Abaixo, a 2ª parte do texto O absurdo da vida sem Deus, que é de
autoria de William Lane Craig.
(Publico propositalmente primeiro a 2ª parte
e logo em seguida a 1ª, para ser mais fácil para o leitor fazer a leitura do texto
inteiro.)
Como afirmo no início da 1ª Parte, este é um
texto muito bom e excepcional que pode ajudar muito a quem, talvez, não saiba
mais o que pensar diante de tantas informações diferentes, tantas opiniões e “verdades” que o “mundo” lhe oferece, e que tentam
minar e destruir a sua fé em Deus. Essas "verdades" são, na maioria dos casos, grandes "mentiras"...!
Gostaria muito que os jovens pudessem conhecer este
texto. Penso sobretudo na juventude de hoje, nossos filhos e filhas, que são ‘presas’
fáceis da manipulação ideológica nos centros universitários e acadêmicos, e nas
rodas sociais, onde o relativismo moral e “ateização” dos discursos a eles
dirigidos tentam ridicularizar - aos seus olhos - o ato da fé religiosa (e da fé
cristã em particular) em nome da liberdade, da independência, da modernidade, do
progresso científico etc. E os jovens se deixam manipular, infelizmente! Em troca de que? – eis a indagação!!!
Como disse anterirmente, este texto já é
conhecido, pois foi publicado em
diversoas sites e blogs, porém, para quem nunca o leu – pode ser como ‘descobrir
um tesouro”! É comprido – sim, mas – em contrapartida -
fornece mais conteúdo precioso! Leia até o fim, divida em partes, volte a
continuar a leitura. Vale a pena! E se achar justo - ajude a divulgar!
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O absurdo da vida sem Deus
William Lane Craig
William Lane Craig é um teólogo e filósofo analítico estadunidense,
conhecido por seu trabalho na Filosofia da Religião. Atua como professor e
pesquisador de filosofia na Escola de Teologia Talbot em La Mirada, Califórnia. Nascimento: 23 de agosto de 1949, East Peoria, Illinois, Estados Unidos.
Originalmente publicado como: "The Absurdity of
Life withut God". Texto disponível na íntegra em:www.reasonablefaith.org
Traduzido por Marcos Vasconselos. Revisado por Djair
Dias Filho.
***************
2ª parte
O valor da vida
Abordamos agora o problema do valor. É aqui que ocorre a
incoerência mais flagrante. Antes de tudo, os humanistas ateus são totalmente
incoerentes quando defendem os valores tradicionais de amor e fraternidade. É
com acerto que Camus tem sido criticado pela sua incoerência em prender-se
tanto ao absurdo da vida como à ética do amor e da fraternidade humanos. Os
dois são logicamente incompatíveis. Bertrand Russell também foi incoerente.
Conquanto fosse ateu, era crítico social declarado, denunciando a guerra e as
restrições à liberdade sexual. Russell admitia que não poderia viver como se os
valores éticos fossem mera questão de gosto pessoal e, portanto, achava suas
próprias visões “inacreditáveis”. “Não sei a solução”, confessava.7 A dificuldade
é que, se Deus não existe, não pode existir certo e errado objetivos. Como
declarou Dostoiévski: “Tudo é permitido”.
Mas Dostoiévski mostrou também que o homem não pode
viver dessa maneira. Não pode viver como se fosse perfeitamente certo soldados
matarem crianças inocentes. Não pode viver como se fosse certo que ditadores,
como Pol Pot, exterminassem milhões de seus próprios compatriotas. Tudo no
homem denuncia esses atos como errados, absolutamente errados. Mas, se Deus não
existe, o homem não tem por que reclamar. Por isso, ele dá um salto de fé e, de
qualquer forma, defende a existência de valores. Agindo assim, ele revela a
insuficiência de um mundo sem Deus.
O horror a um mundo desprovido de valores tornou-se
patente para mim com maior intensidade alguns anos atrás ao assistir no canal
de televisão da BBC a um documentário denominado “The Gathering” [A reunião]. A
reportagem documenta uma reunião, em Jerusalém, de sobreviventes do Holocausto,
na qual reencontram amizades perdidas e partilham suas experiências. Uma
prisioneira enfermeira contou como a fizeram de ginecologista em Auschwitz. Ela
percebeu que as grávidas tinham sido reunidas num grupo por soldados comandados
pelo Dr. Mengele e alojadas nos mesmos barracões. Depois de algum tempo, notou
que não via mais nenhuma daquelas mulheres. Ela passou a investigar. “Onde
estão as grávidas que estavam alojadas naqueles barracões?”. “Você não ouviu?”,
responderam-lhe. “Dr. Mengele usou-as para vivissecção”.
