Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sábado, 4 de janeiro de 2014

O absurdo da vida sem Deus (2ª parte) – de William Lane Craig. Não deixe de ler!


Abaixo, a 2ª parte do texto O absurdo da vida sem Deus, que é de autoria de William Lane Craig.
(Publico propositalmente primeiro a 2ª parte e logo em seguida a 1ª, para ser mais fácil para o leitor fazer a leitura do texto inteiro.)

Como afirmo no início da 1ª Parte, este é um texto muito bom e excepcional que pode ajudar muito a quem, talvez, não saiba mais o que pensar diante de tantas informações diferentes, tantas opiniões e “verdades” que o “mundo” lhe oferece, e que tentam minar e destruir a sua fé em Deus. Essas "verdades" são, na maioria dos casos, grandes "mentiras"...!

Gostaria muito que os jovens pudessem conhecer este texto. Penso sobretudo na juventude de hoje, nossos filhos e filhas, que são ‘presas’ fáceis da manipulação ideológica nos centros universitários e acadêmicos, e nas rodas sociais, onde o relativismo moral e “ateização” dos discursos a eles dirigidos tentam ridicularizar - aos seus olhos - o ato da fé religiosa (e da fé cristã em particular) em nome da liberdade, da independência, da modernidade, do progresso científico etc. E os jovens se deixam manipular, infelizmente!  Em troca de que? – eis a indagação!!!

Como disse anterirmente, este texto já é conhecido, pois foi  publicado em diversoas sites e blogs, porém, para quem nunca o leu – pode ser como ‘descobrir um tesouro”!   É comprido – sim, mas – em contrapartida - fornece mais conteúdo precioso! Leia até o fim, divida em partes, volte a continuar a leitura. Vale a pena! E se achar justo - ajude a  divulgar!

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O absurdo da vida sem Deus
William Lane Craig
William Lane Craig é um teólogo e filósofo analítico estadunidense, conhecido por seu trabalho na Filosofia da Religião. Atua como professor e pesquisador de filosofia na Escola de Teologia Talbot em La Mirada, Califórnia. Nascimento23 de agosto de 1949, East Peoria, Illinois, Estados Unidos.



Originalmente publicado como: "The Absurdity of Life withut God". Texto disponível na íntegra em:www.reasonablefaith.org
Traduzido por Marcos Vasconselos. Revisado por Djair Dias Filho.

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2ª parte

O valor da vida

Abordamos agora o problema do valor. É aqui que ocorre a incoerência mais flagrante. Antes de tudo, os humanistas ateus são totalmente incoerentes quando defendem os valores tradicionais de amor e fraternidade. É com acerto que Camus tem sido criticado pela sua incoerência em prender-se tanto ao absurdo da vida como à ética do amor e da fraternidade humanos. Os dois são logicamente incompatíveis. Bertrand Russell também foi incoerente. Conquanto fosse ateu, era crítico social declarado, denunciando a guerra e as restrições à liberdade sexual. Russell admitia que não poderia viver como se os valores éticos fossem mera questão de gosto pessoal e, portanto, achava suas próprias visões “inacreditáveis”. “Não sei a solução”, confessava.7  A dificuldade é que, se Deus não existe, não pode existir certo e errado objetivos. Como declarou Dostoiévski: “Tudo é permitido”.

Mas Dostoiévski mostrou também que o homem não pode viver dessa maneira. Não pode viver como se fosse perfeitamente certo soldados matarem crianças inocentes. Não pode viver como se fosse certo que ditadores, como Pol Pot, exterminassem milhões de seus próprios compatriotas. Tudo no homem denuncia esses atos como errados, absolutamente errados. Mas, se Deus não existe, o homem não tem por que reclamar. Por isso, ele dá um salto de fé e, de qualquer forma, defende a existência de valores. Agindo assim, ele revela a insuficiência de um mundo sem Deus.

O horror a um mundo desprovido de valores tornou-se patente para mim com maior intensidade alguns anos atrás ao assistir no canal de televisão da BBC a um documentário denominado “The Gathering” [A reunião]. A reportagem documenta uma reunião, em Jerusalém, de sobreviventes do Holocausto, na qual reencontram amizades perdidas e partilham suas experiências. Uma prisioneira enfermeira contou como a fizeram de ginecologista em Auschwitz. Ela percebeu que as grávidas tinham sido reunidas num grupo por soldados comandados pelo Dr. Mengele e alojadas nos mesmos barracões. Depois de algum tempo, notou que não via mais nenhuma daquelas mulheres. Ela passou a investigar. “Onde estão as grávidas que estavam alojadas naqueles barracões?”. “Você não ouviu?”, responderam-lhe. “Dr. Mengele usou-as para vivissecção”.

