Trago
para o blog Indagações um texto instigador, que possa ajudar muito a todos os
cristãos (e não só católicos) a ter uma clareza maior em relação à Teologia da Libertação.
Muitas pessoas posicionam-se contra ela,
julgam-na, condenam (ou condenavam ainda poucoI), mas fazem isso mais em função
de ignorância ou defendendo outras teorias de cunho ideológico, do que como resultado da própria reflexão e
do seu conhecimento sobre este assunto.
O texto (da
entrevista) que apresento abaixo, riquíssimo em informações e esclarecimentos
sobre a Teologia de Libertação, foi publicado em junho de 2011 - quando ainda o
papa era Bento XVI-, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). O entrevistado, sacerdote e teólogo chileno - Pablo Richard Guzmán, diz: “... Me atrevo a dizer que não importa que a
Teologia da Libertação morra, contanto que não sigam morrendo os pobres, mas
que enquanto houver pobres, haverá Teologia da Libertação, haverá Igreja do
Povo de Deus.” Pois é, se alguém
negar isso, é porque conhece e defende algum
outro evangelho, e não o Evangelho de Jesus Cristo Nazareno, não é verdade?
Não
deixe de ler!
WCejnog
Notícias
Sexta,
01 de julho de 2011
Enquanto houver pobres, haverá Teologia da Libertação. Entrevista com Pablo Richard
Não há dúvida. Todo teólogo é um
provocador, como também Jesus o foi na sua época, afirmação que se origina nas
confluências que existem entre a figura máxima do cristianismo e seus
seguidores mais radicais, de maior compromisso com os pobres, quando se trata
de explicar a Bíblia a partir da própria realidade do cidadão deste mundo.
Ter diante de mim o chileno Pablo Richard, doutor em Teologia e Ciências Bíblicas foi uma festa da palavra. Um homem que se licenciou em Sagradas Escrituras no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, um arqueólogo da Bíblia que se especializou cientificamente na própria Jerusalém, é sempre uma descoberta quando, por trás deste rosto bonachão, aflora uma ética inviolável, uma inteligência poucas vezes vista, mas sobretudo um cristão comprometido com sua realidade, que é a realidade da pobreza na América Latina e a necessidade de uma análise que contribua para a libertação plena do ser humano como criatura de Deus.
Ter diante de mim o chileno Pablo Richard, doutor em Teologia e Ciências Bíblicas foi uma festa da palavra. Um homem que se licenciou em Sagradas Escrituras no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, um arqueólogo da Bíblia que se especializou cientificamente na própria Jerusalém, é sempre uma descoberta quando, por trás deste rosto bonachão, aflora uma ética inviolável, uma inteligência poucas vezes vista, mas sobretudo um cristão comprometido com sua realidade, que é a realidade da pobreza na América Latina e a necessidade de uma análise que contribua para a libertação plena do ser humano como criatura de Deus.
A entrevista é de Mayra Rodríguez e
está publicada no sítio AMLAC
(Agencia Menonita Latinoamericana de Comunicaciones), 16-06-2011. A tradução é
do Cepat.
Eis a entrevista.
Que marcas permanecem em Pablo
Richard daquele Movimento de Cristãos pelo Socialismo dos anos 1970, que nasceu
da chamada Teologia da Libertação?
A Teologia da Libertação foi um
movimento muito importante que tornou possível a convergência entre fé e
política, porque normalmente os cristãos, quando havia um governo progressista
ou socialista, sempre estavam na oposição, e foi a Teologia da Libertação que
permitiu que a fé fosse mais libertadora, e correspondeu aos partidos políticos
descobrir que o cristianismo tinha uma orientação libertadora.
Foi a opção que permitiu aos cristãos
participarem dos movimentos políticos sem perder a sua fé, o que foi novo,
porque antigamente os cristãos que tinham uma opção política normalmente eram
de direita, e os partidos de esquerda excluíam os cristãos, em um paralelismo
que não se tocava.
A total convicção que fica em mim
daquele movimento cristão é que não há nenhuma incompatibilidade entre
cristianismo e socialismo, mas em processos concretos, ajudar as e os cristãos
a participarem da política sem perder a fé, fé que se radicaliza ao aprofundar
na realidade.
Que opinião merece a afirmação de
que a Teologia da Libertação foi abortada pelos abruptos rumos da Igreja para a
direita na América Latina?
Depende, porque há uma Igreja de
"cristandade" que destruiu tudo o que se havia construído nas décadas
de 1960 até 1980 e que está cada dia mais à direita. Mas, também existe a
Igreja da libertação, das comunidades eclesiais de base, a Igreja dos pobres,
que segue estando na linha libertadora e que está cada dia mais viva na América
Latina. Na medida em que o sistema neoliberal e a Igreja de cristandade vão
entrando em crise, as pessoas buscam uma alternativa, e essa é oferecida pela
Teologia da Libertação. Na América Latina, só nos últimos dez anos, saíram 50
milhões da Igreja católica, e não porque foram para outros grupos religiosos,
mas porque a Igreja não lhes diz nada. Isso faz parte da crise da
"cristandade" que não dá nenhuma resposta aos problemas modernos.
