Acho
muito bom, especialmente no atual contexto político, o artigo “Fundamentalismo”, de Frei Betto. O texto foi
publicado recentemente no site do CESEEP (Centro Ecumênico de Serviços à
Evangelização e Educação Popular).
Não
deixe de ler!
WCejnóg
Maio
de 2019
Fundamentalismo
Por Frei Betto
O fundamentalismo sempre existiu nas tradições
religiosas. Consiste em interpretar literalmente o texto sagrado, sem
contextualizá-lo, e extrair deduções alegóricas e subjetivas como única verdade
universalmente válida. Para o fundamentalista, a letra da lei vale mais que o
Espírito de Deus. E a doutrina religiosa está acima do amor.
Escolas do sul dos EUA, e também algumas no Brasil,
rejeitam os avanços científicos resultantes das pesquisas de Darwin e ensinam
que o homem e a mulher foram criados diretamente por Deus. Tal visão
fundamentalista nem sequer reconhece que Adão, em hebraico, significa “terra”,
e Eva, “vida”. Como os autores do Primeiro Testamento não raciocinavam com categorias
abstratas, à semelhança da gente simples do povo, o conceito ganhou
plasticidade no “causo” de Adão e Eva.
Todo fundamentalista é um “altruísta”. Está tão
convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a
aceitar o seu ponto de vista… “para o bem deles”!
Há muitos fundamentalismos em voga, desde o
religioso, que confessionalisa a política, ao líder político que se julga
revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes.
Uma das melhores conquistas da modernidade é a
separação entre a Igreja e o Estado. Nada de papas coroando reis, como na Idade
Média, ou presidentes consagrando a nação ao Imaculado Coração de Maria, como
fez Bolsonaro no Planato dia 21 de maio.
Certa vez perguntei a Fidel por que em Cuba o
Estado e o Partido eram confessionais. Ele estranhou: “Como confessionais?”
“Sim, expliquei, pois são oficialmente ateus. E negar a existência de Deus é
tão confessional como afirmá-la.” Mais tarde, o Estado e o Partido Comunista
cubanos tornaram-se laicos, assim como todos os estados e partidos modernos.
Reger a vida política a partir de preceitos
religiosos é um desrespeito a quem professa outra religião ou nenhuma. Isso não
significa que um cristão deva abrir mão de suas convicções e dos valores
evangélicos. Mas ele não deve esperar que todos reconheçam a natureza religiosa
de sua ética. E nem queira impor a sua fé como paradigma político.
Há que cuidar também para evitar o fundamentalismo
laicista, de quem julga que religião é uma questão privada, sem dimensão social
e política. Afinal, todos os cristãos são discípulos de um prisioneiro
político. E a prática da fé implica em defesa intransigente da vida,
especialmente dos vulneráveis e excluídos.
O fundamentalismo laicista, que sempre relegou a
religião à esfera da superstição, é danoso por estimular o preconceito e não
reconhecer que milhões de pessoas têm em sua fé o paradigma de suas convicções
e práticas. Corre-se o risco de repetir o erro dos antigos partidos comunistas,
que exigiam dos novos militantes profissão de fé no ateísmo.
Reforçam o fundamentalismo cristão todos os que são
indiferentes ao diálogo inter-religioso e consideram a sua Igreja como a única
verdadeira intérprete dos mandamentos e da vontade divinos. Por isso, é
importante estabelecer os critérios éticos que propiciam a base sobre a qual as
diferentes Igrejas e religiões devem dialogar e somar esforços.
São eles: a ética da libertação em um mundo
dominando por múltiplas opressões; a ética da justiça nessa realidade
estruturalmente injusta; a ética da gratuidade nessa cultura mercantilista onde
imperam o interesse e o negócio; a ética da compaixão num mundo marcado pela
dor de tantas vítimas; a ética da acolhida, já que há tantas exclusões à nossa
volta; a ética da solidariedade nessa sociedade fortemente competitiva; a ética
da vida frente a tantos sinais de morte que ameaçam a natureza e os pobres.
O fundamentalismo é irmão gêmeo do moralismo. E o
moralista é capaz de ver o mosquito no olho alheio, como observou Jesus, sem
atinar para a trava no próprio olho. No caso de certos políticos, quem sabe a
solução para a paz seja considerar a guerra um atentado ao pudor…
Frei Betto é escritor,
autor do romance “Minas do ouro” (Rocco), entre outros livros.
Fonte: ceseep.org.br
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