Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sábado, 4 de janeiro de 2014

O absurdo da vida sem Deus (1ª parte) – de William Lane Craig. Vale a pena ler!

Trago hoje para o blog Indagacoes-Zapytania um texto muito bom e excepcional que pode ajudar muito a quem, talvez, não saiba mais o que pensar diante de tantas informações diferentes, tantas opiniões e “verdades” que o “mundo” lhe oferece, e que tentam minar e destruir a sua fé em Deus.

Penso sobretudo nos jovens de hoje, nossos filhos e filhas, que são ‘presas’ fáceis da manipulação ideológica nos centros universitários e acadêmicos, e nas rodas sociais, onde o relativismo moral e “ateização” dos discursos a eles dirigidos tentam ridicularizar - aos sus olhos - o ato de fé religiosa (e de fé cristã em particular) em nome da liberdade, da independência, da modernidade, do progresso científico etc.   Em troca de que? – Eis a indagação!!!

O texto O absurdo da vida sem Deus é de autoria de William Lane Craig. Já é conhecido, pois foi  publicado em diversos sites e blogs, porém, para quem nunca o leu pode ser como ‘descobrir um tesouro”!   É comprido, sim, mas, em contrapartida, fornece mais conteúdo precioso! Leia até o fim, divida em partes, volte a continuar a leitura. Vale a pena! E se achar justo - ajude a  divulgar!

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O absurdo da vida sem Deus
William Lane Craig

William Lane Craig é um teólogo e filósofo analítico estadunidense, conhecido por seu trabalho na Filosofia da Religião. Atua como professor e pesquisador de filosofia na Escola de Teologia Talbot em La Mirada, Califórnia. Nascimento23 de agosto de 1949, East Peoria, Illinois, Estados Unidos.

Originalmente publicado como: "The Absurdity of Life withut God". Texto disponível na íntegra em:www.reasonablefaith.org
Traduzido por Marcos Vasconselos. Revisado por Djair Dias Filho.

 1ª Parte

 A necessidade de Deus e da imortalidade.

O homem, escreve Loren Eiseley, é o Órfão Cósmico. É a única criatura no universo que pergunta: “Por quê?”. Os outros animais têm os instintos para guiá-los, mas o homem aprendeu a fazer perguntas. “Quem sou eu?”, pergunta o homem. “Por que estou aqui? De onde vim?”. Desde o Iluminismo, quando sacudiu de si os grilhões da religião, o homem procura responder a essas perguntas sem fazer referência a Deus. Mas as respostas obtidas não são divertidas, mas tenebrosas e terríveis: “Você é subproduto acidental da natureza, resultado de matéria mais tempo mais acaso. Não há razão para que exista. Tudo que lhe espera é a morte”.

O homem moderno pensava que, ao livrar-se de Deus, também se livraria de tudo que o reprimia e coibia. Em vez disso, descobriu que, ao matar Deus, também matou a si mesmo. Pois, se não há Deus, a vida do homem torna-se absurda.

Se Deus não existe, homem e universo estão condenados à morte. O homem, como todo organismo biológico, deve morrer. Sem a esperança de imortalidade, a vida do homem leva somente à sepultura. Sua vida não passa de uma centelha nas trevas infinitas, uma centelha que aparece, brilha e morre para sempre. Portanto, todos se encontrarão cara a cara com o que o teólogo Paul Tillich denominou de “a ameaça de não ser”. Porque, embora saiba agora que eu existo, que estou vivo, também sei que algum dia não existirei mais, que não serei mais, que morrerei. Esse pensamento é desconcertante e ameaçador: pensar que a pessoa a quem chamo de “eu” deixará de existir, não será mais!

Recordo-me vividamente da primeira vez em que meu pai me disse que algum dia eu morreria. De algum modo, como criança, esse pensamento jamais me ocorrera. Quando ele me disse, fiquei cheio de medo e de tristeza insuportável. E, embora ele procurasse repetidamente me garantir que isso estava muito longe, isso não parecia importar. Fosse cedo ou tarde, o fato inegável era que eu morreria e deixaria de existir, e o pensamento me esmagava. Finalmente, como todos nós, cresci simplesmente aceitando o fato. Todos aprendemos a viver com o inevitável, mas a consciência repentina da criança permanece verdadeira. Conforme observou o existencialista francês Jean-Paul Sartre, tantas horas e tantos anos não fazem diferença, já que se perde a eternidade.

