O conhecimento do
assunto , qualquer que seja, é a mais
importante base para poder opinar ou discutir. Em relação ao ecumenismo, isso é
uma exigência! Muitas barreiras e
dificuldades que separam os cristãos podem cair pelo chão, se realmente existir
em todos a vontade de conhecer bem o que
os outros pensam, como entendem, interpretam
e vivenciam as coisas, que tanto para eles, como para nós, são importantes. Este é
o caminho certo para a construção de uma verdadeira fraternidade e ecumenismo,
tão necessárias no mundo atual. O segundo princípio indispensável é respeitar-se mutuamente. Afinal, o sentimento de que todos formamos neste
mundo uma só família de filhos de Deus,
e todos fazemos parte do rebanho do único Pastor – Jesus Cristo, deveria ressoar
sempre, na vida e na
alma de todos nós, e ficar cada
vez mais insistente!
Achei
muito interessante o artigo “Creio na comunhão dos santos”, do historiador e
pastor presbiteriano Alderi Souza de Matos¹, que foi publicado em
2010 na revista Ultimatum. Neste tempo,
quado se fala muito sobre a crise da Igreja Católica e na necessidade de renovação,
talvez seria bom lembrarmos o que os
outros cristãos não-católicos entendem pela Igreja, e percebermos que, no fundo, todos temos muito para dar e receber. Esta é
a verdade.
Para
quem estiver interessado, trago esse texto também para o blog Indagações, e convido o(a) leitor(a) para fazer uma leitura proveitosa.
Wcejnog
Creio na comunhão dos santos
Alderi Souza de Matos
A relevância primordial da igreja…
Para um bom número de cristãos da
atualidade, a igreja vem se tornando um conceito sem sentido. Muitos acreditam
que é perfeitamente possível ser um cristão autêntico sem estar formalmente
ligado a uma comunidade de fé, sem ter um compromisso de lealdade a um grupo
específico de fiéis. A proliferação de cultos pela televisão contribui para
isso. Uma pessoa ou uma família assiste ao evento eletrônico e acha que isso é
suficiente, que já satisfez suas necessidades espirituais. Outros, por terem um
entendimento igualmente pobre acerca da igreja, pululam de um grupo para outro,
sempre em busca de novidades, sem estabelecerem laços estáveis e significativos
com nenhum deles.
No entanto, quando se olha para a
história do cristianismo, verifica-se que durante muitos séculos os cristãos
valorizaram imensamente a igreja. De fato, essa atitude de apreciação surge com
os primeiros seguidores de Cristo, nos dias apostólicos. O Novo Testamento está
repleto de alusões à “igreja”, muitas delas reveladoras do alto conceito que os
primeiros crentes tinham sobre essa realidade fundamental, ainda que nem sempre
fácil de definir. Em épocas mais recentes, todavia, tem se perdido esse
consenso que existiu por tanto tempo sobre a importância primordial da igreja.
Parte disso se deve à confusão reinante sobre a natureza e os propósitos desse
valioso elemento da herança cristã.
Visível e invisível
Se historicamente tem predominado um
consenso sobre a relevância da igreja, isso não significa que haja concordância
quanto ao seu significado. Tradicionalmente, a teologia cristã tem entendido
que a igreja pode ser apreciada desde duas perspectivas distintas: uma
exterior, palpável e visível; outra interior, espiritual e invisível. As
tradições católica romana e ortodoxa grega têm dado maior ênfase ao primeiro
aspecto; as confissões protestantes, ao segundo. No entanto, corretamente
entendidas e relacionadas, as duas dimensões são importantes e necessárias.
O primeiro aspecto diz respeito à
natureza essencial da igreja, que é espiritual, apontando para o relacionamento
concreto, porém misterioso e transcendente, entre o Salvador e os que a ele
estão unidos pela fé. Cristo, em sua graciosa obra de reconciliação, é a pedra
fundamental da igreja. A segunda perspectiva nos fala dos elementos estruturais
e organizacionais da igreja, com seus líderes, cerimônias e locais de culto. O
Novo Testamento dá clara prioridade ao primeiro aspecto, em especial por meio
do riquíssimo conceito do “corpo de Cristo”. No entanto, fica claro que a
igreja não poderia existir concretamente no mundo, na sociedade humana, sem elementos
externos que dessem expressão às realidades internas. A questão é como se
estabelece o adequado equilíbrio entre as duas dimensões.
Ministros e fiéis
Uma discussão paralela que atravessa
os séculos é sobre onde está localizada primariamente a igreja: no clero, a
classe ministerial, ou nos fiéis, o povo cristão. Novamente, o peso da
evidência do cristianismo apostólico pende para a comunidade de fé como a
principal definidora da igreja. Como afirma Roger Olson, um historiador da
teologia, “a igreja é o povo de Deus, fundada pelo próprio Cristo para ser a
comunidade do Espírito e a antecipação do seu reino futuro”. É óbvio que o
ministério ordenado é importante: o próprio Senhor concedeu à sua igreja
“apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres”. No entanto, esses
líderes não são em si mesmos a igreja — eles fazem parte da igreja ao lado dos
demais fiéis, devendo exercer os seus ofícios para a edificação do corpo de
Cristo.
