Um
excelente artigo do nosso ilustre colega José Lisboa Moreira de Oliveira, que ele publicou na semana passada no seu blog.
O
texto é um alerta aos cristãos católicos, principalmente esses que ansiosamente
esperam por mudanças necessárias e ficam vibrando com os novos gestos, atitudes
e posturas do papa Francisco, para ficarem atentos mais do que nunca e não
deixarem de se enganar, pensando que só isso bastará para tais mudanças ocorrerem
nas estruturas eclesiásticas...
No
momento atual da Igreja Católica (o papa
Francisco, os seus gestos e palavras, as mudanças no Vaticano, JMJ Rio 2013
etc.) esse artigo carrega um “ar” verdadeiramente profético. Esse “ar” deveria
hoje pulsar fortemente na alma de cada pessoa, para a qual a causa de Jesus de
Nazaré e do seu Evangelho de fato é o mais importante e ocupa
primeiro lugar nos anseios da sua fé cristã, e que, portanto, não se conformam
com as estruturas existentes dentro da Igreja, onde o carreirismo, a hipocrisia, o nepotismo,
a articulação com o poder civil ultraconservador etc., fincaram profundamente e
em grande escala suas raízes.
“Não podemos negar a contradição e fechar os olhos para o que aí está, pois, quando tudo isso esfriar só restará o vazio e a decepção de uma fé estática que não se mobilizou” – lemos no artigo.
“Não podemos negar a contradição e fechar os olhos para o que aí está, pois, quando tudo isso esfriar só restará o vazio e a decepção de uma fé estática que não se mobilizou” – lemos no artigo.
Concordo
com as opiniões expostas nesse artigo pelo autor, e para ajudar na sua
divulgação, trago o texto também para o
blog Indagações. Acredito que é mais que necessário fazermos uma séria reflexão sobre a questão levantada.
Não
deixe de ler! .
W. Cejnog
Blog - O Chamado
Sexta-feira,
26 de julho de 2013-08-01
Eclesiologia
Reformas eclesiásticas são insuficientes
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo,
escritor, conferencista e professor universitário.
Durante o período entre o anúncio da renúncia de
Bento XVI e a eleição do papa Francisco muito se falou sobre a necessidade de
uma reforma na Igreja e da Igreja Católica Romana. O assunto continuou mesmo
depois da eleição do último papa. Depois o assunto parece ter caído um pouco no
esquecimento. Muitas pessoas ficaram empolgadas com certos gestos de Francisco
e algumas delas chegaram a pensar que isso seria suficiente para mudar o rosto
da Igreja Romana. Porém, o tempo está passando e as mentes pensantes estão se
perguntando se já não está na hora do papa ousar um pouco mais e começar a
mexer na máquina burocrática eclesiástica.
Ninguém discute o valor simbólico de alguns gestos
e de algumas declarações do papa Francisco. Sabe-se também que ele precisa agir
com muita prudência, pois a aceleração de alguns processos de renovação poderia
colocar o sistema eclesiástico em alvoroço e até bloquear qualquer ação ou
iniciativa do pontífice. Há mesmo o risco real de uma possível eliminação do
papa, como se suspeita que teria acontecido em outras ocasiões com grandes
reformadores. Diz a tradição monástica que um grupo de monges beneditinos
tentou envenenar São Bento, quando este propôs algumas reformas para a
recém-criada ordem monástica. Entende-se, pois, a necessidade da paciência e da
prudência em situações como essas.
Porém, não é possível realizar profundas
transformações na Igreja se não se mexe na paquidermiana máquina burocrática
eclesiástica. Se não se toca naquelas estruturas de pecado existentes dentro da
Igreja e que foram pensadas e criadas para que as mudanças não aconteçam. Tais
estruturas estão relacionadas com vícios como o carreirismo, o nepotismo, as
recomendações, a perpetuação de pessoas em determinados cargos, a negligência,
a mentira, a hipocrisia, a articulação com o poder civil ultraconservador e
assim por diante. Sonhar com mudanças só porque foi eleita para a função de
papa uma pessoa simples é pura ilusão, e se algo não for feito o quanto antes a
decepção começará a tomar conta das pessoas.
