“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13,35).
A reflexão “No
princípio está o amor”, que hoje trago para o blog
Indagações-Zapytania é uma reflexão muito singular e profunda. É de autoria do padre
e teólogo jesuíta Adroaldo Palaoro.
Penso que muitas pessoas talvez poderiam também
encontrar neste texto ‘nutrientes muito valiosos’ para a sua espiritualidade.
Por este motivo trago esta reflexão para este espaço, para ser compartilhada.
Parabéns Pe. Adroaldo Palaoro!
Foi
publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não
deixe de ler!
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IHU - ADITAL
17
Maio 2019
A
reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo
Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho do 5° Domingo de Páscoa - Ciclo C
(19/05/2019) que corresponde ao texto bíblico de João 13,31-35.
Reflexão
A revelação bíblica afirma que Deus é o
Criador e Senhor, que envolve a criação com seu Amor dinâmico e
criativo. É um Deus ativo, providente, fonte de vida, que realiza obras
admiráveis e santas. Em seu Amor Oblativo, Ele vem ao nosso encontro e nos
introduz no movimento de sua própria Vida. Somos seres agraciados(as).
Viemos de Deus e voltamos para Ele. “N’Ele vivemos, nos movemos e existimos”.
Aqui nos encontramos como que no centro do mistério
único, que é o mistério do Deus Criador e Providente, do Deus que “dá
a Vida”, que cuida do universo, do Deus de quem tudo procede e para
quem tudo retorna; em síntese, trata-se do mistério do Amor em
excesso de Deus.
Portanto, no princípio está o Amor e de suas
entranhas tudo procede; cada criatura é uma irradiação de Deus, uma faísca da
divindade, um transbordamento do amor de Deus. Tudo fala de Deus, tudo revela o
seu Amor. Tudo está “amortizado”; o Amor se faz presença, se faz visível, se
manifesta em cada detalhe da criação. No Amor tudo entra em movimento expansivo
e aberto.
Jesus, em sua vida, sempre deixou transparecer esse
Amor do Pai. O amor de Jesus, extenso e profundo como o oceano, nunca teve
fronteiras: envolveu a todos, acolheu a todos sem preconceito de raça, cultura,
sexo e religião. O mandamento do amor, mais que um mandato é, antes de tudo, um
dom e uma revelação de Jesus a seus discípulos.
O evangelho de hoje também faz parte do discurso de
Jesus no evangelho de João, o último e mais extenso, depois do lava-pés. É um
discurso que abarca cinco capítulos, e é uma verdadeira catequese à comunidade,
resumindo os mais originais ensinamentos de Jesus.
Estamos vivendo o tempo Pascal e, com a
ressurreição, o amor rompido renasce; com a ressurreição, o amor auto-centrado
nos faz sair de nós mesmos; com a ressurreição, os olhares desconfiados se
tornam acolhedores; com a ressurreição podemos aprender a viver a partir de
Deus; com a ressurreição o amor oblativo é capaz de mover nossa vida.
Só quem assume a Vida de Deus como sua, será capaz
de expandi-la em sua relação com os outros. A manifestação dessa Vida é o amor
efetivo a todos os seres humanos.
O distintivo do cristão é o amor fraterno. E
o amor é discreto, humilde, conhecedor de sua insuficiência, não é arrogante,
não se derrama em palavras, não faz alarde, não vai se proclamando pelas
praças, prefere o silêncio, passa desapercebido, prefere as obras às palavras
(“o amor deve-se por mais em obras que em palavras” – Santo Inácio).
É o Amor nosso distintivo como
seguidores(as) de Jesus? O sinal pelo qual os outros reconhecerão que somos
discípulos(as) seus(suas) é a capacidade de amar-nos uns aos outros. Temos
insistindo demasiado no acidental: no cumprimento de normas, na crença de
algumas verdades e na celebração de alguns ritos. E esvaziamos o essencial que
é o Amor. O Reino não se espalha por meio de armas, nem com a propaganda
e nem com marketing algum; o Reino se espalha pelo contágio, porque o “Amor é
contagioso”.
