Muito
interessante a entrevista com o nosso
estimado colega Leonardo Boff. A matéria
foi publicada ontem (18/03/2013) no site
do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Por
considerar muito boas e oportunas as suas colocações em relação à expectativa de novos
tempos para a Igreja Católica, e de modo especial para a Igreja na América
Latina com o começo do pontificado do Papa Francisco - aliás, seria muito bom que todos os
católicos pudessem ler isso! -, e
na esperança de poder, pelo menos um
pouco, contribuir na divulgação das
mesmas, trago essa entrevista para o blog Indagações.
Não
deixe de ler!
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Notícias
Segunda, 18 de março de 2013
''Será a primavera depois de um duro inverno''. Entrevista com Leonardo Boff
Ele se encontrou
pessoalmente com o cardeal Jorge Mario Bergoglio apenas uma vez nos anos 1970,
durante um retiro espiritual. Mas o brasileiro
Leonardo Boff, um dos fundadores da Teologia da Libertação, coloca muitas
esperanças no novo papa. Ele vê nele o vento da "primavera", que
desfaz o "frio inverno da Igreja". E a arrasta ao terceiro milênio.
"Ele sempre esteve do lado dos pobres e dos oprimidos, como nós, teólogos
da libertação". E isso lhe basta. Não se importa com a marca e não
acredita na cumplicidade com a ditadura militar.
A reportagem é de Eleonora Martini, publicada no jornal Il Manifesto, 15-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Que
homem é Jorge Maria Bergoglio e que papa será Francisco?
Para mim, o importante agora não é o homem, mas sim a figura de um papa que escolheu se chamar Francisco, que não é apenas um nome, mas sim um projeto de Igreja. Uma Igreja pobre, popular, que chama todos os seres da natureza com as doces palavras de "irmão" e "irmã". Uma Igreja do Evangelho, distante do poder e próxima das pessoas.
Em sua
opinião, o cardeal Bergoglio tem as cartas certas para trazer essa renovação à
Igreja?
Francisco
recebeu em São Damião esta mensagem: reconstruir a
Igreja que está em ruínas. Hoje, estamos em um rigoroso inverno, e o próprio
castelo que os dois últimos papas criaram está em ruínas. E agora um novo papa
vem de fora dos muros de Roma, quase dos confins do mundo, como ele mesmo
disse, externo àqueles círculos de poder. E eu acredito que, acima de tudo, ele
trabalhará internamente à Cúria para resgatar a credibilidade da Igreja,
manchada pelos imbróglios, pelos escândalos dos pedófilos e do banco
vaticano... E depois fará uma abertura ao mundo moderno, porque tanto Bento
XVI quanto João Paulo II interromperam o diálogo com
a modernidade.
É um erro
renunciar a entender e a dialogar com a cultura moderna. Difamá-la e
considerá-la como puro relativismo e secularismo, não reconhecer os seus
valores, é uma blasfêmia contra o Espírito Santo. As pessoas buscam uma verdade
mais rica e mais ampla do que aquela da qual a Igreja acredita ser a portadora
exclusiva. Ao contrário, a sua postura é de poder. Enquanto o sentido
evangélico do papado é unir os fiéis cristãos na fé, no curso da história, ao
invés, criou-se uma monarquia absolutista que pensa nas coisas em uma
perspectiva jurídica. Esse papa logo disse que quer presidir a Igreja na caridade.
Esse é o sentido da mais antiga tradição da função de Pedro. Penso que esse
papa é o novo rosto da Igreja, humilde e aberta, que pode trazer a experiência
do "Grande Sul", onde vivem 70% dos católicos.
A
experiência latino-americana, em particular?
A nossa Igreja
não é mais o espelho da Igreja europeia. É uma Igreja fonte, que desenvolveu um
rosto e uma teologia próprias, uma pastoral com raízes nas culturas locais. Francisco
trará essa vitalidade à Igreja universal, para acabar com o inverno
rigoroso e entrar em uma perspectiva de primavera. Bergoglio oferece
essa esperança, e a promessa de que o papado possa ser vivido de forma
diferente.
