“A verdade é
inconvertível, a malícia pode atacá-la, a ignorância pode zombar dela, mas no
fim; lá está ela” (Sir Winston
Churchill).
Nos últimos anos intensificaram-se as críticas e os questionamentos, sobretudo
através da imprensa e mídia, em relação à Igreja católica. A principal “onda” da crítica atinge a
hierarquia da Igreja e o clero. Temos, inclusive, a impressão de que muitos desses “ataques” são
premeditados e desferidos da parte dos inimigos declarados do catolicismo. Isso
ninguém pode negar. O objetivo aqui é claro: combater a Igreja e a doutrina
cristã.
Porém, uma grande parte das críticas da Igreja católica
simplesmente registra opiniões e avaliações feitas por alguém “de fora”, e por
isso são formulações diretas e profundas, não poupam ninguém e nada, mas nem
por isso logo são negativas ou – pior ainda – maliciosas. Na maioria das vezes
desagradam às pessoas da alta hierarquia da Igreja que, obviamente, tentam
negar ou minimizar os fatos apontados. Também muitos dentro da Igreja católica
consideram essas opiniões e análises críticas como “ofensa” e “ataque” contra a Igreja.
Talvez, a maioria dos católicos não saiba bem até que ponto
as críticas que são levantadas em
relação a Igreja católica como Instituição, são justas ou não.
Penso que nós, cristãos
católicos, não precisamos ter medo de críticas. Aliás, precisamos – isto sim -
nos abrir muito mais aos fatos,
buscar a verdade e tirar as necessárias conclusões. As coisas erradas
que existem, e que são – todos sabemos
- resultado de muito “lastro” histórico,
um dia devem ser averiguadas e eliminadas, e não são poucas! A Igreja é Santa e ... pecadora. O erro, a
fraqueza, o equívoco são características do ser humano, por isso podem e
devem ser corrigidos. O homem não
precisa e não pode ter medo de reconhecer o seu erro. Ao contrário, isso é uma
condição principal de conversão autêntica e de mudanças adequadas. Devemos ter
a firme convicção de que o Espírito de Deus, mais cedo ou mais tarde, fará isso na Igreja de Jesus Cristo, a qual
nós todos pertencemos.
Com a intenção de
proporcionar aos leitores, que porventura tenham o interesse de se aprofundar
um pouco mais nos assuntos citados
acima, trago para o blog Indagações uma matéria publicada pelo Instituto
Humanitas Unisinos, em maio de 2012, intitulada “De Pacelli a Ratzinger: a
grande crise da Igreja”. Talvez como “fundo” desta leitura seria bom termos em
nossa mente a seguinte frase de Mahatma Gandhi: “Sempre que você tem a verdade ela precisa ser dada com amor, ou a
mensagem e o mensageiro serão rejeitados”.
Não deixe de ler.
WCejnóg
Notícias
Terça, 29 de maio de 2012
De Pacelli a Ratzinger: a grande crise da Igreja
Humanitas Unisinos:
De Pacelli
a Ratzinger, todos os pontificados foram atravessados
pelo fio dourado do confronto entre a Igreja e a modernidade. Por isso, merecem
uma atenção especial para se entender qual é a essência da crise sistêmica que
ocorre debaixo dos nossos olhos.
Publicamos aqui
o editorial de Eugenio Scalfari, fundador do jornal La
Repubblica, publicada no jornal La Repubblica,
27-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A velha Itália afundou durante
um dia repleto de tempestade e de presságios, no outono de 1958: o Papa
Pio XII morria em meio a uma corte desfeita de cardeais decrépitos, de
alcoviteiros de negócios, de freiras fanáticas, de parasitas. No palácio papal
de Castel Gandolfo, enquanto o temporal enchia as águas do
lago e o vento sul escancarava as persianas e se engolfava entre as tendas e
nos corredores, dignitários leigos e eclesiásticos se preparavam para ir
embora.
Cada um tentava levar embora, até mesmo
fisicamente, o máximo que podia. Mas, acima de tudo, cada um brigava para
conservar algum benefício, um cargo lucrativo, uma fatia, por menor que fosse,
daquele poder que, até aquele momento, há mais de dez anos, havia sido
administrado sem escrúpulos e sem concorrência.
O afã era visível em toda parte, nas salas de
recepção, nas antessalas e até mesmo ao redor do leito do moribundo que, já em
agonia, era impudicamente fotografado pelo seu médico assistente e pela sua
irmã assistente, com o tubo de oxigênio na boca, e os traços do rosto
devastados pelas sombras da morte. Não era o afã da piedade. Era o afã da
ganância e do medo, porque todos sabiam, dentro do palácio, que não morria um
papa, mas acabava um reino.