Outra mulher descreveu como Mengele lhe enfaixara os
seios para que ela não pudesse amamentar seu recém-nascido. O doutor queria
saber quanto tempo um recém-nascido sobrevive sem se alimentar. Desesperada, a
pobre mãe tentou manter seu bebê vivo dando-lhe pedacinhos de pão embebidos em
café, mas era inútil. Cada dia a criança perdia peso, fato monitorado
avidamente pelo Dr. Mengele. Uma enfermeira procurou a mulher em segredo e
disse-lhe: “Veja, arranjei um jeito de você dar o fora daqui, mas não poderá
levar o bebê consigo. Trouxe uma injeção de morfina para que aplique na criança
e lhe tire a vida”. Quando a mulher protestou, a enfermeira foi insistente:
“Olhe, de qualquer maneira, a criança vai morrer. Pelo menos salve a si mesma”.
E, assim, essa mãe tirou a vida do próprio bebê. Dr. Mengele ficou
furioso quando soube do ocorrido, porque tinha perdido seu espécimen
experimental; procurou, então, entre os mortos o cadáver descartado da criança
para realizar uma última pesagem.
Meu coração ficou dilacerado por causa desses relatos.
Certo rabino que sobreviveu ao campo de concentração resumiu tudo muito bem
quando disse que, em Auschwitz, era como se existisse um mundo no qual todos os
Dez Mandamentos fossem invertidos. A humanidade jamais vira tamanho inferno.
Todavia, se Deus não existe, então, em certo sentido, o
nosso mundo é Auschwitz:
não existe absolutamente certo e errado; tudo é permitido. Mas nenhum ateu, nenhum agnóstico,
consegue viver coerentemente com essa visão. O próprio Nietzsche, que proclamou
a necessidade de viver para além do bem e do mal, rompeu com o seu mentor,
Richard Wagner, exatamente por causa do antissemitismo e nacionalismo germânico
exacerbados desse compositor. Sartre, igualmente, ao escrever na esteira da II
Guerra Mundial, condenou o antissemitismo, declarando que uma doutrina que leva
ao extermínio não é mera questão de opinião e gosto pessoal, com igual valor a
seu oposto.8 Em seu
importante artigo “O existencialismo é um humanismo”, Sartre luta inutilmente
para esquivar-se da contradição entre a sua negação de valores divinamente
preestabelecidos e seu insistente desejo de defender a existência de valores
das pessoas humanas. À semelhança de Russell, ele não conseguiria viver com as
implicações da própria negação de absolutos éticos.
Um segundo problema é que, se Deus não existe e não há
imortalidade, todas as maldades praticadas pelos homens ficam impunes e todos
os sacrifícios dos homens bons, sem recompensa. Mas quem consegue viver com tal
perspectiva? Richard Wurmbrand, que, por causa da sua fé, foi torturado nas
prisões comunistas, conta:
É difícil de acreditar na crueldade do ateísmo, no qual
o homem não tem fé na recompensa do bem nem no castigo do mal. Não há razão
para ser humano. Não há limites para as profundezas do mal que há no homem. Os
torturadores comunistas diziam sempre: “Não há Deus, não há vida futura, não há
castigo para o mal. Podemos fazer o que quisermos”. Certa vez ouvi um
torturador dizer: “Dou graças a Deus, em quem não creio, por ter vivido até
agora, quando posso expressar toda a maldade do meu coração”. Ele a expressava
com brutalidade e tortura inacreditáveis infligidas aos prisioneiros.9
O mesmo se aplica aos atos de autossacrifício. Alguns
anos atrás, houve um terrível acidente aéreo em pleno inverno no qual um avião
vindo do aeroporto de Washington, D.C. (EUA), chocou-se com uma ponte sobre o
rio Potomac, lançando seus passageiros na água gelada. Ao chegarem os
helicópteros de resgate, chamou-se a atenção para um homem que sempre empurrava
a escada de cordas para os outros passageiros em vez de ele mesmo ser puxado
para a segurança do helicóptero. Por seis vezes ele passou a escada adiante.
