Semana Santa. As Igrejas cristãs no
mundo inteiro celebram a sua fé no Cristo Ressuscitado. Nestes dias
relembra-se, medita e celebra os últimos acontecimentos que antecederam a morte de Jesus: a Última
Ceia, a Paixão e a morte na cruz. As procissões com Cristo morto comovem
multidões de fiéis, e o sepulcro aguarda o milagre.. A Ressurreição de Jesus, no terceiro dia,
é só Aleluia, festa, alegria e muita
fé!!! É assim todos os anos.
Mas,
será que entendemos bem o sentido da Páscoa cristã? Talvez as nossas
celebrações tenham pouco ou até nada a ver com a verdadeira Páscoa, cujo
sentido emana da Bíblia... Será que a nossa Páscoa não torna-se cada vez mais
consumista e “falsa”, mesmo com fortes referencias ao religioso e à fé? Não
estamos engando-nos a nós mesmos, ou, pelo menos, equivocados...? Estas não são perguntas formais e pouco
significantes.
Sobre
este assunto trata de forma excelente, na minha
opinião, o artigo do
José Lisboa Moreira de Oliveira¹, que o autor acaba de publicar no seu blog. “Se não seguirmos a trilha da Páscoa bíblica teremos
apenas a páscoa consumista, mesmo que ela seja celebrada em templos religiosos
e regada de muito incenso, de muitos gritos de aleluias e de glórias.” – lemos.
No outro lugar, o autor escreve: “Celebrar
a Páscoa
cristã é trilhar o caminho perigoso de Jesus,
tornar-se subversivo com ele e como ele, aceitando pagar o preço da
perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para ficar do lado dos pobres e
dos excluídos.”
Considero o artigo muito bom e concordo plenamente com todo
o seu conteúdo, porque, na verdade, comungo da mesma visão. Por este motivo e com a intenção de ajudar na divulgação desse artigo, trago-o para o blog
Indagações.
Não
deixe de ler!
WCejnog
Terça-feira, 26 de março de 2013
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Eis o artigo.
A
Páscoa é uma festa típica do hemisfério norte do nosso planeta. Suas origens
remontam a antigas culturas agrárias e pastoris que celebravam a chegada da
primavera, a estação das flores. Com a chegada da primavera no hemisfério norte
o ambiente muda: o frio aos poucos vai diminuindo, os dias se tornam mais
longos, o calor aumenta, a terra começa a brotar, produzindo flores e
alimentos.
Neste
contexto o movimento de povos nômades, que deu origem ao Israel bíblico,
associou a festa da
Páscoa a uma experiência de libertação. Tribos atravessaram o rio Jordão e se
instalaram na região de Canaã, a “terra prometida” a Abraão (Ex 13,3-10).
A chegada até a tão sonhada terra onde “corria leite e mel” (Ex 3,8) foi
precedida de muitas lutas contra poderes opressores, representados pelo Egito,
que pretendiam escravizar esses povos. Nesta luta as pessoas fizeram a
experiência profunda de um Deus
libertador que ouviu seus clamores, desceu, se compadeceu,
tomou conhecimento de seus sofrimentos, tomou partido e decidiu tirá-los da
opressão, dando as estes “sem-terra” um terreno fértil e espaçoso (Ex 3,7-10).
Assim a festa da chegada da primavera se tornou para estas tribos o memorial da
intervenção divina, que deveria ser celebrado “como um rito permanente, de
geração em geração” (Ex 12,14).
De
acordo com o cristianismo, há cerca de dois mil anos atrás a Páscoa foi
enriquecida e plenificada. Jesus,
o Filho de Deus Pai, é enviado ao mundo para trazer a boa notícia de que a
libertação dos pobres e oprimidos finalmente ia se tornar uma realidade
definitiva (Lc 4,18-19). Porém, esta sua ousadia de anunciar uma boa notícia
para os pobres e oprimidos, de anunciar a chegada definitiva do reinado de Deus, não foi bem
acolhida pelo poder religioso e político. Por esta razão Jesus foi acusado de
ser subversivo (Lc 23,2), perseguido, torturado, assassinado e colocado num
túmulo. Mas, para surpresa geral de todos, inclusive dos membros do seu grupo
de discípulos e de discípulas, o profeta Jesus
não permaneceu na tumba: ressuscitou e venceu a morte. Seus
seguidores, aos poucos, foram se convertendo e se convencendo de que ele
continuava vivo no meio deles. Passaram a senti-lo bem presente e atuante na
pequena comunidade. Tal experiência deu-lhes força para perder todo e qualquer
medo e retomar a missão do Mestre, continuando a anunciar a Boa Notícia da
libertação “até os extremos da terra” (At 1,8). Aos poucos esta experiência
fantástica foi sendo associada à celebração da Páscoa, de modo que, já no tempo das
comunidades cristãs do Novo Testamento, a Páscoa passou a ser o memorial da
paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Esta
rápida memória histórica da Páscoa
nos permite perceber que por trás deste grande evento estão alguns elementos
significativos. Em primeiro lugar a primavera, com a chegada das flores, da
luz, do calor e com o preanúncio de uma possível boa colheita. Em segundo
lugar, a experiência da libertação realizada por Javé e vivida pelas tribos que se
uniram para caminhar na direção de uma terra prometida. Nesta experiência é
significativa a decisão de um Deus de ficar do lado de escravos e de sem-terra,
coisa impensável no contexto de então, uma vez que naquela época os deuses
sempre estavam do lado dos grandes e poderosos. Por fim, na plenificação da Páscoa, Jesus se apresenta
como o libertador definitivo que anuncia o projeto de Deus, voltado de
modo particular para os pobres, os oprimidos, os excluídos e os rejeitados pela
sociedade. Por esse motivo é assassinado, mas, pelo poder de Deus Pai, rompe os
laços da morte e permanece vivo, animando seus discípulos e discípulas e
convidando-os a continuarem a sua missão (Mt 28,16-20).