O Credo Apostólico é um testemunho
valioso sobre o sentido mais profundo dessa realidade quando, após referir-se
ao Espírito e à Igreja, menciona a “comunhão dos santos” como um artigo
fundamental da fé. A “communio sanctorum” — o vínculo de convicções
compartilhadas, solidariedade e amor que caracteriza os verdadeiros cristãos —
só pode ser produzida pelo Espírito Santo e se constitui na expressão mais
sublime e profunda do que é a igreja. Apontam nessa direção as principais
metáforas aplicadas pelo Novo Testamento à comunidade cristã, tais como
família, rebanho e edifício de Deus.
Marcas distintivas
O Credo “Niceno”, formulado pelo
Concílio de Constantinopla no ano 381, atribuiu à igreja quatro famosos
qualificativos: una, santa, católica e apostólica. Em seu sentido mais pleno,
ou seja, espiritual, há somente uma verdadeira igreja, o corpo místico de
Cristo, a comunhão de todos os que nele creem em todo o mundo. Essa comunhão,
embora se expresse em formas exteriores, ao mesmo tempo as transcende. A igreja
é santa, isto é, separada para Deus a fim de ser o lugar de sua habitação na
terra. Essa santidade se expressa não somente na conduta ética, mas também por
seu foco espiritual em Deus e unicamente nele.
A catolicidade da igreja significa
que ela existe acima das barreiras de etnia, nacionalidade e cultura.
Confissões particulares, organizações e congregações locais são manifestações
da igreja universal, mas nunca a própria igreja. Seu valor está no serviço a
Cristo como parcelas do seu corpo mais amplo. Por fim, a igreja é apostólica,
ou seja, está em continuidade com a fé e a experiência dos apóstolos de Jesus
Cristo, e só se faz presente quando o evangelho proclamado pelos apóstolos é
preservado e pregado com integridade.
Seguindo o pensamento de João
Calvino, a tradição reformada fala das “marcas” pelas quais a igreja visível
pode ser reconhecida como verdadeira. Elas não simplesmente descrevem a igreja
ou apontam para ela, mas possuem um caráter mais dinâmico, constitutivo. A
verdadeira igreja está presente quando nela, em primeiro lugar, ocorre a
legítima pregação da Palavra. A fidelidade e submissão à Escritura é uma
característica essencial da igreja. A outra marca distintiva e fundamental é a
correta administração dos sacramentos claramente instituídos por Cristo, que
são o batismo e a Ceia do Senhor, testemunhos valiosos da sua salvação.
Conclusão
A despeito de toda a ênfase dada aos
aspectos espirituais e interiores da igreja, não se deve desprezar ou
subestimar a sua dimensão visível e estrutural, indispensável na vida em
sociedade. Extremamente informal nos seus primeiros tempos (como era de se
esperar), o cristianismo assumiu crescente complexidade institucional ao longo
dos séculos. Existe um lugar legítimo para o desenvolvimento histórico na vida
da igreja, visto que a história humana não é estática, mas dinâmica. Sem um
ministério qualificado e reconhecido, sem atividades formais de culto e
formação cristã, sem o exercício legítimo da autoridade e da disciplina, entre
outros fatores, a igreja simplesmente não poderia existir neste mundo.
Todavia, tendo dito isto, é imprescindível
acrescentar que as formas e expressões exteriores da igreja, quaisquer que
sejam, somente são legítimas na medida em que manifestam com fidelidade a
natureza espiritual da comunidade cristã, o seu compromisso primordial com
Cristo e sua palavra, a comunhão de fé e amor entre os discípulos do Senhor.
Que os cristãos aprendam a valorizar a igreja, aquela que, no dizer dos
reformadores do século 16, é nossa “mãe e mestra”, pois nos gera
espiritualmente pelo anúncio do evangelho e nos alimenta e conduz pelos
caminhos de Deus ao longo da vida, até a consumação.
_____________________________
¹ Alderi Souza de Matos - Professor
de História da Igreja, Coordenador da área de Teologia Histórica. Graduou-se em teologia pelo
Seminário Presbiteriano de Campinas (1974), sendo também bacharel em Filosofia
pela Universidade Católica do Paraná (1979) e em Direito pela Escola de Direito
de Curitiba (1983). Após vários anos de ministério no Paraná, fez seu mestrado
em Novo Testamento (S.T.M.) na Andover
Newton Theological School, em Newton Centre, Massashusetts, EUA (1988) e seu
doutorado em História da Igreja na Boston University School of Theology (1996).
Em 1997, o Dr. Alderi veio trabalhar no CPAJ,
onde também atua como co-editor da revista teológica Fides Reformata. É historiador oficial da Igreja Presbiteriana do
Brasil, pastor auxiliar da Igreja
Presbiteriana Ebénezer de São Paulo e articulista conhecido em diversos
periódicos acadêmicos e populares. Acaba de publicar seu primeiro livro, “Os
Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900): Missionários, Pastores e Leigos
do Século 19”, tendo também dois novos títulos em preparação. (Fonte: http://www.mackenzie.br/auderi_souza.html.)
Fonte: Revista Ultimatum,
p. 60-61 set /out 2010 n 326.
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