Quando o resgate retornou, ele já partira. Ele havia dado gratuitamente a vida
para que outros pudessem viver. O país inteiro voltou os olhos para esse homem
com respeito e admiração por causa da atitude altruísta e bondosa que ele
realizara. Mas, se o ateu estiver certo, esse homem não agiu com nobreza;
antes, fez a coisa mais estúpida que se podia fazer. Ele devia ter sido a
primeiro a subir pela escada, afastando os outros, se necessário, para que
pudesse sobreviver. Mas morrer por outros que ele sequer conhecia, abrir mão de
toda a breve existência que poderia ter, para quê? Para o ateu, não pode haver
nenhuma razão. E, todavia, o ateu, como o restante de nós, reage louvando a
ação desprendida daquele homem. De fato, provavelmente nunca será possível
algum ateu que viva de modo coerente com o seu sistema. Porque um universo em
que não existe responsabilidade moral, sendo desprovido de valores, é
inimaginavelmente terrível.
O propósito da vida
Finalmente, vamos examinar o problema do propósito da
vida. A única maneira de quem nega a existência de propósito na vida levar uma
vida feliz é criar algum propósito passo a passo — o que redunda em autoengano,
como vimos em Sartre — ou deixar de levar a própria visão às suas conclusões
lógicas. Considere-se o problema da morte, por exemplo. De acordo com Ernst
Bloch, o único modo de o homem moderno viver diante da morte é tomando
emprestada de modo subconsciente a crença na imortalidade na qual seus antepassados
se apegavam, apesar de ele mesmo não ter fundamento nenhum para isso, porquanto
não acredita em Deus. Ao tomar emprestados os resíduos de uma crença na
imortalidade, escreve Bloch, “o homem moderno não percebe o
precipício que o rodeia e que, com certeza, no final o tragará. Por meio desses
resíduos, ele preserva seu senso de autoidentidade e deles surge a impressão de
que o homem não está perecendo, mas somente que algum dia o mundo
caprichosamente não lhe aparecerá mais”. Bloch conclui: “Essa coragem bastante
rasteira vai às compras com um cartão de crédito emprestado. Vive à custa das
esperanças antigas e do amparo que outrora concediam”.10 O homem
moderno não tem mais nenhum direito a esse amparo, já que rejeita a Deus. Mas,
para viver a vida com um propósito, ele dá um salto de fé a fim de assegurar
uma razão para viver.
Quase sempre encontramos a mesma inconsistência entre os
que defendem que o homem e o universo vieram à existência sem nenhuma razão ou
propósito, mas exclusivamente por acaso. Incapazes de viverem num universo
impessoal, em que tudo é resultado do mero acaso, tais pessoas passam a
atribuir personalidade e motivos aos próprios processos físicos. É um modo
bizarro de falar e de representar o salto do andar de baixo para o de cima. Por
exemplo, Francis Crick mais ou menos na metade de seu livro The
Origin of the Genetic Code [A
origem do código genético] passa a grafar natureza com a inicial maiúscula “N”,
e por todo o livro refere-se à seleção natural como sendo “inteligente”, como
se “pensasse” naquilo que fará. O astrônomo inglês Fred Hoyle atribui ao
universo as qualidades de Deus. Para Carl Sagan, o “Cosmos”, que ele escreve
sempre com inicial maiúscula, cumpre obviamente o papel de Deus-substituto.
Embora todos esses homens professem não crer em Deus, contrabandeiam um
Deus-substituto pela porta dos fundos, porque não suportam viver em um universo
em que tudo é o resultado casual de forças impessoais.
Além disso, é interessante ver muitos pensadores traírem
suas visões quando são forçados às conclusões lógicas delas. Por exemplo,
certas feministas fizerem uma tempestade de protestos contra a psicologia
sexual freudiana, pois é machista e degradante para as mulheres. Por isso,
alguns psicólogos cederam e alteraram suas teorias. Ora, isso é totalmente
inconsistente. Se a psicologia freudiana fosse mesmo verdadeira, não importa se
é degradante para as mulheres. Não se pode mudar a verdade por não se gostar
daquilo a que ela leva. Mas as pessoas não conseguem viver de modo consistente
e feliz num mundo no qual outras pessoas são desvalorizadas. Mas se Deus não
existe, ninguém tem valor algum. Somente se Deus existir será possível apoiar
coerentemente os direitos das mulheres. Porque, se Deus não existe, a seleção
natural determina que o macho da espécie é o elemento dominante e agressivo. A
mulher teria o mesmo direito que uma cabra ou uma ave o têm. Na natureza, seja
como for, tudo está certo. Mas quem consegue viver de acordo com essa
perspectiva? Evidentemente, nem mesmo os psicólogos freudianos, que traem as
suas teorias ao ser empurrados para as conclusões lógicas a que elas levam.