Na sala privada do papa, circundado pelos
purpurados mais idosos e poderosos, pelos chefes do Santo Ofício,
das Missões, do Tesouro, dos Seminários,
o Camerlengo da Igreja representava o último elo de uma continuidade que estava
prestes a se despedaçar definitivamente. Ele tinha, como sempre, um rosto
absolutamente inexpressivo; não era um homem, mas sim um cargo, uma função, uma
pausa do cerimonial. Mas, em torno desse cargo e do homem que estava dentro
dele, ia se tecendo, precisamente nessas horas e naquele lugar, a trama do
conclave.
Aloisi Masella, o Camerlengo,
foi o primeiro e talvez decisivo mediador, juntamente com Agagianian,
o prefeito do Propaganda Fide, entre o grupo dos cardeais
estrangeiros e os curiais. Começou ali a busca que se concluiria algumas
semanas depois sob as abóbadas da Capela Sistina, com um
resultado que abalaria todos os programas, de um terceiro homem, um papa que
teria que ser, ao mesmo tempo, bastante pastoral para absorver as inquietações
da catolicidade, bastante diplomático para não esquecer as leis do poder,
bastante humilde para restituir ao Colégio e aos Episcopados as prerrogativas
que Pacelli havia confiscado. E bastante velho para não durar
por muito tempo.
Naquela aurora de trovões e de ventos, quando o
médico do papa, Galeazzi Lisi, declarou a sua morte clínica,
dignitários, curiais, camareiros secretos, banqueiros, políticos, fugiram para Roma
em grandes automóveis pretos para preparar o futuro incerto. Um bando
de corvos abandonava as estruturas corroídas de um lugar do qual uma monarquia
absoluta havia governado um país.
Eis o texto.
O
trecho que vocês leram foi retirado de um livro meu intitulado L'autunno della Repubblica,
de 1969, no auge do movimento estudantil. O capítulo aqui citado intitula-se
"O fim de um reino" e relata justamente a morte do Papa Pacelli, Pio XII, que personificou
por longos anos a Igreja triunfante e combatente que continha, porém, desde
então, aquela crise sistêmica da qual fala o católico Alberto Melloni, um dos
historiadores da Igreja mais credenciados nessa matéria.
Os
acontecimentos em andamento marcam o momento culminante dessa crise: a destituição
de Gotti Tedeschi da liderança do IOR, a prisão do mordomo do papa, Paolo
Gabriele, a surda luta em curso entre as diversas facções curiais e
anticuriais, a posição cada vez mais vacilante do secretário de Estado, Tarcisio Bertone.
Por fim, o desespero do Papa Ratzinger,
fechado em seus aposentos e manifestamente incapaz de segurar firme o leme em
um mundo invadido por ganâncias, ambições, complôs e visões conflitantes da
Igreja futura.
Não
vou me ocupar, todavia, das investigações em curso, que o nosso jornal já
abordou amplamente nestes dias e também hoje, com todas as atualizações
noticiosas. Interessa-me, ao invés – e espero que interesse aos nossos leitores
–, dar uma olhada de conjunto sobre os pontificados que se sucederam de Pacelli a Ratzinger. Todos
foram atravessados pelo fio dourado do confronto entre a Igreja e a
modernidade.
Por
isso, esses pontificados merecem uma atenção especial para se entender qual é a
essência dessa crise sistêmica que ocorre debaixo dos nossos olhos.
********
O conclave que elegeu João XXIII ocorreu depois da monarquia
absoluta, mas muito astuta, de Pio
XII, um diplomata por excelência, que governou a Igreja em
tempos duríssimos, com a guerra em curso e, depois, a guerra
que encerrou com a reconstrução da democracia e o governo da Democracia
Cristã de De Gasperi.
Papa Pio XII (Eugenio Pacelli)
Pacelli teve todos os defeitos e todas as qualidades dos grandes pontífices. Dissemos que se destacou nas capacidades diplomáticas, e ele demonstrou isso amplamente, sobretudo no atormentadíssimo período da ocupação nazista de Roma. Mas não lhe faltava pastoralidade e nem grandes capacidades cênicas. Ainda está nos olhos de todos os seus contemporâneos a sua visita ao bairro de San Lorenzo, em Roma, destruído pelo bombardeio norte-americano, onde a sua veste branca ficou manchada de sangue, quando avançou por entre as ruínas para abençoar os mortos e socorrer os feridos ainda estendidos pelas ruas devastadas.
