Atualmente
com maior frequência fala-se sobre a Teologia da Libertação. Sobretudo nos
últimos meses. A escolha do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, um conhecido e
amigo do Gustavo Gutierrez, para o cargo do prefeito da Congregação para a Doutrina
da Fé na Igreja Católica virou assunto
para muitas reportagens e artigos. A Teologia da Libertação agora voltaria a
ser apoiada pelo Vaticano? O papa Francisco sonha com uma Igreja comprometida
com os pobres, como Jesus... Será que a Igreja assumirá esse caminho que a
Teologia da Libertação desde o começo da sua reflexão colocava em
evidência?
Ao
que parece, muita gente ficou muito contente com as mudanças que estão
ocorrendo na Igreja Católica. Porém, também tem gente que, ao contrário, não ficou satisfeita com isso.
Notei que até mesmo em relação à posição do Gerhard Müller frente a Teologia da
Libertação surgiram opiniões diversas, e algumas até mesmo opostas. Mas, então, qual é a verdade? O que realmente
Gerhard Müller pensa sobre a Teologia da Libertação?
Acho
que para responder essa pergunta, nada melhor seria do que deixar falar o
próprio Gerard Muller sobre este assunto. E ele faz isso num artigo publicado no jornal L'Osservatore
Romano (04-09-2013), e também no site do Instituto Humanitas Unisinos
(IHU), a sua tradução. Para contribuir um pouco na divulgação dessa matéria,
trago-a também para o blog Indagações. Muito interessante! Quem quiser conhecer
o que realmente diz o próprio Gerhard Müller aqui tem uma excelente
oportunidade para isso.
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IHU Notícias
Quinta, 05 de
setembro de 2013
Praticar a
verdade, e não apenas dizê-la. Artigo de Gerhard Ludwig Müller
A
Teologia da Libertação leva o nosso olhar para Cristo, que, como nosso salvador
e redentor, é a meta para a qual tendemos incansavelmente.
A
opinião é do arcebispo alemão Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação
para Doutrina da Fé, presidente da Pontifícia
Comissão Ecclesia Dei, presidente da Pontifícia
Comissão Bíblica e presidente da Comissão
Teológica Internacional. O artigo foi publicado no jornal L'Osservatore
Romano, 04-09-2013. A tradução é de Moisés
Sbardelotto.
Gerhard Ludwig Müller
Eis o texto.
As
contribuições de Gustavo Gutiérrez evidenciaram a nós, que estamos aqui na Europa,
uma coisa, esta: a injustiça no mundo é um fator que permanece e que só pode
ser superado com a disponibilidade de todas as pessoas a voltar o olhar para Cristo.
As
questões decisivas do ser quanto acerca da sua origem, o seu destino e o seu
estilo de vida encontram cumprimento e solução na disponibilidade de reconhecer
Jesus Cristo como Senhor e como aquele que dá
cumprimento ao humano. Justamente aí deve-se descobrir um novo impulso para a
teologia na Europa.
O
voltar-se a Jesus Cristo, o salvador e o libertador da humanidade,
tornou-se o imprescindível topos de toda teologia. Mas compreendemos
adequadamente as condições de vida nos países da América
do Sul? Sabemos sobre a opressiva pobreza que diariamente cobra
a vida de milhares de crianças, idosos e doentes só porque lhes falta o mínimo
indispensável para viver? Conhecemos a angústia que aferra as pessoas presas na
sua doença, muitas vezes forçadas a aceitar a morte como vislumbre de esperança,
como saída, e isso quando, ao invés, na Europa, uma pequena operação realizada
com um equipamento médico básico lhe salvaria a vida?
Às
dificuldades existenciais e aos perigos, acrescenta-se, como forma consciente
de humilhante opressão, a educação insuficiente. E também o fato de não
reconhecê-la como grave causa de pobreza, portanto, como problema a ser
resolvido, pode ser considerado como um aspecto dessa opressão. A educação
escolar como dado já adquirido em muitas partes do mundo tem gerado um sentimento
de superioridade com relação aos países do chamado Terceiro
Mundo. E, no entanto, não devem ser encontradas justamente aí
as raízes da exploração, tanto intelectual, quanto material?
E
assim ficamos surpresos quando, encontrando as pessoas na América
do Sul, vemos e percebemos uma fé cheia de alegria e de vida. A
fé testemunhada abertamente e transmitida com amor é um dos maiores tesouros
dessas populações, embora agravadas por preocupações cotidianas pela sua
própria vida.