Quer chegue mais cedo ou mais tarde, a perspectiva da morte e a ameaça da inexistência é horror terrível. Certa vez, porém, conheci um estudante que não temia essa ameaça. Ele contou que fora criado numa fazenda e estava acostumado a ver animais nascendo e morrendo. Para ele, a morte era simplesmente natural — uma parte da vida, por assim dizer. Fiquei perplexo com quão diferentes eram nossas perspectivas sobre a morte e foi-me difícil entender por que ele não sentia a ameaça de não ser. Anos mais tarde, acho que encontrei minha resposta ao ler Sartre. Sartre percebeu que a morte não é ameaçadora desde que a vejamos como a morte do outro, ou seja, do ponto de vista da terceira pessoa. É somente quando a internalizamos e a olhamos da perspectiva da primeira pessoa — “minha morte: eu vou morrer” — que a ameaça do não ser torna-se real. Conforme indica Sartre, muitas pessoas, no decorrer da vida, nunca assumem a perspectiva da primeira pessoa. É possível olhar até mesmo a própria morte do ponto de vista da terceira pessoa, como se fosse a morte de outra pessoa ou mesmo de um animal, como fazia meu amigo. Mas a importância existencial verdadeira da minha morte só pode ser considerada da perspectiva da primeira pessoa, quando compreendo que vou morrer e deixar de existir para sempre. Minha vida é somente uma transição momentânea do esquecimento para o esquecimento.

O universo, também, enfrenta a morte. Os cientistas nos dizem que ele está se expandindo e tudo quanto nele existe distancia-se mutuamente cada vez mais. À medida que isso ocorre, o universo torna-se cada vez mais frio e sua energia se esgota. Finalmente, todas as estrelas se consumirão em chamas e toda matéria se desintegrará em estrelas mortas e buracos negros. Não haverá nenhuma luz. Não haverá nenhum calor. Não haverá nenhuma vida. Somente os cadáveres de estrelas e galáxias mortas, expandindo-se cada vez mais rumo à escuridão infindável e aos frios recessos do espaço — um universo em ruínas. Portanto, não é somente a vida pessoal do indivíduo que está condenada à morte. Toda a raça humana está condenada. Não há escapatória. Não há esperança.

O absurdo da vida sem Deus e a imortalidade
 
Se Deus não existe, o homem e o universo estão condenados. Como prisioneiros condenados à morte, aguardamos nossa execução inevitável. Não há Deus, e não há imortalidade. Portanto, qual a consequência disso? Significa que a vida em si mesma é um absurdo. Significa que a vida que temos não tem significado, valor nem propósito maiores. Atentemos para cada um desses argumentos.

Não há sentido maior sem a imortalidade e sem Deus

Se a pessoa deixa de existir quando morre, então, que significado supremo pode ser dado a esta vida? Que importância real tem se ela existiu? A vida da pessoa pode ter importância relativa a certos eventos, mas qual é a importância final de qualquer um desses eventos? Se todos os eventos não têm sentido, então que sentido último há em influenciar qualquer um deles? Em última análise, não faz nenhuma diferença.

Veja a questão de outra perspectiva: os cientistas afirmam que o universo se originou de uma explosão denominada big bang, cerca de 13 bilhões de anos atrás. Suponha que o big bang jamais tenha ocorrido. Suponha que o universo jamais existiu. Que diferença essencial isso faria? Seja como for, o universo está condenado a morrer. No fim das contas, não faz nenhuma diferença se alguma vez ele existiu ou não. Logo, o universo não tem nenhum significado maior.

A mesma verdade se aplica à raça humana. A humanidade é uma raça condenada à destruição num universo em processo de morte. Uma vez que a raça humana deixará finalmente de existir, não faz basicamente nenhuma diferença se ela algum dia realmente existiu. A humanidade é, portanto, não mais importante do que um enxame de mosquitos ou uma manada de porcos, pois o fim de todos eles é o mesmo. O mesmo processo cósmico cego que de início os lançou para fora no final os engolirá de novo totalmente.

