Mais um artigo muito
interessante, recentemente publicado pelo autor Leonardo Boff¹, no seu blog. Trago
esse texto também para o blog Indagações, para oferecer uma boa leitura para
quem deseja entender melhor a situação atual da Igreja Católica e o “por quê?”
das espectativas de mudanças necessárias, que grande parte dos fiéis espera que
aconteçam no futuro desta Igreja, com o novo o Papa Francisco.
Não deixe de ler.
Wcejnóg
O Papa Francisco inaugura o novo milênio para a Igreja?
31/03/2013
O primeiro milênio do Cristianismo
foi marcado pelo paradigma da comunidade. As igrejas possuíam relativa
autonomia com seus ritos próprios: a ortodoxa, a copta, a ambrosiana de Milão,
a moçárabe da Espanha e outras. Veneravam seus próprios mártires e confessores
e tinham suas teologias como se vê na florescente cristandade do norte da
África com Santo Agostinho, São Cipriano e o leigo teólogo Tertuliano. Elas se
reconheciam mutuamente e, embora em Roma já se esboçasse uma visão mais
jurídica, predominava a presidência na caridade.
O segundo milênio foi caracterizado
pelo paradigma da Igreja como sociedade perfeita e hierarquizada: uma monarquia
absolutista centrada na figura do Papa como suprema cabeça (cefalização),
dotado de poderes ilimitados e, por fim, infalível quando se declara como tal
em assuntos de fé e moral. Criou-se o Estado Pontifício, com exército, com
sistema financeiro e legislação que incluía a pena de morte. Criou-se um corpo
de peritos da instituição, a Cúria Romana, responsável pela administração
eclesiástica mundial. Esta centralização gerou a romanização de toda a
cristandade. A evangelização da América Latina, da Ásia e da África se fez no
bojo de um mesmo processo de conquista colonial do mundo e significava um
transplante do modelo romano, praticamente anulando a encarnação nas culturas
locais, em grande parte destruídas com a cruz e a espada. Oficializou-se, como
de direito divino, a separação estrita entre o clero e os leigos. Estes, sem
nenhum poder de decisão (no primeiro milênio participavam na eleição dos bispos
e do próprio Papa), foram juridicamente e de fato infantilizados e
mediocrizados.
Firmaram-se os costumes palacianos dos padres, bispos, cardeais e Papas. Os títulos de poder dos imperadores romanos, a começar pelo de Papa e a de Sumo Pontífice, passaram ao bispo de Roma. Os cardeais, príncipes da Igreja, se vestiam como a alta nobreza renascentista e isso permanece até os dias de hoje para escândalo de não poucos cristãos habituados a ver Jesus pobre e homem do povo, perseguido, torturado e executado na cruz.
Este modelo de Igreja, tudo indica,
se encerrou com a renúncia de Bento XVI, o último Papa deste modelo monárquico,
num contexto trágico de escândalos que afetaram o núcleo da credibilidade do
anúncio cristão.
A eleição do Papa Francisco, vindo
“do fim do mundo” como ele mesmo se apresentou, da periferia da cristandade, do
Grande Sul, onde vivem 60% dos católicos, inaugura o paradigma eclesial do
Terceiro Milênio: a Igreja como vasta rede comunidades cristãs, enraizadas nas
diferentes culturas, algumas mais ancestrais que a ocidental como a chinesa,
indiana e japonesa e nas culturas tribais de África e comunitárias da América
Latina. Encarna-se também na cultura moderna dos países tecnicamente avançados,
com uma fé vivida também em pequenos grupos ou comunidades. Todas estas
encarnações tem algo em comum: a urbanização da humanidade pela qual mais de
80% da população vive em grandes conglomerados de milhões e milhões de
habitantes.
Neste contexto será praticamente impossível
de se falar em paróquias territoriais, de cunho rural, mas em comunidades
de vizinhança de prédios ou de ruas próximas. Esse cristianismo terá como
protagonistas os leigos, animados por padres, casados ou não ou por
mulheres-sacerdotes e bispos ligados mais à espiritualidade do que à
administração. As Igrejas terão outros rostos, próprios das diferentes
culturas.
A reforma, assim esperamos,
não se restringirá à Cúria Romana em estado calamitoso mas se estenderá a toda
a institucionalidade da Igreja. Talvez somente com a convocação de um novo
Concílio com representantes de toda a cristandade e de notáveis, por sua vida e
ética, da sociedade civil mundial, dará ao Papa a segurança e as linhas mestras
da Igreja do Terceiro Milênio. Que não lhe falte o Espírito e a coragem para o
novo.
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¹ Leonardo Boff é teólogo, filósofo
e escritor.
Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/03/31/o-papa-francisco-inaugura-o-novo-milenio-para-a-igreja/
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