A
verdade é uma só. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6) – disse Jesus
Cristo. Os homens, no entanto, criam outras “verdades” para si e as colocam a
seu serviço, relativizando e deformando deste jeito a palavra de Deus. A
situação torna-se ainda mais grave e chocante, quando isso ocorre nos ambientes
eclesiais e principalmente eclesiásticos.
Sobre
este assunto trata o artigo De olho nos
“camaleões” eclesiásticos, de José Lisboa Moreira de Oliveira¹, publicado
recentemente pelo autor no seu blog. O
texto aborda de forma direta e com muita
competência “A síndrome do camaleão”,
que hoje pode ser “diagnosticada” sem maiores dificuldades em muitas pessoas “dedicadas” à vida na Igreja. O carreirismo e o
oportunismo na Igreja não “rimam” com o Evangelho de Jesus Cristo! A questão
é grave e merece ser divulgada e discutida em larga escala, para tornar
possível a verdadeira purificação e conversão da Igreja. Aqui trata-se também do
direito de todos os fiéis à verdade. Seria muito bom se todos os(as) cristãos(ãs),
e principalmente católicos(as), pudessem refletir profundamente sobre o assunto
aqui exposto, e tirar conclusões adequadas.
Para
contribuir na divulgação deste artigo,
trago-o para o blog Indagações, e convido o(a) leitor(a) para fazer uma leitura atenciosa.
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O Chamado
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Igreja
De olho nos
“camaleões” eclesiásticos
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Corria o ano de 1964 e eu ainda não tinha completado oito anos de idade. Depois de três anos terríveis de seca, a chuva voltou com abundância na região nordeste do estado da Bahia, onde se localiza o município de Araci, minha terra natal. A caatinga estava verdejante, as flores se espalhavam por toda parte. Borboletas multicoloridas enchiam o ambiente. Os pássaros gorjeavam nas árvores. A Asa Branca cantava bem afinada. Num desses dias bonitos fui com minha mãe buscar água na “Fontinha”, uma aguada a poucos metros de nossa casa e que meu pai havia destinado exclusivamente para o consumo humano. Ao chegar à fonte demos de cara com um belíssimo camaleão, todos esverdeado e robusto. Fiquei por um momento contemplando aquele bichinho até que ele desapareceu no meio da vegetação.
Mas no Nordeste a seca sempre volta. Já no final do
ano de 1964 todo o verde e o colorido tinham desaparecido e o tempo dava sinais
de que a chuva não voltaria tão cedo. E, de fato, não voltou. Todo o ano de
1965 foi seco e somente em 1966 voltou a chover forte. Durante a seca voltei
com minha mãe à Fontinha e de novo encontramos um camaleão. Porém, ele não era
verde, mas totalmente cinzento. Ao interrogar minha mãe sobre o porquê daquele
camaleão ser diferente do outro, ela me respondeu que provavelmente era o
mesmo; apenas tinha mudado de cor. Não entendi muito bem a razão da mudança da
cor. Só algum tempo depois, quando passei a estudar Ciências Naturais, fiquei
sabendo que se tratava da metamorfose,
um processo com o qual a mãe Natureza presenteia alguns viventes (camaleões,
rãs, mariposas, gafanhotos etc.), os quais mudam de cor conforme o ambiente
onde se encontram e, assim, se protegem de seus possíveis predadores.
Foi baseado na experiência deste réptil que o
grande diretor Woody Allen, na década de 1920, produziu o filme “Zelig: o
homem-camaleão”, uma obra magnífica em preto e branco que ainda não perdeu sua
atualidade. No filme o próprio Allen vive o personagem Leonard Zelig, um
sujeito que muda constantemente de personalidade, de acordo com o ambiente onde
se encontra inserido. Alguns críticos de cinema dizem que com o seu filme Woody
Allen queria denunciar de maneira cômica o emergente American Way Life (Estilo
Americano de Vida), cheio de hipocrisias, de faz de conta e de aparências e que
levava as pessoas a serem voláteis, mudando sempre que necessário, desde que
isso permitisse ficar na crista da onda e obter vantagens.