E a mesma verdade se aplica a cada pessoa. As contribuições dos cientistas para avançar o conhecimento humano, as pesquisas dos médicos para aliviar a dor e o sofrimento, os esforços diplomáticos para assegurar a paz no mundo, os sacrifícios dos homens bons em todos os lugares para melhorar a condição da raça humana — tudo isso resulta em nada. Este é o horror do homem moderno: uma vez que ele termina em nada, o homem não é nada.

É importante perceber que, para que a vida tenha sentido, o homem não precisa apenas de imortalidade. A mera duração da existência não a torna significativa. Caso o homem e o universo pudessem existir para sempre, e não houvesse Deus, a existência deles continuaria sem maior sentido. Para ilustrar: li certa vez um conto de ficção científica em que um astronauta, abandonado em asteroide rochoso e estéril no espaço sideral, tinha consigo duas ampolas, uma com veneno e outra com uma poção que o faria viver para sempre. Compreendendo a sua situação terrível, com um único gole, sorveu o veneno. Mas depois, para seu horror, descobriu que tomara a ampola errada — havia bebido a poção da imortalidade, o que significava que estava amaldiçoado a existir para sempre, numa vida sem sentido e sem fim. Portanto, se Deus não existe, nossa vida é exatamente assim. Poderíamos ainda questionar a vida: “E daí?”. Daí, que não é apenas de imortalidade que o homem precisa, se a vida não tiver nenhum significado maior; ele carece de Deus e de imortalidade. Se Deus não existe, o homem não tem nenhum dos dois.

O homem do século XX chegou a esse entendimento. Basta ler Esperando Godot, de Samuel Beckett. Durante toda essa peça teatral, dois homens conversam banalidades enquanto esperam chegar uma terceira pessoa, que nunca chega. Nossa vida parece com isso, é o que Beckett está dizendo; apenas matamos o tempo esperando — para quê, não sabemos. Numa trágica descrição do homem, Beckett escreveu outra peça teatral em que as cortinas se abrem revelando um palco entulhado de lixo. Durante longos 30 segundos, a plateia silenciosa contempla toda aquela sujeira. Logo o pano cai. É tudo.

Os existencialistas franceses Jean-Paul Sartre e Albert Camus também tiveram a mesma compreensão. Em sua peça Entre quatro paredes, Sartre retratou a vida como o inferno — a fala da última cena são as palavras de resignação: “Pois é, vamos continuar?”. Por isso, noutro livro, Sartre escreve sobre a “náusea” da existência. Camus também via a vida como um absurdo. No final de seu romance O estrangeiro, o herói de Camus percebe de repente que o universo não tem sentido e não existe Deus para dotá-lo de um.
Assim, se Deus não existe, a própria vida torna-se sem sentido. O homem e o universo não têm nenhum significado maior.

Não há valor maior sem a imortalidade e sem Deus

Se a vida acaba na sepultura, não há diferença em viver como um Stálin ou como um santo. Uma vez que, em última análise, o destino pessoal nada tem a ver com comportamento, pode-se também viver como quiser. Como sentenciou Dostoiévski: “Se não há imortalidade, tudo é permitido”. Nesse fundamento, escritores como Ayn Rand estão totalmente corretos ao louvarem as virtudes do egoísmo. Viva totalmente para si, ninguém tem que prestar contas! De fato, seria tolice agir de outra maneira, porque a vida é curta demais para prejudicá-la vivendo por outra razão que não o interesse próprio. Sacrificar-se por outra pessoa seria estúpido. Kai Nielsen, filósofo ateu que tenta defender a viabilidade de uma ética sem Deus, admite no final que:

Não conseguimos mostrar que a razão exige o ponto de vista moral, ou que todas as pessoas realmente racionais, cujos olhos não estão vendados pelo mito ou pela ideologia, não têm necessidade de ser egoístas individuais ou amoralistas clássicos. Aqui, a razão não toma decisões. O quadro que pintei para vocês não é nada agradável. Pensar a respeito dele me deprime [...] A razão pura e prática, mesmo com um bom conhecimento dos fatos, não levará à moralidade.¹