Ou considere-se o behaviorismo sociológico de homens
como B. F. Skinner. A sua visão resulta no tipo de sociedade vislumbrada no
livro 1984, de George Orwell,
em que o governo programa e controla a mente de todos. Se as teorias de Skinner
estiverem certas, não se pode fazer objeção ao fato de as pessoas serem
tratadas como os ratos na caixa de ratos de Skinner, ao abrirem caminho através
de seus labirintos atraídos por comida e impulsionados por choques elétricos.
De acordo com Skinner, de qualquer forma, todas as nossas ações são
determinadas. E, se Deus não existe, não se pode fazer nenhuma objeção moral
contra esse tipo de programação, porque o homem não é em termos qualitativos
diferente de um rato, uma vez que os dois são apenas matéria mais tempo mais
acaso. Novamente, quem consegue viver de acordo com uma visão tão
desumanizadora?
Ou, finalmente, considere-se o determinismo biológico de
homens como Francis Crick. A conclusão lógica é que o homem não passa de outro
espécime qualquer de laboratório. O mundo ficou horrorizado ao saber que, em
campos de concentração como o de Dachau, os nazistas usavam os prisioneiros
para realizar experiências médicas em seres humanos. Mas por que não? Se Deus
não existe, não pode haver nenhuma objeção ao uso de pessoas como cobaias
humanas. O fim dessa visão resulta no controle populacional, em que os fracos e
indesejados são exterminados para abrir espaço para os mais fortes. Mas só será
possível protestarmos coerentemente contra essa visão se Deus existir. Somente
se Deus existir pode haver propósito na vida.
O dilema do homem moderno é, portanto, realmente
terrível. Na medida em que ele nega a existência de Deus e a objetividade de
valor e propósito, esse dilema continua irremediável também para o homem
“pós-moderno”. De fato, é precisamente a consciência de que o modernismo
resulta inevitavelmente no absurdo e no desespero que compõem a aflição do
pós-modernismo. Em alguns aspectos, o pós-modernismo é apenas a consciência da
ruína da modernidade. A visão de mundo ateísta é insuficiente para manter uma
vida feliz e coerente. O homem não pode viver de modo coerente e feliz, como
se, em última análise, a vida não tivesse sentido, valor ou propósito. Se
tentarmos viver de maneira coerente segundo a cosmovisão ateísta, nos veremos
profundamente infelizes. Se, em vez disso, conseguirmos viver felizes, será
somente por desmentir nossa cosmovisão.
Confrontado por esse dilema, o homem debate-se
tristemente procurando algum modo de escapar. Em célebre discurso à Academia
Americana para o Avanço da Ciência, em 1991, Dr. L. D. Rue, desafiado pela
difícil situação do homem moderno, teve a ousadia de advogar que devíamos nos
enganar com alguma “Mentira Nobre” que nos faça pensar que nós e o universo
ainda temos valor.11 Com a alegação
de que “os últimos dois séculos nos ensinam que o relativismo intelectual e
moral são a única opção”, Dr. Rue imagina em seu devaneio que, em consequência
dessa compreensão, a busca do homem pela plenitude pessoal (ou autorrealização)
e a procura pela coerência social tornam-se independentes uma da outra. É assim
porque, segundo a perspectiva relativista, a busca da autorrealização torna-se
radicalmente privatizada: cada um escolhe seu próprio conjunto de valores e de
sentido. Se quisermos evitar “a opção do manicômio”, pela qual se procura
alcançar a autorrealização a despeito da coerência social, e “a opção
totalitária”, pela qual tal coerência é imposta à custa da integridade pessoal,
então, não temos escolha senão adotar alguma Mentira Nobre que nos inspire a
viver além de interesses egoístas e assim alcancemos a coerência social. Mentira
Nobre “é aquela que nos engana, nos ilude, nos compele a viver além do
interesse em nós mesmos, além do próprio eu, de família, nação [e] raça”. É uma
mentira porque nos diz que o universo está carregado de valor (o que é uma
grande ficção), porque apela a uma verdade universal (apesar de não existir
nenhuma) e porque nos impele a não viver pelo interesse em nós mesmos (o que é
notoriamente falso). “Mas, sem essas mentiras, não conseguimos viver”.