Com a sua obra cinematográfica Allen antecipava a
denúncia da anomalia e da doença da modernidade: as pessoas correm loucamente e
tentam desesperadamente se adaptar a novas circunstâncias e a novos ambientes,
recusando-se a serem elas mesmas, pois permanecer fiel a uma identidade, a um
perfil, a uma personalidade, a princípios e valores, comporta algumas perdas e
poucos têm a coragem de pagar este preço. A Psicologia já se debruçou sobre
este fenômeno e começou a falar de “síndrome do camaleão” para definir a
situação de pessoas que são extremamente voláteis, que vivem sempre preocupadas
em acompanhar os modismos, deixando-se arrastar por todo e qualquer vento que
sopra.
A síndrome do camaleão também afeta profundamente a
vida de muitas pessoas na Igreja, de modo particular padres, bispos e teólogos.
Tais pessoas não têm convicções próprias, não acreditam em determinados valores
e não pautam suas vidas por essas convicções e por esses valores. Trocam sempre
de atitudes, comportamentos e opiniões, seguindo aquilo que no momento está na
moda e traz fama, vantagens e oportunidades.
Grande parte de eclesiásticos vive segundo os ventos que sobram no
Vaticano. E por essa razão são capazes de passar de um extremo ao outro, sem a
menor dificuldade e sem o menor pudor. Não agem por acreditar em certos
princípios, mas porque querem seguir mimeticamente aquilo que é feito em Roma e
no Vaticano.
Desta forma um padre brasileiro nordestino passou
improvisamente de suas camisetas coloridas com frases libertárias, e suas
calças jeans surradas, para o “empacotamento” em um clergyman preto, usado na
Europa somente em dias excessivamente frios. Não demorou muito e foi promovido
a bispo e depois a arcebispo. Tudo porque a linha vaticana tinha se inclinado
profundamente para a direita e ele percebeu que se continuasse com suas
camisetas e seus jeans surrados não faria carreira. Certo teólogo, conhecido por
seus inúmeros escritos – aliás, bem fundamentados – sobre a experiência de Deus
no pobre, sobre o encontro entre fé e política, sobre a relação entre
compromisso político da fé, a causa do oprimido e a constituição da Igreja, de
repente vira a casaca e começa a dizer que tudo isso é bobagem e que os
teólogos da libertação blefaram, enchendo a Igreja de puro marxismo. Outro
teólogo famoso, perito durante o Vaticano II, num escrito bem fundamentado e
cheio de bons argumentos teológicos, tentou provar que não existem impedimentos
teológicos para a ordenação das mulheres. Percebendo que a partir de 1978
ventos contrários cada vez mais fortes sopravam no Vaticano, resolveu desdizer
tudo o que afirmara antes e defender intransigentemente que era vontade divina
que a mulher não fosse ordenada. Como premio foi nomeado bispo. Quando
questionado sobre seus escritos anteriores respondia laconicamente que se
tratava de “puras elucubrações teológicas”.
Começo a perceber que a síndrome do camaleão está
voltando com intensidade nestes últimos dias. Vendo que o papa Francisco
sinaliza para uma Igreja pobre, simples, comprometida com os pobres, alguns
eclesiásticos começam a mudar seus discursos e seus comportamentos. Começam a
seguir mimeticamente o papa. Até agora se revelavam como ultraconservadores,
inimigos da teologia da libertação, das comunidades eclesiais de base,
intransigentes críticos de uma Igreja Povo de Deus. Fiquei pasmo ao ver nestes
dias um padre presidindo a eucaristia numa televisão católica ultraconservadora
e usando apenas uma estola. Isso era impensável até alguns dias atrás.
Precisamos ficar de olho nesses camaleões
eclesiásticos. Não podemos baixar o tom da crítica e da denúncia. Precisamos
desmascarar seus jogos de interesses e de oportunismo, seus disfarces e suas
farsas. É claro que não podemos excluir a possibilidade de verdadeiras
conversões, mas não podemos deixar nos enganar. As verdadeiras conversões, como
aquela de Dom Oscar Romero, são sempre na direção de uma vida comprometida com
o povo, na direção do martírio. Não podemos deixar de ser vigilantes porque,
amanhã, se os ventos voltarem a soprar em direção contrária, eles novamente
trocarão de identidade e de posição, para se adaptarem ao momento. Temos que
manter a crítica e a vigilância porque tais pessoas, oportunistas e
carreiristas, são os piores inimigos da Igreja. Uma desgraça para a verdadeira
evangelização.
__________________________
¹
José Lisboa Moreira de Oliveira é filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Licenciado
em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade
Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma. Autor
de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação
vocacional.
Foi
assessor do Setor Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente do
Instituto de Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro de
Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade
Católica de Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e
Ética.
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