Outra mulher descreveu como Mengele lhe enfaixara os seios para que ela não pudesse amamentar seu recém-nascido. O doutor queria saber quanto tempo um recém-nascido sobrevive sem se alimentar. Desesperada, a pobre mãe tentou manter seu bebê vivo dando-lhe pedacinhos de pão embebidos em café, mas era inútil. Cada dia a criança perdia peso, fato monitorado avidamente pelo Dr. Mengele. Uma enfermeira procurou a mulher em segredo e disse-lhe: “Veja, arranjei um jeito de você dar o fora daqui, mas não poderá levar o bebê consigo. Trouxe uma injeção de morfina para que aplique na criança e lhe tire a vida”. Quando a mulher protestou, a enfermeira foi insistente: “Olhe, de qualquer maneira, a criança vai morrer. Pelo menos salve a si mesma”. E, assim, essa mãe tirou a vida do próprio bebê. Dr. Mengele ficou furioso quando soube do ocorrido, porque tinha perdido seu espécimen experimental; procurou, então, entre os mortos o cadáver descartado da criança para realizar uma última pesagem.

Meu coração ficou dilacerado por causa desses relatos. Certo rabino que sobreviveu ao campo de concentração resumiu tudo muito bem quando disse que, em Auschwitz, era como se existisse um mundo no qual todos os Dez Mandamentos fossem invertidos. A humanidade jamais vira tamanho inferno.

Todavia, se Deus não existe, então, em certo sentido, o nosso mundo é Auschwitz: não existe absolutamente certo e errado; tudo é permitido. Mas nenhum ateu, nenhum agnóstico, consegue viver coerentemente com essa visão. O próprio Nietzsche, que proclamou a necessidade de viver para além do bem e do mal, rompeu com o seu mentor, Richard Wagner, exatamente por causa do antissemitismo e nacionalismo germânico exacerbados desse compositor. Sartre, igualmente, ao escrever na esteira da II Guerra Mundial, condenou o antissemitismo, declarando que uma doutrina que leva ao extermínio não é mera questão de opinião e gosto pessoal, com igual valor a seu oposto.8  Em seu importante artigo “O existencialismo é um humanismo”, Sartre luta inutilmente para esquivar-se da contradição entre a sua negação de valores divinamente preestabelecidos e seu insistente desejo de defender a existência de valores das pessoas humanas. À semelhança de Russell, ele não conseguiria viver com as implicações da própria negação de absolutos éticos.

Um segundo problema é que, se Deus não existe e não há imortalidade, todas as maldades praticadas pelos homens ficam impunes e todos os sacrifícios dos homens bons, sem recompensa. Mas quem consegue viver com tal perspectiva? Richard Wurmbrand, que, por causa da sua fé, foi torturado nas prisões comunistas, conta:

É difícil de acreditar na crueldade do ateísmo, no qual o homem não tem fé na recompensa do bem nem no castigo do mal. Não há razão para ser humano. Não há limites para as profundezas do mal que há no homem. Os torturadores comunistas diziam sempre: “Não há Deus, não há vida futura, não há castigo para o mal. Podemos fazer o que quisermos”. Certa vez ouvi um torturador dizer: “Dou graças a Deus, em quem não creio, por ter vivido até agora, quando posso expressar toda a maldade do meu coração”. Ele a expressava com brutalidade e tortura inacreditáveis infligidas aos prisioneiros.9