A
Carta aos Colossenses afirma que a pessoa cristã já vive como ressuscitada e,
como tal, é convidada a comprometer-se com ações que expressem o essencial
dessa condição que é a prática do amor ao próximo (Cl 3,1-17). Isso nos
autoriza a dizer que a celebração da páscoa cristã, enquanto memorial da
paixão, morte e ressurreição de Jesus,
precisa ser traduzida em atos e gestos concretos de amor ao próximo, distintivo
único e fundamental da identidade do discípulo e da discípula de Jesus (Jo
13,15).
Assim
sendo, a celebração da Páscoa
deve ser uma verdadeira primavera que expulse todo e qualquer mofo e frieza da
Igreja e a faça pulsar de vitalidade e de acolhida da vida. Não cabe celebrar a
Páscoa
num contexto de rigidez e de falta de misericórdia, num ambiente em que as leis
e as normas estão acima da vida das pessoas (Mc 3,1-5). Não haverá Páscoa de Jesus numa Igreja
que condena e discrimina certos filhos e certas filhas de Deus; que reserva os
bancos de seus templos para aqueles que se autoproclamam perfeitos e
merecedores do céu. Além disso, a Páscoa
deve ser a festa da libertação dos pobres e dos oprimidos. E
não se trata apenas de uma falsa libertação “espiritual”, cuja recompensa é uma
vida futura, programada para depois da morte. Trata-se, como nos mostra a
experiência do Êxodo, de uma libertação a ser realizada aqui nesta terra. Uma
libertação que inclui terra, casa, comida, emprego, saúde, escola etc. E para
celebrar esta Páscoa
os cristãos e as cristãs precisam, como Javé,
ver a opressão, descer até o submundo dos pobres, sentir o cheiro da pobreza,
tocar com os pés e as mãos os sofrimentos dos injustiçados e excluídos e
permanecer comprometidos com as suas lutas por dias melhores (Ex 3,7-10).
Celebrar
a Páscoa
cristã é trilhar o caminho perigoso de Jesus,
tornar-se subversivo com ele e como ele, aceitando pagar o preço da
perseguição, da calúnia e até mesmo da morte para ficar do lado dos pobres e
dos excluídos. Para celebrar a Páscoa
verdadeira de Jesus
não é suficiente ficar repetindo a doutrina abstrata do Catecismo da Igreja
Católica. É preciso que o ensinamento dessa doutrina crie “a revolta entre o
povo” (Lc 23,5), ou seja, incomode tanto o poder religioso como o poder civil,
devolvendo às pessoas a consciência crítica para enxergar as coisas como elas
realmente são. Não pode ser cristã uma Páscoa
celebrada por quem se omitiu e fechou os olhos diante de ditaduras, de
torturadores, de injustiçados, com medo de sofrer e de morrer como Jesus morreu. Não
celebra a Páscoa
cristã quem se tornou insensível aos sofrimentos humanos e nada fez para
denunciar a exploração dos mais pobres pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg
5,1-6).
Para
os cristãos e as cristãs a
Páscoa é a festa da vida, a celebração da vitória de Jesus sobre o
sofrimento e a morte. Por isso é a festa por excelência da alegria e da
esperança. Mas toda alegria, toda festa, toda aleluia, toda exultação é
mentirosa e falsa se primeiro não for purificação do mofo eclesiástico,
compromisso com a libertação dos pobres, subversão da ordem estabelecida,
tomada de partido em favor dos pequenos e simples. Neste momento em que ainda
pairam muitas nuvens carregadas sobre a Igreja Católica, em que faltam
respostas para tantas perguntas inquietantes, torna-se urgentíssimo celebrar a Páscoa nos moldes
verdadeiramente cristãos. Se não seguirmos a trilha da Páscoa bíblica
teremos apenas a páscoa consumista, mesmo que ela seja celebrada em templos
religiosos e regada de muito incenso, de muitos gritos de aleluias e de
glórias. “Já que vocês aceitaram Jesus
Cristo como Senhor,
vivam como cristãos”, ou seja, “vistam-se com o amor, que é o laço da
perfeição” (Cl 2,6; 3,14).
____________________________
¹
José Lisboa Moreira de Oliveira é filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário.
Licenciado
em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília, graduado em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma, Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade
Teológica da Itália Meridional (Nápoles – Itália), Doutor em Teologia pela
Universidade Gregoriana de Roma. Autor
de 13 livros e dezenas de artigos sobre o tema da vocação e da animação
vocacional.
Foi assessor do Setor
Vocações e Ministérios da CNBB (1999-2003) e Presidente do Instituto de
Pastoral Vocacional (2002-2006). Atualmente é gestor do Centro de Reflexão
sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de
Brasília, onde também é professor de Antropologia da Religião e Ética.
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