O Partido Conservador também
estava, naquela época, barricado na Cúria. O papa teve o cuidado de não
dispersá-lo. Ao contrário, o reforçou para que se submetesse. Era ele quem
decidia quando era o de fazê-lo emergir ou de fazê-lo calar. Além disso, quem
falava por ele era o padre jesuíta Lombardi, chamado de”o
microfone de Deus”, que combatia os social-comunistas com espada desembainhada.
Uma outra espada estava nas mãos de Gedda e dos comitês
cívicos que renegavam até mesmo a política de De Gasperi, que
nunca foi recebido em audiência privada no Vaticano.
Mas Pacelli também era nepotista
no sentido clássico e familista do termo. Era um príncipe e, como tal, se
comportou e, como todos os príncipes, se entregou também ao populismo: recebia
todos os tipos de categorias da sociedade civil: médicos, advogados,
jornalistas católicos, ciclistas e jogadores de futebol, donas de casa,
policiais e militares, atores e operários, empresários e barbeiros. O populismo
de Berlusconi faz rir em comparação ao de Pio XII,
que agora está em predicado de santidade.
********
O Papa João foi o extremo
oposto, embora com alguns condicionamentos. Ele foi eleito com uma condição:
que restituísse à Cúria a sua independência funcional. Ele se manteve fiel a
esse mandato, mas os curiais não contaram que o papa também era capaz de
proceder novas nomeações quando a morte abrisse espaços vazios na hierarquia.
João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli)
Havia a necessidade de um papa sobretudo pastoral, e o tiveram no sentido mais pleno da palavra. João foi muito mais pastor do que Romano Pontífice. O físico o ajudava, e o discurso também, mas foi sobretudo a sua alma que o ajudou ou, se quiser, o Espírito Santo. Ele amava as crianças, as mães, as famílias, os pobres, os excluídos.
Ele chamou Montini novamente para a Secretaria de Estado e convocou o Concílio Vaticano II, para onde afluíram os bispos de todo o mundo católico. Havia passado um século desde o Vaticano I, que se reuniu a pouca distância de tempo desde o fim do poder temporal dos papas. Ali, foi proclamado o Papa-Rei, infalível quando fala ex cathedra, e foi elevada a dogma a virgindade de Maria.
O Vaticano II, ao contrário,
proclamou a necessidade de que a Igreja se confrontasse com a modernidade. Foi
uma revolução, iniciada, mas obviamente completada. Foi a escolha de um tema
que devia ser levado adiante, começando pela modernização da Igreja, pelo abalo
da liturgia, a missa recitada nas línguas correntes e não mais em latim, com o
sacerdote voltado para os fiéis e não mais de costas, a abertura do debate
sobre o papel dos leigos e das mulheres. Por fim, o desinteresse do Vaticano
com relação à política italiana e, portanto, a autonomia dos católicos
comprometidos.
Mas em um ponto os curiais estavam certos: no seu
quarto ano de pontificado, o papa adoeceu e, no quinto ano, morreu.
Ainda me lembro do funeral: uma multidão imensa
que, da praça, chegava ao Tibre e além, todas as ruas
apinhadas, desde a Piazza Cavour e a Villa Pamphili, todo o Borgo Pio. Não se
via um papa como ele há muito tempo e não se viu desde então.
*******
Depois, veio Montini. Dizer que ele teve qualidades pastorais seria pouco. Diplomático, certamente. Nenhuma sombra de populismo. Foi um político, talvez até demais. Mas não conservador.
Papa Paulo VI (Giovanni
Battista Enrico Antonio Maria Montini)
Ele não levou adiante o confronto com a
modernidade, mas impediu que houvesse novos retrocessos. Foi um pontificado com
fases dramáticas naqueles anos de chumbo que culminaram com o assassinato de Aldo
Moro, do qual que ele oficiou a missa fúnebre em Latrão.
Foi um papa de interregno.
Papa João Paulo I (Albino Luciani)
Talvez, o Papa Luciani tinha
alguma semelhança distante com o Papa João
XXIII, mas morreu
depois de apenas um mês.
******
Depois dele, subiu à cátedra um cavalo de raça,
um grande, grandíssimo ator. Não sei se a Igreja precisava de um ator, mas ele
o foi da cabeça aos pés, no momento da eleição, no momento do atentado, no
momento da revolução na Polônia, no momento da queda do Muro, nas suas viagens
contínuas ao redor do globo, no Jubileu do ano 2000 e na longa fase da doença e
depois da morte.