O mesmo se aplica aos atos de autossacrifício. Alguns anos atrás, houve um terrível acidente aéreo em pleno inverno no qual um avião vindo do aeroporto de Washington, D.C. (EUA), chocou-se com uma ponte sobre o rio Potomac, lançando seus passageiros na água gelada. Ao chegarem os helicópteros de resgate, chamou-se a atenção para um homem que sempre empurrava a escada de cordas para os outros passageiros em vez de ele mesmo ser puxado para a segurança do helicóptero. Por seis vezes ele passou a escada adiante. Quando o resgate retornou, ele já partira. Ele havia dado gratuitamente a vida para que outros pudessem viver. O país inteiro voltou os olhos para esse homem com respeito e admiração por causa da atitude altruísta e bondosa que ele realizara. Mas, se o ateu estiver certo, esse homem não agiu com nobreza; antes, fez a coisa mais estúpida que se podia fazer. Ele devia ter sido a primeiro a subir pela escada, afastando os outros, se necessário, para que pudesse sobreviver. Mas morrer por outros que ele sequer conhecia, abrir mão de toda a breve existência que poderia ter, para quê? Para o ateu, não pode haver nenhuma razão. E, todavia, o ateu, como o restante de nós, reage louvando a ação desprendida daquele homem. De fato, provavelmente nunca será possível algum ateu que viva de modo coerente com o seu sistema. Porque um universo em que não existe responsabilidade moral, sendo desprovido de valores, é inimaginavelmente terrível.

O propósito da vida

Finalmente, vamos examinar o problema do propósito da vida. A única maneira de quem nega a existência de propósito na vida levar uma vida feliz é criar algum propósito passo a passo — o que redunda em autoengano, como vimos em Sartre — ou deixar de levar a própria visão às suas conclusões lógicas. Considere-se o problema da morte, por exemplo. De acordo com Ernst Bloch, o único modo de o homem moderno viver diante da morte é tomando emprestada de modo subconsciente a crença na imortalidade na qual seus antepassados se apegavam, apesar de ele mesmo não ter fundamento nenhum para isso, porquanto não acredita em Deus. Ao tomar emprestados os resíduos de uma crença na imortalidade, escreve Bloch, “o homem moderno não percebe o precipício que o rodeia e que, com certeza, no final o tragará. Por meio desses resíduos, ele preserva seu senso de autoidentidade e deles surge a impressão de que o homem não está perecendo, mas somente que algum dia o mundo caprichosamente não lhe aparecerá mais”. Bloch conclui: “Essa coragem bastante rasteira vai às compras com um cartão de crédito emprestado. Vive à custa das esperanças antigas e do amparo que outrora concediam”.10  O homem moderno não tem mais nenhum direito a esse amparo, já que rejeita a Deus. Mas, para viver a vida com um propósito, ele dá um salto de fé a fim de assegurar uma razão para viver.

Quase sempre encontramos a mesma inconsistência entre os que defendem que o homem e o universo vieram à existência sem nenhuma razão ou propósito, mas exclusivamente por acaso. Incapazes de viverem num universo impessoal, em que tudo é resultado do mero acaso, tais pessoas passam a atribuir personalidade e motivos aos próprios processos físicos. É um modo bizarro de falar e de representar o salto do andar de baixo para o de cima. Por exemplo, Francis Crick mais ou menos na metade de seu livro The Origin of the Genetic Code [A origem do código genético] passa a grafar natureza com a inicial maiúscula “N”, e por todo o livro refere-se à seleção natural como sendo “inteligente”, como se “pensasse” naquilo que fará. O astrônomo inglês Fred Hoyle atribui ao universo as qualidades de Deus. Para Carl Sagan, o “Cosmos”, que ele escreve sempre com inicial maiúscula, cumpre obviamente o papel de Deus-substituto. Embora todos esses homens professem não crer em Deus, contrabandeiam um Deus-substituto pela porta dos fundos, porque não suportam viver em um universo em que tudo é o resultado casual de forças impessoais.

Além disso, é interessante ver muitos pensadores traírem suas visões quando são forçados às conclusões lógicas delas. Por exemplo, certas feministas fizerem uma tempestade de protestos contra a psicologia sexual freudiana, pois é machista e degradante para as mulheres. Por isso, alguns psicólogos cederam e alteraram suas teorias. Ora, isso é totalmente inconsistente. Se a psicologia freudiana fosse mesmo verdadeira, não importa se é degradante para as mulheres. Não se pode mudar a verdade por não se gostar daquilo a que ela leva. Mas as pessoas não conseguem viver de modo consistente e feliz num mundo no qual outras pessoas são desvalorizadas. Mas se Deus não existe, ninguém tem valor algum. Somente se Deus existir será possível apoiar coerentemente os direitos das mulheres. Porque, se Deus não existe, a seleção natural determina que o macho da espécie é o elemento dominante e agressivo. A mulher teria o mesmo direito que uma cabra ou uma ave o têm. Na natureza, seja como for, tudo está certo. Mas quem consegue viver de acordo com essa perspectiva? Evidentemente, nem mesmo os psicólogos freudianos, que traem as suas teorias ao ser empurrados para as conclusões lógicas a que elas levam.