Quando você vislumbra a atual
realidade da América Latina, onde são cada vez mais comuns os desastres
naturais e as mudanças climáticas que acentuam os níveis de pobreza, além de
outros males como a corrupção, a violência e as drogas, como sustentar essa
Palavra de Deus, como fonte de vida e esperança, que você anunciava às portas
do atual milênio?
Primeiro, deve haver uma análise da
realidade, desta economia de mercado de inspiração neoliberal que se mantém
graças a salários baixos e destruição da natureza. É certo que há muitos
setores da Igreja que estão metidos neste sistema neoliberal, mas há também
pessoas que fazem a leitura da Palavra de Deus e grupos bíblicos que estão
preocupados com esta crise devido à destruição da natureza.
Leonardo Boff escreveu um livro paradigmático
neste sentido: Ecologia:
Grito da Terra, grito dos pobres [Sextante, 2004], pois é
preciso ouvir a ambos. Então, há muitos movimentos da Teologia da Libertação na
linha ecológica. Bem agora há a construção de toda uma teologia sobre a água,
como um bem que está a ponto de entrar em crise. Da destruição dos meios
naturais e da destruição das pessoas, por este sistema, a Teologia da
Libertação é a que mais fala, e muitas vezes nem os grupos políticos nem a
Igreja falam disso. O tema ecológico é um tema candente, especialmente na
teologia indígena, onde já se fala muito de "Pachamama" na
América do Sul, por exemplo, na defesa da terra e da água, onde participam
muito os grupos progressistas das igrejas.
Por exemplo, a recente reunião de
Cancún sobre as medidas a serem tomadas em relação à mudança climática e ao
aquecimento global; que, caso a temperatura subir dois a três graus, haverá
catástrofes derivadas dessas mudanças, e os países industrializados não aceitam
nem querem tomar medidas, porque proteger a natureza é o pior negócio para
eles, pois é preciso reduzir o avanço do mercado, mas eles querem mais e mais
lucros e se isso implica em destruição da natureza, o que pouco lhes importa.
Se tudo continuar como está, se não
houver mudanças, a terra não chegará ao ano 2025. Abusamos da terra tirando
dela mais do que pode dar, mas muitos não se dão conta de que a terra é
redonda, e que quando se explora demais, mais adiante ela vai lhe pegar pelas
costas. Então, a Igreja desenvolveu uma teologia muito sábia, quando aborda a
ecologia, e isto faz parte da Teologia da Libertação.
Em uma de suas últimas análises,
"Pedofilia e poder", você faz afirmações muito arriscadas. Fala em
enfrentar a atitude da Igreja católica, por um lado em relação ao fenômeno da
pedofilia e, por outro, em relação à Teologia da Libertação. Afirma que a
homossexualidade pode ser uma opção legítima se estiver guiada por uma ética de
amor e fidelidade e que a exclusão da mulher da estrutura hierárquica católica
é o reverso da masculinização absoluta do ministério clerical, chegando a se
perguntar como se analisarão estes problemas caso a mulher, ordenada como
cardeal, tivesse acesso a altos cargos dentro da estrutura hierárquica da
Igreja. Houve alguma reação da cúria romana aos seus posicionamentos ou
simplesmente silenciaram?
A Igreja teme falar destes temas.
Tem medo. Eu não recebi nenhuma crítica da parte da hierarquia ao artigo, e se
deve ao temor que há em relação aos temas.
Atualmente, na ética da Teologia da
Libertação aceitamos, por exemplo, que a homossexualidade é um modo de viver, é
uma opção. Mas a Igreja e sua hierarquia não entram nestes temas pelo temor de
que se desate uma discussão onde não têm muito a dizer, pois são temas que não
são discutidos.
Estes são problemas da modernidade e
a Igreja católica os rechaçou: não quer saber da homossexualidade ou da
participação das mulheres. Em relação a este último, por exemplo, não há um
único argumento, nem bíblico nem teológico, para excluir a mulher do sacerdócio
e a Igreja o rechaça, porque tem uma visão pré-moderna da mulher.
Enfim, a Igreja não fala muito
destes temas, porque não sabe o que dizer, e todas as vezes que entrou, entrou
mal, ocultou pedófilos, não ouviu as vítimas, não analisou em profundidade,
porque se entrar nesta discussão vão surgir muito mais problemas para a
hierarquia por sua posição tão conservadora.