Nos anos
1970, o jesuíta Bergoglio, segundo alguns observadores argentinos, teve uma
atitude controversa com relação à ditadura militar. É ainda mais compartilhada
a opinião segundo a qual ele é avesso à Teologia da Libertação. Qual é a sua
opinião?
Recentemente, Pérez Esquivel desmentiu que Bergoglio
fosse cúmplice da ditadura argentina, explicando que, ao invés, ele
salvou muitos perseguidos pelo regime militar. O que é certo é que ele sempre
tomou a posição dos pobres e dos oprimidos, também no seu estilo de vida: é uma
pessoa simples que viaja de ônibus, que vive em um pequeno apartamento, cozinha
sozinho... Vem do povo, e se vê isso também na sua ação pastoral. No YouTube,
há um vídeo muito bonito de Bergoglio que fala da dívida que
todos temos para com os pobres, porque a desigualdade é fruto de uma sociedade
antiética e anti-humana. E a marca registrada da Teologia da Libertação é a
opção pelos pobres e contra a pobreza.
Mas
mesmo assim ele é filósofo, teólogo, reitor universitário. Segundo alguns
especialistas, pode-se dizer que ele é muito distante ao menos daquela teologia
da libertação de marca marxista.
Essa é a versão
das ditaduras militares que sempre caluniaram a Teologia da Libertação. Que,
depois, foi aceita por Ratzinger como uma forma de teologia
[por exemplo, nomeando em 2012, como prefeito da Congregação para os
Religiosos, o arcebispo brasileiro João Braz de Aviv, e, como chefe da
Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, ambos muito abertos à
Teologia da Libertação, n.d.r.]. Mas
nunca tomamos Marx como padrinho da Teologia da Libertação. Eu
mesmo não sou marxista. E nunca existiu uma Teologia da Libertação marxista. O
movimento da Teologia da Libertação, além disso, nunca foi forte na Argentina,
onde, ao invés, desenvolveu-se uma teologia própria, encarnada na cultura
popular local. Não se pode dizer que Bergoglio fosse contra
esse tipo de teologia.
Como
teólogo, porém, Bergoglio nunca reconheceu o valor do movimento da Teologia da
Libertação, não é mesmo?
Ele é jesuíta e,
como tal, possui uma ótima formação intelectual. Depois, estudou na Alemanha,
como eu. Por isso, é também muito aberto intelectualmente. Mas eu não me
importo com o título "Teologia da Libertação". Ao contrário, me importa qual atitude se opta
por ter diante dos pobres e dos oprimidos do mundo. Bergoglio está
do nosso lado. A nossa Igreja latino-americana tem muitos mártires: Oscar
Romero, Enrique Angelelli, muitos colegas meus que foram sequestrados e
assassinados durante a ditadura. Eles não tinham uma ideologia na cabeça, mas
sim um certo tipo de atitude com as favelas, com os bairros, com os pobres. E
isso é importante. Que nome damos a tudo isso, não importa.
Francisco
de Assis enfrentou o advento da economia monetária na época em que, na Itália,
nasciam as primeiras comunas, prospectando uma visão de mundo diferente. O
senhor acredita que, do mesmo modo, o desafio do Papa Francisco também é o de
repensar, na fase atual, a relação da Igreja com o sistema capitalista?
Eu acho que, como dizia o historiador inglês Arnold Toynbee, no tempo de São Francisco, depois do caos do Império Romano que introduziu a moeda – estamos nos albores do sistema capitalista –, simultaneamente, apareceu a oposição. Francisco era uma pessoa antissistema. Justamente Ratzinger, em um artigo famoso, disse que São Francisco – que viveu no tempo do Papa Inocêncio III, que foi o imperador talvez mais rico de toda a história cristã – era o contraponto. Ele vivia uma resistência profética, sem fazer nenhuma crítica oral, mas percorrendo um caminho evangélico alternativo. Esse é o ensinamento de São Francisco, no plano do viver, o viver sem títulos sobre a terra e não em posições de poder. Francisco não era padre, era um leigo. E nós esquecemos isso. Com a figura de Francisco, esse papa assume todo um conjunto de valores: valoriza os leigos e os movimentos populares. Algo muito importante, porque o tema central do mundo agora não é a Igreja, mas sim o futuro da vida, o peso do ser humano. Ora, para mim, a pergunta é o que a Igreja Católica faz para ajudar a humanidade a sair dessa crise, que pode ser determinante. Francisco pode ser o papa do fim do mundo, porque construímos uma máquina de morte que pode destruir tudo. Para mim, a mensagem de São Francisco é a única que pode nos arrastar para o terceiro milênio: ou a tomamos, ou vamos rumo ao fim.
