Nos dias de
hoje a questão de fé em Deus (ou de falta de fé) toca ou norteia muitas pessoas
e é uma questão que aparece sob várias formas. Para uns, esta é uma questão
muito importante e vital tanto para a sua vida, como também para a vida de todo
ser humano. Para outros, ter ou não ter fé em Deus não tem a mínima
importância na sua vida, já que a visão científica e materialista do mundo é
capaz de levá-los a menosprezar ou até mesmo negar o lado espiritual da vida.
Para outros ainda, que se encontram nesse campo de diversidade de
interpretações e opiniões – como se estivessem sob uma espécie de “fogo
cruzado”, a questão de fé oscila entre vontade e a necessidade do seu coração
de “ficar bem com Deus” e crer “apesar
de tudo” – de um lado, e as dúvidas, comodismo e a tendência de evitar todo e
qualquer tipo de compromisso que uma fé madura poderia exigir – do outro lado.
Enfim, cada pessoa tende a entender do seu jeito a questão da sua fé em Deus e
elaborar a sua própria interpretação dessa fé no íntimo da sua consciência,
salve o caso, talvez, em que não deixa nenhum espaço para indagações a este
respeito.
Para falar mais sobre este
tema trago para o blog Indagações o texto “O caminho para a Fé” escrito por
Ferdinand Krenzer¹, retirado do livro
“Taka jest nasza wiara”². Quero
lembrar que uma boa parte desse livro foi publicada no blog Indagações nas
postagens anteriores nos últimos quase dois anos.
Não
deixe de ler.
WCejnog
O
caminho para a Fé
Todo
cristão, às vezes, enfrenta dúvidas em relação a sua fé. A fé recebida através
do batismo não é algo o que não se possa
perder. Como diz São Paulo, “Este tesouro
nós o trazemos em vasos de barro, para
que apareça claramente que este extraordinário poder provém de Deus e não de nós.”(2 Cor 4,7), isto é, os vasos
podem se quebrar. Isso depende de muitas circunstâncias, mas, sobretudo, do
fato de que o ser humano é um ser limitado. As coisas materiais facilmente
podem nos ofuscar a visão de Deus. Por isso
deveríamos nos esforçar persistentemente a superar essas influências e levar o
nosso olhar, sem deformações, na direção do
que é essencial – na direção de
Deus.
Pode
acontecer que o que é visível, o que atrai os nossos olhos e mente, impõe-se-nos como algo mais
importante do que o próprio Deus, nosso Criador. Às vezes aqui também se
manifesta a preocupação com as consequências de levar uma vida de acordo com a
fé, porque essas nos atrapalhariam no
caminho: “Ah!, eu precisaria desistir de
tantas coisas! Não, isso não farei”, ou
então falta-nos tempo e tranquilidade para realmente repensar todas essas
perguntas. Resumindo, existem muitos elementos que funcionam como “freios” e que sâo capazes de se
impôr na área entre o conhecimento e a vontade – de um lado, e a própria vida –
do outro. (...) É bom lembrarmos que o conhecimento intelectual é apenas uma
das faculdades do ser humano. A verdade
é que a aceitação da fé é algo mais do
que somente a aceitação racional. Sim, a aceitação da fé é um acolhimento feito
pelo ser humano inteiro. A fé é algo mais que o saber ou conhecimento, pois ela
flui da própria essência da pessoa:
participam dela todas as forças espirituais. Portanto, basear-se no
conhecimento sobre a fé é apenas uma ajuda parcial no caminho para alcançar uma
fé sólida. (...)
Pensemos
agora no caminho, que nos leva muito
mais diretamente à certeza da fé.
A Fé é Graça
Nunca
se esqueçam rezar pedindo a fé, porque, no final das contas – como costumamos de sublinhar – ela
é uma Graça, um dom. O fato de alguém
ter a verdadeira fé não acontece tão simplesmente; ela não nos vêm pronta para
as nossas mãos. São poucas as pessoas,
como São Paulo que resistia à fé, que a fé lhe é dada pela Graça num instante repentino
e iluminado ou em uma concreta experiência de vida, como algo que o dominou e venceu.
A maioria dos homens têm que lutar por ela, têm que se preparar internamente
para ela.