Também no seu espírito do que se
poderia chamar de "um provocador teológico", disse que não existe uma
Igreja, mas modelos de como ser Igreja; e se refere a um modelo dominante e
tradicional que fenece de maneira irreversível diante de outro que busca,
precisamente, um alternativo e mais contextualizado. Na sua opinião, que
características ou para onde deve se enfocar esse modelo qualificado por você
de emergente?
O modelo da igreja da cristandade já
entrou numa forte crise, é irreversível e se aproxima do colapso, porque não
tem os elementos nem fundamentos teológicos nem teólogos ou teólogas para
superar esta situação. A pedofilia já é um sinal muito sério dessa crise
profunda, e pior ainda o ocultamento que a Igreja fez disso. Evidentemente, e
embora não como uma consequência direta, as pessoas vão recorrer ao modelo
alternativo, vão buscar na Igreja dos pobres uma maneira de viver a sua fé.
Então, esta Igreja emergente, dos
pobres, a Igreja do Povo de Deus, deve ter as seguintes características:
Primeiro, uma opção preferencial pelos pobres e contra a pobreza: é preciso criar estruturas na Igreja para viver com eles (os que vivem com HIV/Aids, os marginalizados, os moradores de rua, etc.). Atualmente, são muitos, mas são invisíveis à sociedade e esta situação é algo que a Igreja deve transformar.
Primeiro, uma opção preferencial pelos pobres e contra a pobreza: é preciso criar estruturas na Igreja para viver com eles (os que vivem com HIV/Aids, os marginalizados, os moradores de rua, etc.). Atualmente, são muitos, mas são invisíveis à sociedade e esta situação é algo que a Igreja deve transformar.
Segundo, as comunidades eclesiais de base:
onde se une a oração e a comunidade, não importa que sejam poucos e poucas, o
que conta é a qualidade. Para a Igreja da cristandade o importante é a
quantidade, porque têm critérios comerciais, de mercado. Me atrevo a dizer que
não importa que a Teologia da Libertação morra, contanto que não sigam morrendo
os pobres, mas que enquanto houver pobres, haverá Teologia da Libertação,
haverá Igreja do Povo de Deus.
Terceiro, a leitura popular da Bíblia:
o melhor que podemos fazer neste momento de crise é devolver a Bíblia ao povo,
com liberdade e autonomia. Durante 400 anos a Igreja esteve sem Bíblia, mas o
Concílio Vaticano II rompeu com esta tradição e a devolveu ao povo.
Quarto, a Teologia da Libertação:
é preciso voltar a fazer teologia. É preciso perder o medo, superar a teologia
do medo: os leigos temem o padre, o padre o bispo, o bispo o Vaticano e o
Vaticano a Teologia da Libertação... Deve-se deixar o medo de lado e ter fé.
Quinto, uma Igreja autóctone: é
a que nasce dos próprios povos que vão descobrindo o Evangelho.
Sexto, a vida religiosa inserida
nos ambientes das e dos marginalizados e desprezados.
Sétimo, os novos ministérios: é
preciso dessacralizar e "desacerdotizar", superar distâncias entre
leigos e clérigos, que as divisões desapareçam. E aqui exclamar: NUNCA MAIS UMA
IGREJA SEM MULHERES! Devem ser integradas como mestras, sábias, teólogas, que
assumam todas as funções do presbiterado.
Oitavo, a Igreja como centros de formação:
as e os leigos são o futuro da Igreja, razão pela qual a formação é importante.
Nono, uma Igreja de profetas e mártires.
E, por último, em décimo lugar, evitar as contradições
desnecessárias e crescer onde estão as forças. Não basta
criticar e gritar contra a Igreja da cristandade, pois os dois modelos de
Igreja não vivem separados e confrontados entre si. Os modelos se entrecruzam.
Encontramos sinais da presença de Deus na Igreja da cristandade e sinais de cristandade
na Igreja dos pobres.
Suponhamos que você seja doutor em
medicina e tenha que dar um diagnóstico de um doente que, na sua história
clínica tem por nome Teologia da Libertação: qual seria seu pulso e sua pressão
arterial? Estaria sofrendo de uma dolência passageira, câncer ou seria preciso
dar um atestado de óbito no atual contexto político e eclesial da América
Latina?
Não poderia dar um prognóstico
fatídico, porque, de fato, há um ressurgimento da Teologia da Libertação,
embora a Igreja o negue. A leitura popular da Bíblia e as comunidades eclesiais
de base são uma força que não podem deter. Os próprios pobres necessitam desta
Igreja, necessitam dela para sobreviver. Não é a Igreja que necessita de
dinheiro para sobreviver, mas os pobres necessitam da Igreja para sobreviver. E
isto se dá em todas as partes, em El Salvador, na Guatemala, na Costa Rica e em
muitas outras partes do mundo.
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