Em
muitos encontros, essa fé alegre e vivida me deu força e também se tornou para
mim uma fonte de inspiração. Olhar para aquilo que é verdadeiramente essencial
na vida. Confiar-se em Deus, o criador e verdadeiro cumprimento do humano. O
sofrimento de cada dia é a realidade que, no Pai Nosso,
faz com que, todos os dias, as pessoas da América do Sul
peçam o pão de cada dia. O que faz mover os lábios não é a opulência
consumista, mas sim a fome terrível.
Na
situação econômica e politicamente crítica dos países latino-americanos, o povo
vê na Igreja a única esperança, o lugar onde podem se proteger e que pode dar
uma certa segurança existencial. A biografia da Igreja e a do povo ali
coincidem. Diante da naturalidade com que se professa e se pratica a própria
fé, diante da confiança posta na Igreja e na teologia, muitas vezes – para
alguns representantes da teologia alemã e do establishment eclesiástico –, os
problemas indicados se tornam temas irrelevantes.
Um
agradecimento particular vai ao meu amigo Gustavo Gutiérrez.
Nas últimas décadas, ele ilustrou aqueles pilares da chamada teologia da
libertação que fazem dela uma doutrina coerente e, em várias ocasiões, ele
ofereceu uma visão de conjunto. No entanto, o debate muitas vezes acalorado
sobre a teologia da libertação não representa hoje um capítulo fechado da
história da teologia.
Justamente
Gustavo Gutiérrez indica ao nosso olhar totalmente
concentrado na perspectiva europeia o que significa Igreja universal. Com a
teologia da libertação, a Igreja Católica pôde aumentar ainda mais o pluralismo
em seu interior. A teologia da América Latina revela e propõe hoje
novos aspectos da teologia que integram uma perspectiva europeia, muitas vezes
incrustada. O tema eclesiológico da communio – a comunidade universal da
Igreja, que está acima das categorias étnicas e nacionais – também representa a
tentativa de levar a comunidade mundial dos fiéis que abraça todo o mundo a uma
solidariedade responsável.
"Tudo
o que vocês fizeram a um dos menores dos meus irmãos, foi a mim que o
fizeram" (Mateus 25, 40). Como cristãos, não devemos nos isentar dessa
responsabilidade. Não podemos permanecer cegos diante das necessidades e da
pobreza que os nossos irmãos e irmãs na fé em Jesus Cristo são obrigados a
suportar.
A
responsabilidade que os cristãos têm em nível mundial foi expressa pelo Concílio
Vaticano II na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Atual com
estas palavras: "As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias
dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são
também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos
de Cristo" (Gaudium et Spes, 1).
O
Concílio sente a responsabilidade com relação a uma única família humana que
vai se formando cada vez mais. A catolicidade à qual se alude aqui, no seu
significado original de universal, de onicompreensivo, também encontra
expressão na Constituição Dogmática sobre a Igreja,
lá onde se fala das "condições do nosso tempo", que "tornam
ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos,
hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais,
técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo" (Lumen
gentium, 1).
A
única Igreja de Jesus Cristo supera as barreiras, ultrapassa os muros
nacionais, étnicos e políticos e leva as pessoas à íntima união com Deus e à
unidade de todo o gênero humano (cf. Lumen gentium, 1). A Bíblia nos descreve
Cristo como salvador que traz a libertação e a redenção.
Ele
liberta o ser humano do pecado – de caráter pessoal, assim como de caráter
estrutural – que, em última instância, é causa do fim de toda amizade, é a
causa de todas as injustiças e de todas opressões. Só Cristo nos torna livres
na verdade, nos leva à liberdade que nos foi dada por Deus. A partir dessa
liberdade, somos chamados a ajudar as pessoas, porque cada pobre e cada
necessitado é o nosso próximo.
Assim,
eu gosto de pensar nesse livro como uma contribuição para a superação da
indiferença com relação ao sofrimento e com relação às necessidades dos nossos
irmãos e das nossas irmãs, mas também como sistema de coordenadas para a
correta interpretação da teologia da libertação. Ela leva o nosso olhar para
Cristo, que, como nosso salvador e redentor, é a meta para a qual tendemos
incansavelmente.
Gustavo Gutiérrez
disse uma vez de modo absolutamente simples e bíblico: "Ser cristão
significa seguir Jesus". Seguimento significa agir concretamente.
"Quem pratica a verdade vem para a luz, para que apareça claramente que as
suas obras são feitas em Deus" (João 3, 21).
Assim,
é o próprio Senhor que nos diz para nos comprometermos imediatamente pelos
pobres. Praticar a verdade nos leva a estar do lado dos pobres.
Fonte: IHU - Notícias
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