É esse o veredicto que paira sobre o homem
moderno. Para sobreviver, ele tem de viver em autoengano. Até mesmo
a Mentira
Nobre, no final, é
impraticável. Para ser feliz, é preciso acreditar em sentido, propósito e
valor objetivos. Como é possível acreditar nessas Mentiras Nobres e, ao mesmo
tempo, acreditar no ateísmo e no relativismo? Quanto mais se está convencido da necessidade de
uma Mentira Nobre, menos se acredita nela. Semelhante ao placebo, a Mentira
Nobre só funciona em quem acredita que ela é verdadeira. Tão logo se perceba a
ficção, a mentira perde seu poder sobre nós. Assim, ironicamente, a Mentira
Nobre não é capaz de resolver a enrascada humana para quem perceba essa
situação embaraçosa.
A Mentira Nobre, portanto, na melhor hipótese, leva à
sociedade em que um grupo elitista de illuminati, em benefício
próprio, engana as massas com a perpetuação da Mentira Nobre. Por que, então,
os iluminados que há entre nós seguem as massas enganadas? Por que deveríamos
sacrificar o interesse pessoal em troca de uma ficção? Se a grande lição dos
dois últimos séculos é o relativismo moral e intelectual, então, por que (se
nos fosse possível) fingimos que não conhecemos tal verdade e, por isso,
vivemos uma mentira? Se responderem: “por causa da coerência social”, seria
legítimo perguntar por que deveria eu sacrificar meu interesse próprio em favor
da coerência social? A única resposta que o relativista pode dar é que a
coerência social está em meu interesse próprio. Mas o problema dessa resposta é
que o interesse próprio e o interesse do grupo nem sempre coincidem.
Além disso, se (por causa do interesse próprio) eu
realmente ligo para a coerência social, a opção totalitária está sempre à minha
disposição: esqueçam a Mentira Nobre e preservem a coerência social (como
também minha autorrealização) à custa da integridade pessoal das massas. Sem
dúvida, Rue consideraria essa opção repugnante. Aí está a dificuldade. É
evidente que o dilema de Rue está em sua valorização profunda tanto da
coerência social quanto da integridade pessoal por si próprias. Noutras
palavras, elas são valores objetivos que, segundo essa filosofia, nem mesmo
existem. Ele já deu um salto para o andar de cima. Assim, a opção da Mentira
Nobre afirma aquilo que nega e, logo, contradiz a si mesma.
O sucesso do cristianismo bíblico
Se o ateísmo é um fracasso nesse sentido, o que dizer do
cristianismo bíblico? De acordo com a cosmovisão cristã, Deus existe, e a vida
do homem não termina na sepultura. No corpo ressurreto, o homem poderá gozar da
vida eterna e da comunhão com Deus. O cristianismo bíblico, portanto,
proporciona ao homem as duas condições necessárias a uma vida com sentido,
valor e propósito: Deus e imortalidade. Por causa desses dois, podemos viver de
maneira coerente e feliz. Então, o cristianismo bíblico é vitorioso exatamente
no ponto em que o ateísmo fracassa.
Conclusão
Quero, agora, deixar claro que ainda não demonstrei que
o cristianismo bíblico é verdadeiro. O que fiz foi explicitar as alternativas.
Se Deus não existe, a vida é fútil. Se o Deus da Bíblia existe, a vida tem
sentido. Somente a segunda dessas duas alternativas capacita-nos a viver
felizes e coerentemente. Assim, tenho a impressão de que, mesmo se as
evidências dessas duas opções fossem absolutamente iguais, uma pessoa racional
escolheria o cristianismo bíblico. Parece-me decididamente irracional preferir
morte, futilidade e destruição da vida, em vez de uma vida com sentido e
felicidade. Como disse Pascal, não temos nada para perder e o infinito para
ganhar.
___________
Notas
7 Bertrand
Russell, carta a Observer,
06 de outubro de 1957.
8 Jean Paul
Sartre, “Portrait of the Antisemite”, in Existentialism from Dostoyevsky to
Sartre, ed. rev.,
org. Walter Kaufmann (Nova Iorque: New Meridian Library, 1975), p. 330.
9 Richard
Wurmbrand, Tortured for Christ (Londres: Hodder & Stoughton, 1967), p. 34
[publicado em português com o título Torturado por amor a Cristo. São Paulo: A. D.
Santos, 1998].
10 Ernst
Bloch, Das
Prinzip Hoffnung,
2.ed., 2 vols. (Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1959), 2:360-361
[publicado em português com o título O princípio esperança, 3 vols. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2005].
11 Loyal D. Rue,
“The Saving Grace of Noble Lies”, discurso à Academia Americana para o Avanço
da Ciência, fevereiro de 1991.
Fonte:Blog Fé racional on line
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