Eu acho que, como dizia o historiador inglês Arnold Toynbee, no tempo de São Francisco, depois do caos do Império Romano que introduziu a moeda – estamos nos albores do sistema capitalista –, simultaneamente, apareceu a oposição. Francisco era uma pessoa antissistema. Justamente Ratzinger, em um artigo famoso, disse que São Francisco – que viveu no tempo do Papa Inocêncio III, que foi o imperador talvez mais rico de toda a história cristã – era o contraponto. Ele vivia uma resistência profética, sem fazer nenhuma crítica oral, mas percorrendo um caminho evangélico alternativo. Esse é o ensinamento de São Francisco, no plano do viver, o viver sem títulos sobre a terra e não em posições de poder. Francisco não era padre, era um leigo. E nós esquecemos isso. Com a figura de Francisco, esse papa assume todo um conjunto de valores: valoriza os leigos e os movimentos populares. Algo muito importante, porque o tema central do mundo agora não é a Igreja, mas sim o futuro da vida, o peso do ser humano. Ora, para mim, a pergunta é o que a Igreja Católica faz para ajudar a humanidade a sair dessa crise, que pode ser determinante. Francisco pode ser o papa do fim do mundo, porque construímos uma máquina de morte que pode destruir tudo. Para mim, a mensagem de São Francisco é a única que pode nos arrastar para o terceiro milênio: ou a tomamos, ou vamos rumo ao fim.
Mas o
poder temporal da Igreja, o sistema do Estado vaticano podem se libertar da
sujeição ao capitalismo?
Eu acho que é inútil pensar em uma reforma do sistema capitalista, que já deu tudo o que podia dar e chegou ao fim. É preciso ir rumo a outro paradigma, para um “bien vivir”, como dizem os índios latino-americanos. É preciso superar a dimensão temporal, política, do Vaticano, uma monarquia absolutista do passado. É preciso renunciar às nunciaturas, utilizar os bancos éticos, descentralizar a Igreja. Por que o dicastério das missões não pode ficar na Ásia? Por que o dos direitos humanos e da justiça não pode vir para a América Latina? E por que o do diálogo intereclesiástico não vai para Genebra, juntamente com o Conselho Mundial de Igrejas? Essa descentralização já foi pensada no Concílio Vaticano II. Os últimos dois papas esvaziaram essa instância de funcionalidade da Igreja e foram rumo à centralização do governo. Na base social desse tipo de Igreja, há grupos fundamentalistas como o Opus Dei, Comunhão e Libertação, os Cruzados do Evangelho.
Portanto, o fato de ter preferido Bergoglio com relação ao cardeal brasileiro Odilo Scherer, membro da Comissão Cardinalícia de Vigilância do IOR, é um sinal muito importante?
Graças a Deus, Scherer – que era o candidato da Cúria Romana, um conservador com uma autoridade muito forte – não é o novo papa.
No entanto, o cardeal Bergoglio ficou marcado na Argentina pela sua campanha contra as uniões homossexuais.
Até agora, ninguém na Igreja podia se afastar dessa visão de mundo. Ele, no entanto, há alguns meses, permitiu que um casal homossexual adotasse uma criança. Isso significa que não é uma pessoa inflexível. Agora, pode abrir uma discussão ampla sobre o celibato, sobre a sexualidade, sobre a reintrodução dos padres casados. Porque a Igreja tem uma crise institucional tremenda, não pode ser uma ilha sozinha no meio do mar.
Qual é o
bem comum da Igreja Católica?
É a tradição de Jesus, o amor incondicional. Unir os dois polos: o Pai nosso com o nosso pão. Isto é, abrir-se à transcendência e preocupar-se com quem têm fome e necessidade. Só assim pode-se dizer amém.
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