Porque fracassamos estrepitosamente naquilo que é a essência do
Evangelho? Porque dizemos seguir Aquele que é a visibilização do Amor do Pai e
o nosso estilo de vida destila doses mortais de indiferença, preconceito,
intolerância, julgamento...?
Vivemos tempos de ira e de ódio, expressões de um
fundamentalismo e de um fanatismo que esvaziam toda possibilidade da vivência
do amor oblativo. Estamos nos acostumando a ver o ódio e a vingança como um
espetáculo a mais. As mediações digitais e as manipulações ideológicas não nos
deixam perceber as verdadeiras consequências do ódio sobre as pessoas.
É preciso resgatar a sacralidade do amor; afinal,
ele é o motor de uma vida intensa. O amor ágape se expressa justamente como
impulso para o diferente, abertura a quem pensa, sente e ama de maneira
diferente.
O mandamento do amor continua sendo tão
“novo” que está ainda por ser vivido em sua plenitude. Não se trata só de algo
muito importante; trata-se do essencial. Sem amor, não há vida cristã.
Nietzsche chegou a dizer: “só houve um cristão, e esse morreu na cruz”;
precisamente porque ninguém foi capaz de amar como Ele amou.
Essa é, com certeza, nossa raiz e nossa essência,
nossa mais profunda força que, às vezes nos rompe por dentro, outras vezes nos
faz subir ao céu. Podemos amar e ser amados. Vivemos desejando encontro,
carinho, palavra de compreensão e reconhecimento. Dizemos de Deus, de quem
somos imagem, que é amor. E quando olhamos ao redor e vemos os outros, sonhamos
viver a partir da cordialidade de braços que se estreitam, olhos que se
compreendem ou mãos que se enlaçam.
O amor tem muitos nomes, muitos rostos, muitas
formas e expressões.
Tem inumeráveis histórias. É amizade, fé, paixão,
enamoramento; é fraterno, filial, paterno/materno; é compaixão pelas vidas
feridas ou inspiração por viver intensamente. É encontro, quietude ou tormenta.
É aceitação incondicional e, ao mesmo tempo, fé nas possibilidades do outro.
Amor é saber compartilhar; e também saber pedir ajuda àqueles a quem confiamos.
É desfrutar da presença e encurtar as distâncias. É celebrar juntos a vida e
chorar juntos os golpes. Às vezes é sede, e outras vezes é manancial que sacia
os desejos. É sinal que estamos vivos, e há ocasiões em que a vida é canto, e
outras em que é luto.
Um mandamento novo: “que vos ameis uns aos outros,
como eu vos amei”. O “como eu vos amei” não é só comparativo, mas originante.
Quer dizer: “que deveis amar-vos porque eu os amei, e tanto como eu os amei”.
Jesus é o cume das possibilidades humanas. Amar é a única maneira de ser
plenamente humano. Ele ativou até o limite a capacidade de amar, até amar como
Deus ama.
Jesus não propõe um princípio teórico, e depois
pede que todos o cumpramos. Ele começa por viver o amor e depois diz: “como eu
vos amei”. Quem revela sua adesão a Jesus ficará capacitado para ser filho(a),
para atuar como o Pai, para amar como Deus ama.
O amor que Jesus pede não é uma teoria, nem
uma doutrina; manifesta-se na vida, em todos e em cada um dos aspectos da
existência. A nova comunidade dos(as) seguidores(as) não se caracterizará por
doutrinas, nem ritos, nem normas. O único distintivo deve ser o amor
manifestado em suas ações.
O amor não é um sonho, é o impulso básico
das pessoas criadas livres; livres para doar-se livremente, livres para
participar da infinita abundância de vida com que Deus nos cumula. O amor é a
vida mesma em seu estado de maturidade e plenitude.
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