Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O poder na Igreja. - Artigo de José Lisboa Moreira de Oliveira. A disputa pelo poder dentro da Igreja não nega o Evangelho?


A disputa dos homens pelos melhores cargos, posições, vantagens, isto é, pelo poder – sempre existia (e existe!) em todas as sociedades, associações, instituições e grupos. É a realidade que incorpora a nefasta tendência do ser humano. 

 

Só que essa realidade torna-se triste e hipócrita, quando até as instituições cuja missão deveria ser justamente demonstrar o contrário, no caso das Igrejas cristãs, ostentam a existência dessas disputas. Jesus Cristo, o seu fundador, que constitui o  único sentido para  a existência dessas Igrejas, adverte: “Entre vós não deverá ser assim; ao contrário, se alguém de vós quiser ser grande, seja vosso servidor; e quem dentre vós quiser ser o primeiro , seja escravo de todos.”(Mc 10,43-44). Mas, parece, muitos homens e mulheres que fazem parte da Igreja, nunca ouviram essas palavras, ou não querem ouvir...   

Obviamente, não se pode atribuir esta atitude de disputa pelo poder e de auto-promoção a todos os fiéis e ministros da Igreja. Não se fala aqui de pessoas – e essas são muitas! – que procuram sinceramente  dedicar a sua vida ao serviço desinteressado ao próximo, aos numerosos trabalhos promovidos pela Igreja, que visam a ajuda ao ser humano e a sua  promoção, que vivem colocando em prática o mandamento de amor, que é o maior de todos.

Porém, não podemos ignorar  que existem pessoas dentro da Igreja Católica (e também nas outras Igrejas), e principalmente dentro das  lideranças religiosas, que da  disputa pelo poder fizeram o principal objetivo de suas vidas. Muitas outras, por sua vez, justamente na Igreja encontraram o ambiente propício e, talvez,  mais fácil, para “subir na vida”, enriquecer, ou realizar outros planos, que nada têm a ver com o Evangelho de Jesus Cristo. Exercer o domínio sobre os outros, maltratá-los, ostentar a arrogância, poder impor-lhes as suas ordens, sentir-se “dono” do cargo ocupado – são as  práticas que negam abertamente o exemplo de servir deixado por Jesus. Pior ainda, as atitudes desta ordem confudem, machucam e escandalizam muitas pessoas honestas e sinceras dentro da mesma Igreja,  que cultivam a fé na verdadeira missão da Igreja.

Sobre este assunto, com muita propriedade, trata o excelente artigo do José Lisboa Moreira de Oliveira¹, que trago hoje  para o blog Indagações. Na minha opinião, esse texto deveria ser lido e refletido por todos os cristãos, e sobretudo pelas lideranças católicas.
Não  deixe de  ler!
WCejnog 




Eis artigo:

Quarta-feira, 6 de março de 2013

O poder na Igreja

A disputa pelo poder na cúpula da Igreja

José Lisboa Moreira de Oliveira

As recentes notícias de disputas pelo poder na cúpula da Igreja Católica Romana têm deixado muita gente perplexa. O próprio papa Bento XVI chegou a fazer referências ao assunto, considerando-o nocivo para o anúncio do Evangelho. As pessoas mais simples, portadoras de uma visão angelical do ministro ordenado, sentem-se como que maltratadas em sua fé, quando ouvem tais notícias. Não acreditam no que é dito. As pessoas mais críticas, pensantes, sabem que se trata de algo muito sério que não há como esconder. Muitos membros da hierarquia, imitando a avestruz, tentam fugir do problema. Normalmente saem pela tangente, procurando desviar-se do tema. Foi o caso, por exemplo, de um ilustre canonista, solenemente vestido em seu clergyman, que entrevistado ao vivo por uma jornalista de uma rede de televisão, saiu com uma desculpa esfarrapada. Perguntado pela jornalista o que o papa Bento XVI quis dizer quando aludiu a divisões dentro da Igreja, o ilustre mestre em Direito Canônico deu uma resposta evasiva que soou mais ou menos assim: “Em seus discursos o papa tem sempre presente o tempo litúrgico. Como estamos na Quaresma, ele quis fazer-nos um convite à conversão. Ele naturalmente estava se referindo à obrigação que temos de nos converter e de nos purificar de todas as fragilidades”.

A disputa pelo poder dentro da Igreja é tão antiga quanto a própria comunidade cristã. Os Evangelhos sinóticos registram o episódio dos irmãos Zebedeu, que instigados por uma mãe preocupada com o futuro de seus filhos, pretendem ocupar o lugar de primeiros ministros no Reino de Jesus (Mt 20,20-28). A pretensão dos dois irmãos causou ciúmes e indignação nos outros dez discípulos. Muitos estudiosos da Bíblia afirmam que por trás desta narrativa estaria a briga pelo poder nas primeiras comunidades cristãs. Os evangelistas teriam registrado o episódio para chamar a atenção dessas comunidades e orientá-las quanto à forma como deveriam lidar com a questão do poder. O evangelista João, embora não narre este episódio, deixou registrada a parábola do Bom Pastor (Jo 10,11-21). Ele reflete sobre o poder na comunidade cristã, criticando aquelas lideranças que se comportam como ladrões e assaltantes, não entrando “pela porta do curral” (Jo 10,1). Ao que tudo indica, trata-se de uma referência ao carreirismo e ao oportunismo já presentes nas comunidades cristãs do final do primeiro século da nossa era. Mais adiante, na narrativa conhecida como “Lava-pés”, João vai novamente criticar o autoritarismo e fazer uma catequese sobre como deveria ser o exercício do poder na comunidade cristã (Jo 13,1-17). No versículo nove da sua Terceira Carta o ancião João denuncia certo Diótrefes “que ambiciona dominar” e, por isso, se recusa a aceitar as demais lideranças, difamando-as e expulsando-as da Igreja.