Estas considerações mostram que as transformações
não virão apenas por conta de uma canetada de um papa. É claro que na atual
estrutura burocrática eclesiástica a decisão final será sempre dele. Mas se a
comunidade dos “cristãos insatisfeitos” não se mobilizar as coisas continuarão
do mesmo jeito e, talvez, por muitas décadas e até séculos. Lembro-me que anos
atrás um ilustre teólogo, agora admirador do papa Francisco, disse em um artigo
que João Paulo II havia montado um esquema de “retorno à grande disciplina” que
iria durar pelo menos um século. Concordo com essa afirmação, pois estou
convencido de que se não houver uma
mobilização mundial as coisas irão continuar do mesmo jeito. E isso por uma
simples razão: a direita católica ultraconservadora, representada hoje pelos
grandes movimentos eclesiais internacionais, saberá sempre “domesticar” e
desvirtuar as ações do papa Francisco, como mostrei num artigo anterior.
As mudanças que esperamos não podem vir apenas do
papa. Ele sozinho não dará conta de uma tarefa tão grande. Precisamos nos
mobilizar para retomarmos o espírito do Concílio Vaticano II e voltarmos ao
Evangelho. Precisamos pensar, refletir e agir para fazer com que a onda de
conservadorismo, que invadiu a Igreja nos últimos trinta anos, seja varrida
pelos ventos inspiradores do tão sonhado “aggiornamento” eclesial que o papa
João XXIII tanto queria a cerca de cinquenta anos atrás. E precisamos fazer
isso porque o atual conservadorismo eclesiástico se camufla de modernidade.
Utilizando a tecnologia e a linguagem moderna,
típica das redes sociais e da internet, engana os mais simples e desprovidos de
racionalidade crítica. E a mais comum das linguagens utilizadas pelo moderno
ultraconservadorismo católico é a emocional, aquela que mexe com a sensibilidade
das pessoas. E para se comprovar isso basta entrar nos sites católicos ou
assistir a programas de boa parte das redes televisivas ditas católicas. A
quase totalidade deles não estimula o pensamento crítico, a reflexão séria, mas
alimenta uma religiosidade melosa, intimista, individualista e falsa.
No
atual contexto eclesial as reformas não bastam. Elas não
levarão a nada. Lembro-me muito bem que Regis de Morais, em seu
livro Os bispos e a política no Brasil (São Paulo: Cortez,
1982), afirmava categoricamente que “as reformas são maneiras de mudar não
mudando” (p. 77). As reformas mexem
apenas com a exterioridade, com a aparência, mas deixam o sistema funcionando
do mesmo jeito. Elas enganam, dando a impressão de que houve transformações
profundas. Porém, quando nos aproximamos da realidade verificamos que tais
reformas foram como que uma espécie de verniz aplicado sobre uma madeira podre.
Por um tempo houve brilho impressionante, mas depois começam a aparecer as
brechas e os buracos feitos pelos cupins que continuaram a roer a madeira,
mesmo depois da aplicação da tinta.
Regis Morais, na mesma obra (p. 78), nos lembra de
que na atual conjuntura é indispensável a ruptura, que é o
contrário da reforma. A ruptura parte da constatação de que há uma profunda
contradição na realidade e que não se pode prosseguir mantendo tal
esquizofrenia. Somente a ruptura permite fazer uma avaliação sensata, racional
e realista do que está acontecendo e partir para a criatividade e a
concretização de uma utopia que não se rende a fantasias e nem a sonhos
ilusionistas. Quando nos limitamos a
pura reforma, continuamos a manter o sistema. Nós acreditamos que o que já
existe é perfeito e que se deve apenas aperfeiçoá-lo, tornando mais adequada e
fazendo funcionar melhor a velha estrutura. Assim, por exemplo, troca-se a
velha máquina de escrever da secretaria paroquial por um moderno computador ou
o folheto dominical por um excelente Datashow, mas a vida da comunidade e a
eucaristia dominical continuam do mesmo jeito, entediando as pessoas.
Arturo Paoli, há mais de trinta anos, no seu
livro Converter-se (São Paulo: Paulinas, 1978), já nos
lembrava de que a fé só pode ser conservada se sabemos enfrentar as
contradições históricas. Quando o cristianismo se fecha numa atitude apologética,
defensiva, obstinada, integrista e agressiva, isso é sinal de que existe falta
de fé. A fé é luta, motivação e contestação. “Ou é assim ou não é. Motivação
para viver, para fazer esta esfera e todas as galáxias que a cercam girarem.
Contestação, isto é, energia capaz de vencer a tendência a sentar-se, a achar
bonito e suficiente aquilo que atualmente temos nas mãos”
(p. 105). Portanto, quem se senta, achando bonito e suficiente o que o papa
Francisco está fazendo, negando a contradição e fechando os olhos para o que aí
está, esquece que quando tudo isso esfriar só restará o vazio e a decepção de
uma fé estática que não se mobilizou. Terá sido vítima da fé apologética que
não se move e nem se mexe.
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