Todavia,
existem também pessoas que simplesmente não são capazes aceitar esse dom. São
todos aqueles contentes de si, que dizem que nada lhes falta, que nunca
experimentam a falta de Deus ou nunca sentem “saudade”. Para a
Graça de Deus encontar no ser humano um
lugar para si, é necessário que o homem, antes de tudo,
entenda e sinta esse “vácuo” como um
tipo de carência. Na oração, pois, a
alma do homem abre-se como uma vasilha destinada apenas para ser “preenchida”.
Crer para alcançar
a fé
Lucas,
no capítulo 24 (13-35) do seu Evangelho conta como Jesus encontrou os
discípulos de Emaús. “Seus olhos, porém, estavam como que vendados e não o
reconheceram” (24,16), apesar de que Ele estava andando ao seu lado, explicando-lhes
as Escrituras e dizia: “Então não era
necessário que o Cristo padecesse todas essas coisas e entrasse na glória?”
(24,26). Os seus olhos continuaram não enxergando; ai,
“estando com eles à mesa, tomou o
pão, rezou a bênção, partiu e lhes deu...” – e nesse momento “abriram-se
os olhos deles e o reconheceram, mas Ele desapareceu”. Os seus
olhos se abriram – este é o jeito que aponta para a Graça de Deus, que traz a
ajuda de fora, e sem a qual a fé
não é possível. No entanto, isto se realiza
durante a “partilha do pão com Ele”. Na prática, da fé o ser humano chega a
certeza da fé.
Portanto,
a fé é algo que devemos praticar para com isso entendermos as últimas conexões,
e chegarmos à certeza da fé! Não
levarão a esta certeza da fé as
reflexões teóricas; elas são apenas os pontos de apoio e exercícios preliminares. A fé é algo
mais que o conhecimento. Ela abrange não só o intelecto, mas o ser humano
inteiro. O homem, por sua vez, deveria
deixar que essa fé possa o alcançar em tudo o que ele é. Assim, o ser humano inteiro deve adentrar
para o centro da fé; deve começar a
praticar essa fé, mesmo que, eventualmente, no início isso fosse só para
“testar”, “como se fosse”. Caso
contrário, vai conhecê-la apenas fragmentada ou muito parcial, e, sendo
assim, terá apenas uma visão fragmentada e não completa, o que não o deixará
ficar convicto.
Por
sua vez, ao praticar e vivenciar a fé, experimentamos quais são os frutos que ela nos traz e como, graças
a ela, tudo recebe um sentido. A fé nos permite dissipar as numerosas dúvidas vitais e perceber a
grande importância de viver na sua luz.
Por fim, sentimos como a nossa própria vida recebe o seu último sentido. E essa
comprovação da fé na prática da vida diária - como se fosse a prova real de um problema - traz ao ser humano (quando
isso para ele é possível e conforme
a ideia de fé que ele tem) uma certeza
mais profunda e mais autêntica, e também
mais humana e sublime, do que certezas que todas as especulações exclusivamente
intelectuais podem lhe forncer.
Assim
sendo, mesmo quando alguém, como todo ser humano, experimenta e vivencia a fé “como
uma lâmpada, que resplandece nas trevas
até despontar o dia” (2P 1,19), ele vai poder dizer com a certeza bem madura:
“Eu sei em quem acreditei”.
(KRENZER,
F. Taka jest nasza wiara, Paris, Éditions Du Dialogue, 1981, p. 361-362)
_____________________
¹ Krenzer Ferdinand (nascido
em 22 de maio de 1921 em Dillenburg, Hesse, † 08
de maio de 2012 em Hofheim
am Taunus) foi um teólogo católico alemão, sacerdote e escritor na aposentadoria. [N. Do T.]
²
O texto
“Caminho para a Fé” constitui o último capítulo do livro de Ferdinand
Krenzer Taka jest nasza wiara, uma
edição no idioma polonês, do qual faço uma tradução livre para o português, com
uma pequena atualização dos dados, quando necessário. O título original: “Morgen wird man wieder
Glauben”.
O
livro do Ferdinand Krenzer fascina pelo seu jeito simples e direto, e agrada ao
leitor, ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os
temas mais difíceis desta doutrina. [N. Do T.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário