O tema das últimas postagens do blog Indagações era a Igreja
católica como instituição. Conhecer e entender a organização da Igreja, os
pontos mais discutidos da doutrina cristã, os ritos litúrgicas e as práticas pastorais podem ajudar a quem quer que seja, a ter uma compreensão mais profunda
das questões ligadas à fé e à Igreja.
Também as observações e análises críticas têm um grande valor, pois permitem
abrir o caminho para a conversão e a correção dos erros. A Igreja - penso eu –
não pode e não deve ter medo de
críticas. A sua atitude deve ser a do seu Mestre e Fundador, Jesus Cristo: “Se
falei mal mostra-me em que, mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23). Se
a acusação for injusta – pedir explicações, e se não existirem motivos – questionar a mentira e violência...
Porém, lembrando-se que Jesus é Filho de Deus, e os homens não são seus “substitutos”,
mas apenas servos, testemunhas, as pessoas sujeitas a errar. Muitas vezes as
críticas apontam os fatos que realmente existem, e, neste caso, resta o caminho
de reflexão, de avaliação, de
reconhecimento dos erros e de correção dos mesmos.
Salta aos nossos olhos, por exemplo, principalmente
contemplando a América Latina e Caribe, o fato de coexistirem hoje na Igreja
católica dois modelos de igreja: uma, que tenta se “impor” – é a Igreja oficial, hierárquica, Instituição; e outra, “marginalizada”
pela primeira - uma Igreja do povo de Deus, das CEB’s, dos pobres e
marginalizados... Esse fenômeno começou na década 90 do século XX.
A Igreja hierárquica evita falar oficialmente disso. Muitos dos seus
ministros simplesmente só trabalham no “seu
modelo”, ignorando o outro... Isto está certo? Como entender essa situação?
Para quem tiver o
interesse conhecer um pouco mais sobre a questão apontada acima, trago para o
blog Indagações uma entrevista publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos, em abril
de 2011, sobre os dois modelos da igreja dentro da mesma igreja. Foi
entrevistado Pablo Richard. Muito interessante!
Não deixe de ler.
WCejnóg
Sábado, 30
de abril de 2011
Dois modelos de igreja dentro da mesma igreja.
Entrevista com Pablo Richard
Por ocasião da realização da Jornada
Teológica da América Central e Caribe,(...), dia 29 de abril, na Guatemala,
Pablo Richard, teólogo chileno, radicado na América Central, concedeu uma
entrevista sobre o Impacto do Concílio Vaticano II e a
teologia latino-americana. A entrevista é publicada por Adital,
29-04-2011.
Eis a entrevista.
Já está acontecendo a Jornada Teológica
da América Central e Caribe, você irá falar sobre o impacto do Concílio
Vaticano II e da teologia na América Latina. Poderia fazer uma introdução sobre
o tema?
O momento do Vaticano II e
depois de Medellín (Colômbia) e Puebla
(México), que foi quando lemos o Vaticano II a partir da
América Latina, essa época da teologia da libertação das comunidades de base,
da grande quantidade de gente que participativa, eu digo que isso foi uma época
de graças, foi um bom tempo a que nós chamamos de Kairós
- um tempo de graça - mas a partir dos anos 90, nascem dois modelos de igreja.
Um, onde continua esse tempo bom, digamos assim,
esse Kairós que chamamos a Igreja povo de Deus, mas
surge outro modelo de igreja que rejeitava o Vaticano II.
Surgem novos movimentos como: Opus Dei, Legionários de
Cristo, Arautos do Evangelho e a igreja volta outra
vez aos setores mais dominantes, os setores mais opressores, incluindo a
igreja, essa igreja de cristandade - como eu chamo - perdem os pobres, a
igreja, essa massa oficial perderam aos pobres, hoje em dia as populações
marginais.
Para uma igreja católica, existem 20 igrejas
evangélicas, os sacerdotes saíram das comunidades e foram para as paróquias de
maior poder. Inclusive, agora as pessoas ricas dizem: "finalmente, a
igreja está nos ajudando outra vez, porque havia nos abandonado etc.".
Então, eu faço uma comparação um pouco entre a igreja do povo, que continua o Vaticano
II, Medellín e Puebla, todas essas
reformas, e essa outra igreja "cristandade" que está adormecida
durante esse período de grande auge da teoria da libertação.
Sobre a existência de dois tipos de
igreja, essa divisão é boa ou ruim?
É algo excelente. Não são duas igrejas, são dois
tipos diferentes dentro de uma mesma Igreja. Porque se gera um movimento de
renovação fora da Igreja, não gera nenhum impacto, tem que ser feito dentro da
Igreja.
Mas é bom porque essa tradição do Vaticano
II, de Medellín-Puebla e da teologia
da libertação, essa se mantém na Igreja dos pobres. E essa igreja tem sua
estrutura, está organizada, tem seus princípios não são maliciosos por aí
dispersos. Mas temos esta outra igreja de cristandade, essa igreja mais
hierárquica, etc.
Agora o problema tem sido justamente o poder mais
central da igreja, porque o Vaticano está destruindo o próprio Vaticano
II, a teologia da libertação, as comunidades eclesiais de base têm
sido pouco a pouco deslegitimadas, deixadas de lado... E nisto tem concentrado
toda a sua força; na defesa de um aparato institucional de cristandade, essa
palavra de cristandade surge quando a igreja no século IV uniu-se ao império
romano, então nasce o Império Romano Cristão e nessa época a igreja se fez
imperial e o império se fez cristão, surgiu toda uma estrutura.
Nós dizemos que esta igreja de cristandade toma,
retoma esse modelo de igreja imperial e para mim essa igreja não foi um triunfo
do cristianismo, foi um fracasso do cristianismo. Com Teodósio
chega a ser a religião oficial e isso faz muito mal à igreja. Muitos o percebem
como triunfo, que finalmente o império... Não, para mim o império cristão é o
fracasso para o movimento de Jesus.
Hoje em dia esta igreja do Vaticano II
recupera essa tradição do movimento de Jesus, mas reaparece esse modelo de
cristandade, este modelo imperial. Então, nós dizemos que o Papa se parece mais
com o Imperador Romano do que a São Pedro. O Papa usa todas as insígnias que
usavam os imperadores romanos, incluindo as cores, dos cardeais, por exemplo,
eram cores dos senadores romanos dentro do Império. É uma Igreja que se apóia
mais no poder e no dinheiro para sobreviver.
Mas a igreja dos pobres é uma igreja que os
pobres precisam para viver, tem muita gente que na igreja encontra a
possibilidade de ser sujeito, de ser pessoa, no trabalho que fazemos nesse
nível. Eu, pessoalmente, trabalho com as pessoas nas ruas, tenho isso na minha
paróquia - a rua - com umas cem pessoas mais ou menos, trabalhamos com eles.
Alguns são homossexuais, travestis, doentes da Aids, na violência, vamos
formando pequenos grupos da igreja, nesta igreja - que vamos construindo na rua
- as pessoas encontram a possibilidade de sobreviver. Essa igreja sobrevive
dessa gente que a igreja hierárquica afasta.
Nós não pedimos dinheiro para nada, mas lhes
damos a oportunidade de se reunir, de conversar.
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