Ou considere-se o behaviorismo sociológico de homens como B. F. Skinner. A sua visão resulta no tipo de sociedade vislumbrada no livro 1984, de George Orwell, em que o governo programa e controla a mente de todos. Se as teorias de Skinner estiverem certas, não se pode fazer objeção ao fato de as pessoas serem tratadas como os ratos na caixa de ratos de Skinner, ao abrirem caminho através de seus labirintos atraídos por comida e impulsionados por choques elétricos. De acordo com Skinner, de qualquer forma, todas as nossas ações são determinadas. E, se Deus não existe, não se pode fazer nenhuma objeção moral contra esse tipo de programação, porque o homem não é em termos qualitativos diferente de um rato, uma vez que os dois são apenas matéria mais tempo mais acaso. Novamente, quem consegue viver de acordo com uma visão tão desumanizadora?

Ou, finalmente, considere-se o determinismo biológico de homens como Francis Crick. A conclusão lógica é que o homem não passa de outro espécime qualquer de laboratório. O mundo ficou horrorizado ao saber que, em campos de concentração como o de Dachau, os nazistas usavam os prisioneiros para realizar experiências médicas em seres humanos. Mas por que não? Se Deus não existe, não pode haver nenhuma objeção ao uso de pessoas como cobaias humanas. O fim dessa visão resulta no controle populacional, em que os fracos e indesejados são exterminados para abrir espaço para os mais fortes. Mas só será possível protestarmos coerentemente contra essa visão se Deus existir. Somente se Deus existir pode haver propósito na vida.

O dilema do homem moderno é, portanto, realmente terrível. Na medida em que ele nega a existência de Deus e a objetividade de valor e propósito, esse dilema continua irremediável também para o homem “pós-moderno”. De fato, é precisamente a consciência de que o modernismo resulta inevitavelmente no absurdo e no desespero que compõem a aflição do pós-modernismo. Em alguns aspectos, o pós-modernismo é apenas a consciência da ruína da modernidade. A visão de mundo ateísta é insuficiente para manter uma vida feliz e coerente. O homem não pode viver de modo coerente e feliz, como se, em última análise, a vida não tivesse sentido, valor ou propósito. Se tentarmos viver de maneira coerente segundo a cosmovisão ateísta, nos veremos profundamente infelizes. Se, em vez disso, conseguirmos viver felizes, será somente por desmentir nossa cosmovisão.

Confrontado por esse dilema, o homem debate-se tristemente procurando algum modo de escapar. Em célebre discurso à Academia Americana para o Avanço da Ciência, em 1991, Dr. L. D. Rue, desafiado pela difícil situação do homem moderno, teve a ousadia de advogar que devíamos nos enganar com alguma “Mentira Nobre” que nos faça pensar que nós e o universo ainda temos valor.11 Com a alegação de que “os últimos dois séculos nos ensinam que o relativismo intelectual e moral são a única opção”, Dr. Rue imagina em seu devaneio que, em consequência dessa compreensão, a busca do homem pela plenitude pessoal (ou autorrealização) e a procura pela coerência social tornam-se independentes uma da outra. É assim porque, segundo a perspectiva relativista, a busca da autorrealização torna-se radicalmente privatizada: cada um escolhe seu próprio conjunto de valores e de sentido. Se quisermos evitar “a opção do manicômio”, pela qual se procura alcançar a autorrealização a despeito da coerência social, e “a opção totalitária”, pela qual tal coerência é imposta à custa da integridade pessoal, então, não temos escolha senão adotar alguma Mentira Nobre que nos inspire a viver além de interesses egoístas e assim alcancemos a coerência social. Mentira Nobre “é aquela que nos engana, nos ilude, nos compele a viver além do interesse em nós mesmos, além do próprio eu, de família, nação [e] raça”. É uma mentira porque nos diz que o universo está carregado de valor (o que é uma grande ficção), porque apela a uma verdade universal (apesar de não existir nenhuma) e porque nos impele a não viver pelo interesse em nós mesmos (o que é notoriamente falso). “Mas, sem essas mentiras, não conseguimos viver”.