Paulo, em algumas de suas cartas, denuncia e critica o comportamento ambicioso de determinadas lideranças, as quais disputam ferozmente o poder dentro das comunidades cristãs por ele fundadas. O texto mais incisivo é aquele da Carta aos Gálatas na qual o apóstolo denuncia pessoas que estão semeando confusão nas comunidades e anunciando “um evangelho diferente” daquele que ele anuncia (Gl 1,6-10). Em Corinto, depois de seu esforço evangelizador, Paulo vê a comunidade se dividir em facções (1Cor 1,12; 3,4). Na Carta aos Filipenses (1,12-18) o apóstolo acusa aqueles que na comunidade agem por inveja e por espírito de competição. Tais “cães” e “falsos circuncidados” confiam “na carne” (3,2-4) e adoram o “deus-ventre” (3,19).

A situação se agrava ainda mais quando, a partir de 380, com o decreto de Teodósio, o cristianismo passa a ser religião de Estado e, aos poucos, as lideranças cristãs vão assumindo o estilo autoritário e tirânico de governar (Mc 10,42-43). Os bispos, os padres e até o próprio papa vão assimilando o jeito de ser dos imperadores e reis. Até os títulos imperiais (excelência, eminência, sumo pontífice, monsenhor etc.) e as insígnias (coroas, anéis, tiaras, luvas, sapatilhas, mitras, casulas etc.) se tornam títulos e insígnias dos pastores da Igreja. Junto com o poder vem a riqueza, o luxo e a ostentação. E a guerra pelos primeiros lugares se torna violenta e cruel. Qualquer historiador eclesiástico sério sabe muito bem o que isso significou. E não podia ser diferente, pois “o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” e quando alguém se deixa levar pela “ânsia do dinheiro” termina se afastando da fé (1Tm 6,10).

Diante do exposto resta-nos dizer que é hipocrisia tentar negar o óbvio, ou seja, que existam disputas internas no interior da Igreja. Os autores sagrados do Novo Testamento não esconderam isso. Pelo contrário, expuseram as mazelas de suas comunidades. Por essa razão um teólogo ou canonista que, de público, nega tal fato comporta-se de maneira ridícula e falsifica o próprio Evangelho. Sabemos por experiência que tal disputa se dá ainda hoje, inclusive nas pequenas comunidades. Com frequência vemos lideranças, coordenadores e ministros agarrando-se ao pequeno poder que lhes é concedido pelos cargos. Até a detenção da chave da gaveta do armário da sacristia pode se tornar fonte de poder autoritário, dominador e opressivo.

Resta-nos uma única alternativa para reverter tal situação. Esta alternativa tem início com a humilde confissão e admissão da existência da disputa pelo poder no interior da Igreja. Admitida esta realidade é indispensável repensar por completo a educação das lideranças cristãs, desde as mais simples até os ministérios ordenados. Esta educação implica antes de tudo a clareza acerca da total incompatibilidade entre o modo de governar dos tiranos deste mundo e o governo eclesial: “Entre vocês não deverá ser assim” (Mc 10,43). A partir desta convicção a catequese vocacional de educação das lideranças deverá comportar o princípio fundamental de que o poder na comunidade cristã é exclusivamente serviço, de modo que fique bem evidente que quem não estiver disposto a servir não pode assumir nenhum tipo de liderança na Igreja: “quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês” (Mc 10,43).

Este tipo evangélico de educação é um grande desafio para o momento, pois, como vimos acima, o vício está espalhado pelas comunidades cristãs e a visão mais comum é de que cargo ou função na Igreja é uma forma de dominar os outros e de mostrar poder sobre os demais. Não será fácil educar à maneira de Jesus: depor o manto do poder dominador e amarrar na própria cintura a toalha do diákonos, do servidor,  do garçom, do empregado que serve à mesa (Jo 13,4). Mas, não há outro caminho e os responsáveis pela educação das lideranças devem deixar bem claro que não há como conciliar o poder serviço com o poder dominação. Quem se recusa a ver a função da liderança como serviço aos outros, se exclui automaticamente da comunidade dos discípulos e discípulas de Cristo (Jo 13,8). Torna-se um excomungado no sentido técnico da expressão. Infelizmente excomungamos, ou seja, expulsamos das comunidades os que pensam diferente, mas não nos damos conta de que todo papa e todo bispo, todo padre e todo diácono, todo ministro e toda liderança cristã que transforma o seu cargo ou função em poder-dominação é um excomungado. Por recusar-se a ser servidor exclui-se automaticamente do discipulado de Jesus: “não terá parte comigo” (Jo 13,8).

Mas para chegar a tanto se faz necessário uma catequese ainda mais profunda. Uma catequese que deixe bem claro que somos todos irmãos e irmãs, formando uma comunidade de pessoas com igual dignidade, na qual os títulos não contam e não devem ser utilizados para colocar alguém acima dos demais (Mt 23,8-10). Na comunidade cristã, de irmãos e de irmãs, o que conta é a capacidade de servir. Se há grandeza em alguém, esta grandeza deve ser medida por sua capacidade de, na humildade, servir aos outros (Mt 23,11-12). O resto é, no dizer do apóstolo Paulo, podridão, esterco, inclusive os “nobres títulos” com os quais algumas lideranças cristãs fazem questão de serem identificadas (Fl 3,1-14).
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¹ José Lisboa Moreira de Oliveira  é filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma.  Autor de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação vocacional. 


Fonte: http://lisboa-ochamado.blogspot.com.br/2013/03/o-poder-na-igreja.html


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