Mais
um excelente artigo do nosso prezado colega José Lisboa Moreira de Oliveira, publicado
por ele, recentemente, no seu blog.
O
texto trata com muito acerto e propriedade do tema da formação dos futuros
padres da Igreja católica nos tempos atuais (que é - infelizmente - a
continuação de ontem!).
Por
considerar o tema abordado de relevante importância, e por concordar com as opiniões expostas, faço a questão
de trazer este artigo também para o blog
Indagações.
Obviamente,
muita gente, sobretudo dos círculos conservadores da hierarquia da Igreja, provavelmente
não vai gostar das colocações diretas e críticas sobre o tema proposto, e nem concordará com essas
afirmações. Mas a verdade não pode ser ‘maquiada” nem desmentida. E mais, é
muito urgente (e já passou da hora!) a
Igreja seriamente refletir sobre a questão de formação do clero, se o seu
propósito é mesmo uma verdadeira renovação.
Convido
o(a) amigo(a) leitor(a) para uma leitura atenciosa.
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O Chamado
terça-feira, 11 de junho de 2013
A
pedagogia do medo na formação dos padres
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo,
teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
O que vou narrar
inicialmente não aconteceu na Idade Média e nem na primeira metade do século
passado, antes da realização do Concílio Vaticano II. Aconteceu há poucas
semanas atrás, em pleno século XXI, no ano da graça do Senhor de 2013.
Um seminarista, meu
conhecido, pediu-me para ser seu amigo no Facebook. Como eu o conhecia, não
tive problemas para adicioná-lo. Desde então comecei a receber mensagens dele.
Logo notei a pobreza de tais mensagens ou, pior dizendo, o monte de baboseiras que
era postado por ele, que dizia estar cursando o segundo ano de teologia.
Comecei, então, a fazer alguns comentários ao que ele postava. Na última
postagem o seminarista colocou uma charge com a qual justificava a necessidade (notem bem o vocábulo!) do
uso da batina. Na charge um padre, estando num lugar, sem batina, vestido como
o comum dos mortais, recebia uma bela cantada de uma mulher.
Percebendo o absurdo,
fiz um comentário no qual chamava a atenção para algumas coisas. Antes de tudo
a presença da pedagogia do medo da mulher. Dizia para o seminarista que esse
medo denotava insegurança vocacional e de identidade. Em segundo lugar,
mostrava que tal posição estava carregada de preconceito contra a mulher, vista
como a sedutora, aquela que induz ao “pecado da carne”. Além disso, mostrei-lhe
que, pela minha experiência de mais de quarenta anos de convivência direta com
os eclesiásticos, nem sempre é a mulher que seduz o padre. Na maioria absoluta
dos casos são padres, afetivamente carentes e psicologicamente despreparados,
os sedutores das mulheres. São constantes, ainda hoje, os casos de padres que
engravidam mulheres e que, inclusive, as forçam a praticar o aborto. Na Itália
existe uma ONG que cuida de filhos abandonados de padres. Por fim, lembrava ao ilustre seminarista que
encontrei em vários seminários casos escabrosos que aconteciam na calada da
noite, apesar do uso frequente da batina. Casos de pedofilia, de casais
“estáveis” de seminaristas homossexuais, os quais eram defensores ferrenhos do
celibato e do uso da batina até para dormir. Concluía, então, meu comentário
dizendo que a batina, por si só, não funciona, se faltar ao seminarista e ao
padre aquela maturidade psico-afetiva-sexual da qual tanto falam os documentos
da Igreja sobre a formação dos presbíteros. O resultado do meu comentário você
já deve ter deduzido: o seminarista me excluiu da sua lista de amigos no
Facebook.
O caso me fez refletir
sobre o que estaria acontecendo com a formação dos padres. O que leva um
seminarista do segundo ano de teologia a ter uma visão tão desequilibrada e tão
medrosa do celibato? E não tive alternativa a não ser me convencer, mais uma
vez, de que a maioria absoluta dos seminaristas não está sendo preparada para
encarar o celibato com naturalidade. E isso por uma simples razão: a maioria
absoluta deles não é portadora desse dom do Espírito. Fingem tê-lo e os
formadores e bispos, mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade,
continuam fazendo de conta que não estão vendo nada. Insistem em manter a lei
obrigatória do celibato, mas se recusam a afastar do ministério presbiteral
todos aqueles que não são portadores desse carisma. Toda opção tem
consequências sérias. E a principal consequência séria da opção da hierarquia
pelo celibato obrigatório é, sem dúvida alguma, a exclusão (esta é a palavra exata), através de um bom discernimento,
de todos aqueles que não possuem este dom. E tal exclusão precisa ser realizada
antes de tudo para o bem dos próprios seminaristas e depois para o bem da
Igreja.