Mas o problema torna-se ainda pior. Pois, sem levar em conta a imortalidade, se Deus não existe, não pode haver padrões objetivos para o que é certo e errado. Tudo quanto nos confronta é, nas palavras de Jean-Paul Sartre, o fato nu e sem valor da existência. Valores morais não passam de expressões de gosto pessoal ou de subprodutos da evolução e do condicionamento sociobiológico. Num mundo sem Deus, quem deve dizer quais valores são certos e quais são errados? Quem deve julgar que os valores de Adolf Hitler são inferiores aos valores de um santo? O conceito de moralidade perde todo e qualquer sentido num universo sem Deus. Como mostra certo ateu contemporâneo: “dizer que algo é errado porque [...] é proibido por Deus, é [...] perfeitamente compreensível para quem crê num Deus legislador. Mas dizer que algo é errado [...] embora não exista Deus para proibi-lo, não dá para entender [...]”. “O conceito de obrigação moral [é] ininteligível sem a ideia de Deus. As palavras permanecem, mas o seu sentido se foi”.²  Num mundo sem Deus, não é possível haver certo e errado, somente nossos julgamentos subjetivos, cultural e pessoalmente relativos. Isso significa que é impossível condenar como maus a guerra, a opressão ou o crime. Nem é possível enaltecer como bons a fraternidade, a igualdade e o amor. Pois, num universo sem Deus, não existe bem nem mal — há exclusivamente os fatos nus e sem valor da existência, e ninguém para dizer que você está certo e eu, errado.

Não há propósito maior sem a imortalidade e sem Deus

Se a morte está em pé com os braços abertos no final da trilha da vida, qual é o objetivo da vida? É tudo vão? Existe razão para a vida? E quanto ao universo? Não tem nenhum sentido? Se o destino dele for a sepultura gelada nos recessos do espaço sideral, a resposta só poderá ser: sim, não tem sentido nenhum. Os detritos de um universo morto prosseguirão tão somente se expandindo cada vez mais, para sempre.

E quanto ao homem? Há mesmo algum propósito para a existência da raça humana? Vai simplesmente desaparecer algum dia, perdida no esquecimento de um universo indiferente? O escritor inglês H. G. Wells anteviu esse panorama. Em seu romance A máquina do tempo, o viajante do tempo criado por Wells segue rumo ao futuro distante para descobrir o destino do homem. Tudo que encontra é uma terra morta, exceto por alguns líquens e musgos, orbitando em torno de um gigantesco sol vermelho. Os únicos sons são o do vento soprando e a gentil ondulação do mar. “Além desses sons destituídos de vida”, escreve Wells, “o mundo estava em silêncio. Em silêncio? Seria difícil transmitir a sua imobilidade. Todos os sons produzidos pelo homem, o balido das ovelhas, o trilado das aves, o zumbido dos insetos, a agitação que compõe o cenário de nossa vida — tudo isso se acabara”.³ E, assim, o viajante do tempo de Wells retornou. Mas voltou para onde? — para um mero ponto anterior à corrida despropositada rumo ao esquecimento. Quando, como não cristão, li esse livro pela primeira vez, pensei: “Não, não! Não pode terminar desse jeito!”. Mas, se Deus não existe, terminará assim, gostem ou não. Esta é a realidade num universo sem Deus: não existe esperança; não existe propósito.

O que é verdade para a humanidade toda também o é para cada um de nós individualmente: estamos aqui sem nenhum propósito. Se Deus não existe, nossa vida não é qualitativamente diferente da vida de um cão. Conforme escreveu o antigo autor de Eclesiastes: “O que acontece com os homens é o mesmo que acontece com os animais; a mesma coisa acontece para ambos. Assim como um morre, morre também o outro. Todos têm o mesmo fôlego de vida. O homem não tem vantagem sobre os animais. Tudo é ilusão. Todos vão para o mesmo lugar; todos são pó e todos retornarão ao pó” (Ec 3.19-20).
Nesse livro, cujo texto parece mais uma peça literária existencialista moderna do que um livro da Bíblia, o escritor mostra a futilidade do prazer, da riqueza, da educação, da notoriedade política e da honra numa vida condenada a terminar na morte. Seu veredicto? “Que grande ilusão! Que grande ilusão! Tudo é ilusão!” (Eclesiastes 1.2). Se a vida acaba na sepultura, não temos nenhum propósito maior para viver.