Quando o Camerlengo pronunciou o seu nome depois
da fumaça branca da chaminé da Capela Sistina, toda a praça
pensou que haviam eleito um papa africano. Só quando ele se assomou,
entendeu-se que era um branco, mas não italiano. "Se eu me equivocar,
corrijam-me": recebeu uma ovação de estádio e assim começou.
Até o Solidarnosc e depois da
queda do Muro de Berlim, Wojtyla foi o papa
da liberdade religiosa contra o totalitarismo comunista. No Ocidente,
ele teve o apoio dos conservadores, dos liberais, dos democratas. Derrubado o
comunismo, ele acentuou a sua crítica contra o capitalismo, mas, ao mesmo
tempo, reprimiu a "nova teologia" e a experiência dos padres
operários.
Papa João Paulo II (Karol Wojtyla)
A indiferença com relação ao assasinato do bispo Romero enquanto rezava a missa em El Salvador foi uma das páginas desagradáveis do seu pontificado, compensada, contudo, pela sua peregrinação ininterrupta a todos os cantos do mundo onde lhe foi possível chegar.
Ele tentou iniciar a reunificação das Igrejas
cristãs, mas sem dar passos significativos. Ele reconheceu a culpa histórica da
Igreja, começando pela acusação de deicídio contra os judeus e pela condenação
de Galileu e de Giordano Bruno.
A agonia foi muito longa e cenicamente grandiosa.
Certamente não por cálculo, mas por autêntica vocação. "Santo subito"
foi a invocação da multidão imensa que, também para ele, ocupou meia cidade.
Um balanço? Os problemas da Igreja na sua morte
eram os mesmos: poder da hierarquia, marginalização do povo de Deus, crise das
vocações, crise da fé em todo o Ocidente, nenhuma modernização dentro da
Igreja. Mas uma modificação, sim, havia sido verificada nesse meio tempo: a
mensagem do Vaticano II não só não dera passos à frente, mas
havia dado passos para trás. Não por acaso, no Conclave, os martinianos foram
marginalizados desde a primeira votação, e, a partir da segunda, emergiu Ratzinger,
enquanto Ruini estava pronto para intervir se Ratzinger
fosse derrotado.
******
Bento XVI não é um grande papa, embora o talento e a doutrina não lhe faltem. Não é um ator, ao invés, é o seu contrário. Wojtyla tinha um guarda-roupa grandioso, porque tudo era grandioso nele. O guarda-roupa de Ratzinger, ao contrário, é lânguido, porque o próprio papa é lânguido, como se veste, como fala, como caminha.
Escreve bem, isso sim. Os seus livros sobre Cristo são bons
de ler, as suas encíclicas possuem aberturas, assim como alguns de seus
discursos. A sua reavaliação de Lutero causou surpresa e alguma esperança de
progresso em direção à modernidade, contrariadas, no entanto, pelas suas
escolhas operativas, da confirmação de Sodano na Secretaria e,
depois, à substituição por Bertone: do medíocre ao pior.
Bertone: um Ruini sem a inteligência e a flexibilidade do
ex-vigário e ex-presidente da CEI [Conferência dos Bispos da
Itália]. A hierarquia se tornou novamente todo-poderosa, mas dividida em muitos
pedaços. O ecumenismo já é uma flor murcha antes do tempo.
******
Bento XVI re-exumou plenamente a
tomística de Tomás de Aquino com tantas saudações a Orígenes,
Anselmo de Aosta e Bernardo. Agostinho
parecia ser um dos inspiradores de Ratzinger, mas
qual Agostinho? O maniqueísta, o coadjutor de Ambrósio ou o
autor das Confissões? Agostinho foi muitas coisas ao
mesmo tempo, chegando até Calvino, a Jansen e
a Pascal. Se quisesse dizer algo verdadeiramente atual, o Papa
Ratzinger deveria dar início à beatificação de Pascal, mas me dou conta de que,
no mundo dos Bertone, da Cúria Romana e das atuais
Congregações, isso sim seria um gesto radical rumo à modernidade. Nunca o
farão.
O pontificado lânguido seguirá adiante enquanto
puder, depois não haverá o dilúvio, mas sim uma chuva de pântano cheio de rãs,
mosquitos e alguns patos selvagens. O que há de pior para todos.
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