E ao dizer que estou
convencido de que a maioria dos seminaristas não possui o dom do celibato,
estou falando a partir de experiências concretas. Várias vezes, em diversos
momentos e lugares, numa simples conversa, aberta e franca, aquela do tipo
“olho no olho”, isso ficou muito claro para mim. Eles não conseguem esconder
seus disfarces. É claro que os seminaristas não são culpados disso. A
responsabilidade é da hierarquia da Igreja que insiste em fazer de conta que
tudo vai muito bem; uma hierarquia que não é capaz de ler os sinais dos tempos
e repensar a questão do celibato obrigatório.
De tudo isso, podemos
deduzir duas consequências. A
primeira é de termos padres distantes das pessoas; padres que colocam
barreiras, como a batina, para não se aproximarem do povo e para que o povo não
se aproxime deles. Padres que, diferentemente de Jesus, não se misturam com as
pessoas, não assumem “em tudo a condição humana” (Hb 4,15). Padres incapazes de
compaixão e de misericórdia porque não vivem como vive o povo, especialmente
como vivem aquelas pessoas prostradas e abatidas, sem consolação, sem
esperança, sem vida e para as quais eles deveriam ter um carinho especial (Mt
9,36). Por mais que se esforcem, estarão sempre distantes, uma vez que não há
como ser próximo quando se usa de artimanhas para “passar adiante, pelo outro
lado” (Lc 10,31-32), longe de quem está caído. Enquanto o Concílio Vaticano II
pedia aos padres para mergulharem profundamente na vida do povo, convivendo com
todas as pessoas (PO,6), a formação
dada nos seminários, verdadeiros “redomas de vidro”, distancia o pastor das
ovelhas.
A outra consequência
grave é a constatação de uma profunda
fragilidade desses futuros padres. A necessidade de usar escudos de
proteção, como a batina, revela uma personalidade doente, imatura, carente e
psicologicamente enfraquecida. Não se trata de pensar nos padres como
super-heróis, mas de ajudá-los a serem, o quanto possível, pessoas normais, sem grandes amarras e humanamente acessíveis. Como
podem padres assim ser sinais sacramentais do Cristo Pastor se são incapazes de
“dar a vida” (Jo 10,11) pelas pessoas? Porque o dar a vida não se reduz ao
martírio, mas implica um gastar-se, um consumir-se pela humanidade (Mc 6,31). E
só é possível doar-se totalmente quando não se possui nenhum tipo de “reserva”,
nenhum tipo de amarra, nenhum tipo de medo da outra pessoa (Mc 2,15-17).
Estudos sérios afirmam
que o homem sempre teve medo da mulher inclusive do ponto de vista sexual.
Giacomo Dacquino em sua obra Viver o
prazer (Paulinas, 1992) chama a atenção para este aspecto, lembrando que
esse medo se exasperou nas últimas décadas em razão da progressiva emancipação
da mulher. Dacquino lembra que medos cultivados em relação à mulher podem
revelar que o homem não superou o complexo de Édipo, mantendo certo vínculo
edípico com a mãe e rejeitando a heterossexualidade, ou seja, qualquer relação
ou aproximação afetiva com as outras mulheres (pp. 147-150).
O Concílio Vaticano II,
no documento sobre a vida e o ministério dos presbíteros, afirmou que a missão
do padre é ajudar as pessoas a conseguirem a maturidade cristã. Diz, sem meios-termos, que de nada adiantam
cerimônias bonitas, “rebanhões”, procissões, curas, movimentos eclesiais
florescentes se os cristãos e as cristãs não atingem a maturidade na fé. E para
realizar essa tarefa os padres devem acolher todas as pessoas: jovens, casais, famílias etc. (PO, 6). O
documento conciliar sobre a formação dos padres chega a dizer que para
cumprirem fielmente essa missão os seminaristas devem ser educados sobre o
valor e a dignidade do casamento e sobre o que significa realmente a renúncia
ao matrimônio, a qual não é renúncia ao amor (OT, 10).
Causa, pois, enorme
espanto que, cinquenta anos depois, ainda se dê uma formação que estimula o
medo e o cultivo de barreiras na relação dos padres com as pessoas. Nico Dal
Molin, em seu belíssimo livro sobre o amadurecimento psicoafetivo, intitulado Itinerário para o Amor (Paulinas, 1996),
afirma que o amor maduro tem a coragem de derrubar barreiras, uma vez que as
barreiras impedem a transparência e distorcem o modo de viver o amor (pp.
144-162). O amor, como sabemos, é o distintivo por excelência do discípulo e da
discípula de Jesus (Jo 13,34-35). E “no amor não existe medo; pelo contrário o
amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Por conseguinte,
quem sente medo ainda não está realizado no amor” (1Jo 4,18). Tenho pena das
comunidades que irão receber esses futuros padres, modelados na “fôrma” da lei
do temor e não educados na pedagogia do amor.
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