Mas mais do que isso: ainda que a vida não terminasse na morte, sem Deus, ela continuaria sem propósito. Porque o homem e o universo seriam, portanto, meros acidentes do acaso, empurrados na existência sem razão alguma. Sem Deus, o universo é o resultado de um acidente cósmico, de uma explosão por acaso. Não há razão para que exista. Quanto ao homem, é uma aberração da natureza, produto cego de matéria mais tempo mais acaso. O homem não passa de um bocado de lodo que evoluiu racionalmente. Como expressou certo filósofo: “A vida humana está montada em cima de um pedestal subumano e tem de lutar pela vida sozinha no coração de um universo silencioso e estúpido”.

O que é verdade para universo e para a raça humana também é verdade para nós como indivíduos. Se Deus não existe, você é somente um aborto da natureza, lançado num universo despropositado para viver uma vida sem propósito.

Portanto, se Deus não existe, significa que o homem e o universo existem sem nenhum propósito — já que o fim de tudo é a morte — e passaram a existir sem nenhum objetivo, uma vez que são apenas frutos do mero acaso. Resumindo, a vida não tem absolutamente nenhuma razão de ser.

É possível entender a gravidade das alternativas diante de nós? Porque, se Deus existe, há esperança para o homem. Mas, se Deus não existe, tudo que nos resta é o desespero. É possível entender por que a questão da existência de Deus é tão vital para o homem? Como escreveu apropriadamente certo autor: “Se Deus está morto, o homem também está morto”.

Infelizmente, o grosso da humanidade não percebe tal fato. Os homens continuam vivendo como se nada tivesse mudado. Vem-me à memória o conto do louco de Nietzsche que, nas primeiras horas da manhã, irrompeu na praça do mercado, empunhando uma lanterna, gritando: “Procuro Deus! Procuro Deus!”. Como muitos dos circunstantes não acreditavam em Deus, ele provocou muitas risadas. “Será que Deus se perdeu?”, provocaram-no com sarcasmo. “Ou, quem sabe, está se escondendo? Ou talvez partiu em viagem ou emigrou!”. Assim gritavam e gargalhavam. Então, escreve Nietzsche, o louco se lançou entre eles e trespassou-os com seu olhar:

“Aonde foi Deus?”, gritou ele. “Já lhes direi! Nós o matamos — vocês e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte inteiro? Que fizemos, ao desprender a corrente que prendia esta terra ao seu sol? Para onde se move ela agora? Para longe de todos os sóis? Não estamos nos arrojando continuamente? Para trás, para os lados, para frente, em todas as direções? Restou ainda algum “para cima” ou “para baixo”? Não estaríamos vagando como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do espaço vazio? Não se tornou ele mais frio? Não sobrevém noite e mais noite o tempo todo? Será que não é preciso acender as lanternas logo de manhã? Acaso ainda não ouvimos o barulho dos coveiros que estão sepultando Deus? [...] Deus está morto! [...] E nós o matamos! Como nós, assassinos de todos os assassinos, consolaremos a nós mesmos?

A multidão, silenciosa e estarrecida, contemplava fixamente o louco. Por fim, ele atirou sua lanterna ao chão. “Cheguei cedo demais”, lamentou. “Esse evento tremendo ainda está a caminho, não chegou ainda aos ouvidos do homem”. Os homens não compreendem de fato as consequências do que fizeram ao matar Deus. Mas Nietzsche predisse que algum dia as pessoas compreenderiam as implicações do ateísmo delas; e essa compreensão conduziria a uma era de niilismo: a destruição de todo sentido e valor da vida.

