cristã de tantos séculos, como podemos
dar a nossa contribuição ao processo de libertação? Foi o que realizou toda uma
geração de cristãos, de cardeais a leigos e a leigas a partir dos anos 60 do
século passado. Continua até os dias de hoje, pois os pobres não cessam de
crescer e seu grito já se transformou num clamor.
Ora, o Papa Francisco fez
esta opção pelos pobres, viveu e vive pobremente em solidariedade a eles e o
disse claramente numa de suas primeiras intervenções:”Como gostaria uma Igreja
pobre para os pobres”. Neste sentido, o Papa Francisco, está realizando a intuição
primordial da Teologia da Libertação e secundando sua marca registrada: a opção
preferencial pelos pobres, contra a pobreza e a favor da vida e da justiça.
Esta opção não é para ele
apenas discurso mas opção de vida e de espiritualidade. Por causa dos pobres,
tem se indisposto com a presidenta Cristina Kirchner pois cobrou de seu governo
mais empenho político para a superação dos problemas sociais que, analiticamete
se chamam desigualdades, eticamente, representam injustiças e
teologicamente constituem um pecado social que afeta diretamente ao Deus
vivo que biblicamente mostrou estar sempre do lado dos que menos vida tem e são
injustiçados.
Em 1990 havia na
Argentina 4% de pobres.Hoje, dada a voracidade do capital nacional e
internacional, se elevam a 30%. Estes não são apenas números. Para uma pessoa
sensível e espiritual como o bispo de Roma Francisco, tal fato representa uma
via-sacra de sofrimentos, lágrimas de crianças famintas e desespero de
paisdesempregados. Isso faz-me lembrar uma frase de Dostoiewski: ”Todo o
progresso do mundo não vale o choro de uma criança faminta.”
Esta pobreza, tem
insistido com firmeza o Papa Francisco: não se supera pela filantropia mas por
políticas públicas para que devolvam dignidade aos oprimidos e os torne cidadãos
autônomos e participativos.
Não importa que o Papa
Francisco não use a expressão “teologia da libertação”. O importante mesmo é
que ele fala e age na forma de libertação.
É até bom que o Papa não
se filie a nenhum tipo de teologia, como a da libertação ou de qualquer
outra. Seus dois antecessores assumiram certo tipo de teologia que estava
em suas cabeças e se apresentava como expressões do magistério papal. Em nome
disso se fizeram condenações de não poucos teólogos e teólogas.
Está comprovado
historicamente que a categoria “magistério” atribuída aos Papas é uma criação
recente. Começou a ser empregada pelos Papas Gregório XVI (1765-1846) e por Pio
X (1835-1914) e se fez comum com Pio XII (1876-1958). Antes “magistério”
era constituído pelos doutores em teologia e não pelos bispos e pelo
Papa. Estes são mestres da fé. Os teólogos são mestres da inteligência da fé.
Portanto, aos bispos e Papas não cabia fazer teologia: mas testemunhar
oficialmente e garantir zelosamente a fé crista. Aos teólogos e teólogas cabia
e cabe aprofundar este testemunho com os instrumentos intelectuais oferecidos
pela cultura em presença. Quando Papas se põem a fazer teologia, como ocorreu
recentemente, não se sabe se falam como Papas ou como teólogos. Cria-se grande
confusão na Igreja; perde-se a liberdade de investigação e o diálogo com os
vários saberes.
Graças a Deus que o Papa
Francisco explicitamente se apresenta como Pastor e não como Doutor e Teólogo
mesmo que fosse da libertação. Assim é mais livre para falar a partir do
evangelho, de sua inteligência emocional e espiritual, com o coração aberto e
sensível, em sintonia com o mundo hoje planetizado.Que o Papa deixe aos tólogos
fazer teologia e ele presida a Igreja no amor e na esperança. Papa Francisco:
coloque a teologia em tom menor para que a libertação ressoe em tom maior:
consolação para os oprimidos e interpelação às consciências dos poderosos.
Portanto, menos teologia e mais libertação.
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¹Leonardo Boff é autor de Teologia do
cativeiro e dalibertação, Vozes 2013.