É muito
interessante o artigo “Deus uma vez mais” da teóloga Maria Clara Lucchetti
Bingemer.
Trago-o
para o blog Indagações para contribuir na sua divulgação.
Não deixe
de ler.
WCejnóg
Maria Clara Lucchetti Bingemer¹
O contexto em que vivemos é feito de ateísmos e
teísmos, de pluralidade cultural e religiosa, de fragmentação da crença e de
emergência de novas formas de crer. Em meio a esta pluralidade importa situar
como a pergunta por Deus é constitutiva da identidade humana, mesmo quando esta
pretende negá-la ou a ela ser indiferente.
A crise da modernidade e o advento da chamada
pós-modernidade, longe de dar um fim ao processo de reconfiguração do discurso
teológico, assumem suas marcas principais e se propõem a radicalizar a
"morte” cultural e conceitual de Deus. Ao lado da reconfiguração do
religioso na fragmentação pós-moderna, o ateísmo não desapareceu do horizonte
ocidental. E não se trata mais de um ateísmo qualquer, ou de uma não
religiosidade pura e simples. É, com efeito, uma atitude vital de extrema
complexidade, que não busca grandes sistemas ou narrativas para explicar a
vida; que entende a existência em termos fragmentados e provisórios; que
persegue respostas imediatas e o consumo não só de produtos como de ideias,
conceitos e crenças.
O conceito de DEUS, ou do Transcendente, ou da
Realidade Última, é considerado basilar por todos os sistemas religiosos, pois
dá um sentido ao mundo em geral e, em particular, à vida humana. A autêntica
questão transcendente com a qual todo ser humano um dia se depara é a questão
deste mistério último e derradeiro que, por um lado, concede sentido à vida e
por outro coloca em crise todos os sentidos previamente dados ao existir. A
despeito de todo o processo da modernidade, da crise da secularização e outros
fenômenos com os quais convivemos neste novo milênio, Deus continua a ser a
questão que remete ao mistério último e ao sentido definitivo da vida e do ser,
pela qual os seres humanos se sentem atraídos ou pelo menos intrigados. E
muitas vezes instigados.
Se a objetividade do mundo –fruto da modernidade– é
a resultante extrema da separação de Deus, separação que por sua vez liberta o
ser humano e o institui sujeito de seu conhecimento, tornando-o autônomo diante
da inteligência e da normatividade divinas, é possível examinar o problema sob
outro ângulo. Este seria pensar que agora Deus se retira, deixando o ser humano
às voltas com seu trabalho e suas disputas.
Neste contexto, toda maneira de falar de Deus cai
por terra e sua inadequação radical é constantemente relembrada. A experiência
radical do mistério questiona um discurso moderno que pretenderia trazer tudo à
luz, incluída aí a "retirada” e a "morte” de Deus. A relativização de
todas as premissas culturais e a crítica do projeto moderno alertam sobre as
utilizações apressadas e mal feitas que pudessem incluir um discurso sobre Deus
ou sobre sua "morte” com pretensões a legitimar todas as institucionalizações,
todos os sistemas.
Neste contexto, as religiões e as teologias devem
constantemente suspeitar do discurso que constroem, criticando-o e
reconfigurando-o a cada passo. Isso fazendo, são igualmente chamadas a imbricar
essa constante renovação com a fidelidade a suas tradições, que são parte
constitutiva de sua identidade. Pensar e falar sobre Deus, hoje, não pode
acontecer senão a partir do mundo. E este mundo é algo em constante mutação,
exigindo uma reinvenção constante e permanente daqueles que o pensam e o dizem.
O mundo contemporâneo não é o mundo idílico,
perfeito, completo e reconciliado, que parecem descrever muitos discursos.
Pensamos, em particular, naqueles marcados pelo otimismo dos progressos e
conquistas da modernidade, assim como nos que se encontram atravessados de lado
a lado pela interpelação legítima da questão ecológica, racial, étnica, de
gênero. Assim também como por deploráveis injustiças. A inserção nas realidades
temporais ou terrestres é específica para cada um daqueles e daquelas que por
esse Mistério foram tocados, podendo acontecer de distintas formas, dependendo
de como se configurará sua experiência.
É em meio a este mundo que o ser humano tocado pela
pergunta sobre Deus, pelo desejo do Transcendente e pela atração do Mistério é
chamado a experimentar a Deus e falar sobre ele. Não mais –ou não mais apenas–
com a linguagem da metafísica ou com a pergunta da teodiceia, mas a partir da
vulnerabilidade e da provisoriedade das experiências humanas.
A teologia crítica, assim como o ateísmo crítico,
coincidem em buscar e encontrar na injustiça, no sofrimento humano e nas
situações insuportáveis deste mundo, o marco da pergunta pelo sentido último da
vida como justiça. Nesse ponto, tanto os cristãos críticos como os ateus
críticos encontram-se na luta contra a injustiça e sua sanção religiosa fácil,
vislumbrando como único caminho uma solidariedade prática.
______________________
¹ Maria Clara Lucchetti
Bingemer é autora de "O mistério e o mundo –
Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.
Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].
Copyright 2013 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.
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Fonte:
ADITAL
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