A maioria das pessoas não pensa nas consequências do ateísmo e, assim, como a multidão da praça do mercado, continua a viver inadvertidamente. Mas, quando compreendemos, assim como Nietzsche, qual a implicação do ateísmo, a seguinte pergunta nos oprime: como nós, assassinos de todos os assassinos, consolaremos a nós mesmos?

A impossibilidade prática do ateísmo

A única solução que os ateus conseguem nos oferecer é que devemos encarar o absurdo da vida e viver corajosamente. Bertrand Russell, por exemplo, escreveu que temos de edificar a nossa vida sobre “o firme alicerce do desespero inabalável”.6 Somente reconhecendo que o mundo é de fato um lugar terrível podemos entrar num acordo eficaz com a vida. Camus chegou à conclusão de que deveríamos reconhecer honestamente o absurdo que é a vida e, então, viver em amor mútuo.

Mas o problema fundamental dessa estrutura é a impossibilidade de viver de modo coerente e feliz nessa visão de mundo. Se alguém vive coerentemente, não será feliz; se vive feliz, é só porque não é coerente. Francis Schaeffer apresentou uma boa explicação para essa condição. O homem moderno, afirma Schaeffer, habita um universo com dois andares. No andar de baixo, está o mundo finito sem Deus; aqui a vida é absurda, como já vimos. No andar de cima, há sentido, valor e propósito. Todavia, o homem moderno vive no andar de baixo, pois acredita que Deus não existe. Ele não consegue ter uma vida feliz nesse mundo tão absurdo; por isso, sempre dá saltos de fé até o andar de cima para afirmar sentido, valor e propósito, mesmo não tendo esse direito, já que não acredita em Deus.

Vamos, portanto, examinar uma vez mais cada uma das três áreas na qual vimos que a vida sem Deus é absurda, a fim de mostrar como o homem não pode levar uma vida coerente e feliz com o seu ateísmo.

O sentido da vida

Primeiramente, a área do sentido. Já vimos que, sem Deus, a vida não tem sentido. No entanto, os filósofos continuam a viver como se a vida tivesse sentido. Por exemplo, Sartre defendia que é possível dar sentido à vida quando se escolhe livremente seguir certo curso de ação. Sartre, por sua vez, optou pelo marxismo.

Ora, isso é absolutamente incoerente. Não é coerente afirmar que a vida é objetivamente absurda e depois alegar que é possível criar sentido para a própria vida. Se a vida é absurda de fato, o homem está aprisionado no andar de baixo. Tentar criar sentido para a vida representa um salto até o andar superior. Mas Sartre não tem nenhum apoio para dar esse salto. Sem Deus, não pode haver significado objetivo na vida. Na verdade, o programa de Sartre é exercício de autoengano. O que ele está dizendo mesmo é: “Vamos fazer de conta que o universo tem sentido”. Isso é apenas nos fazer de tolos.

A questão é: se Deus não existe, a vida é objetivamente sem sentido; porém, o homem não consegue viver de maneira coerente e feliz sabendo que a vida não tem sentido; assim, para ter felicidade, ele finge que a vida tem sentido. Mas, é óbvio, isso é incoerência total, pois, sem Deus, homem e universo não têm nenhuma importância real.

Continua na 2ª Parte 
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    Notas
1 Kai Nielsen, “Why Should I Be Moral?”, American Philosophical Quarterly 21 (1984): 90.
2 Richard Taylor, Ethics, Faith, and Reason (Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1985), 90, 84.
3 H. G. Wells, The Time Machine (Nova Iorque: Berkeley, 1957), cap. 11 [publicado em português com o título A máquina do tempo, em diversas traduções e edições].
4 W. E. Hocking, Types of Philosophy (Nova Iorque: Scribner’s, 1959), 27.
5 Friedrich Nietzsche, “The Gay Science”, in The Portable Nietzsche, org. e trad. W. Kaufmann (Nova Iorque: Viking, 1954), p. 95 [publicado em português com o título A gaia ciência, em diversas traduções e edições].
6 Bertrand Russell, “A Free Man’s Worship”, in Why I Am Not a Christian, org. P. Edwards (Nova Iorque: Simon & Schuster, 1957), p.107 [publicado em português com o título Por que não sou cristão. Porto Alegre: L&PM, 2008].




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