É esse o veredicto que paira sobre o homem moderno. Para sobreviver, ele tem de viver em autoengano. Até mesmo a Mentira Nobre, no final, é impraticável. Para ser feliz, é preciso acreditar em sentido, propósito e valor objetivos. Como é possível acreditar nessas Mentiras Nobres e, ao mesmo tempo, acreditar no ateísmo e no relativismo? Quanto mais se está convencido da necessidade de uma Mentira Nobre, menos se acredita nela. Semelhante ao placebo, a Mentira Nobre só funciona em quem acredita que ela é verdadeira. Tão logo se perceba a ficção, a mentira perde seu poder sobre nós. Assim, ironicamente, a Mentira Nobre não é capaz de resolver a enrascada humana para quem perceba essa situação embaraçosa.

A Mentira Nobre, portanto, na melhor hipótese, leva à sociedade em que um grupo elitista de illuminati, em benefício próprio, engana as massas com a perpetuação da Mentira Nobre. Por que, então, os iluminados que há entre nós seguem as massas enganadas? Por que deveríamos sacrificar o interesse pessoal em troca de uma ficção? Se a grande lição dos dois últimos séculos é o relativismo moral e intelectual, então, por que (se nos fosse possível) fingimos que não conhecemos tal verdade e, por isso, vivemos uma mentira? Se responderem: “por causa da coerência social”, seria legítimo perguntar por que deveria eu sacrificar meu interesse próprio em favor da coerência social? A única resposta que o relativista pode dar é que a coerência social está em meu interesse próprio. Mas o problema dessa resposta é que o interesse próprio e o interesse do grupo nem sempre coincidem.

Além disso, se (por causa do interesse próprio) eu realmente ligo para a coerência social, a opção totalitária está sempre à minha disposição: esqueçam a Mentira Nobre e preservem a coerência social (como também minha autorrealização) à custa da integridade pessoal das massas. Sem dúvida, Rue consideraria essa opção repugnante. Aí está a dificuldade. É evidente que o dilema de Rue está em sua valorização profunda tanto da coerência social quanto da integridade pessoal por si próprias. Noutras palavras, elas são valores objetivos que, segundo essa filosofia, nem mesmo existem. Ele já deu um salto para o andar de cima. Assim, a opção da Mentira Nobre afirma aquilo que nega e, logo, contradiz a si mesma.

O sucesso do cristianismo bíblico

Se o ateísmo é um fracasso nesse sentido, o que dizer do cristianismo bíblico? De acordo com a cosmovisão cristã, Deus existe, e a vida do homem não termina na sepultura. No corpo ressurreto, o homem poderá gozar da vida eterna e da comunhão com Deus. O cristianismo bíblico, portanto, proporciona ao homem as duas condições necessárias a uma vida com sentido, valor e propósito: Deus e imortalidade. Por causa desses dois, podemos viver de maneira coerente e feliz. Então, o cristianismo bíblico é vitorioso exatamente no ponto em que o ateísmo fracassa.

Conclusão

Quero, agora, deixar claro que ainda não demonstrei que o cristianismo bíblico é verdadeiro. O que fiz foi explicitar as alternativas. Se Deus não existe, a vida é fútil. Se o Deus da Bíblia existe, a vida tem sentido. Somente a segunda dessas duas alternativas capacita-nos a viver felizes e coerentemente. Assim, tenho a impressão de que, mesmo se as evidências dessas duas opções fossem absolutamente iguais, uma pessoa racional escolheria o cristianismo bíblico. Parece-me decididamente irracional preferir morte, futilidade e destruição da vida, em vez de uma vida com sentido e felicidade. Como disse Pascal, não temos nada para perder e o infinito para ganhar.
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Notas

7 Bertrand Russell, carta a Observer, 06 de outubro de 1957.
8 Jean Paul Sartre, “Portrait of the Antisemite”, in Existentialism from Dostoyevsky to Sartre, ed. rev., org. Walter Kaufmann (Nova Iorque: New Meridian Library, 1975), p. 330.
9 Richard Wurmbrand, Tortured for Christ (Londres: Hodder & Stoughton, 1967), p. 34 [publicado em português com o título Torturado por amor a Cristo. São Paulo: A. D. Santos, 1998].
10 Ernst Bloch, Das Prinzip Hoffnung, 2.ed., 2 vols. (Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1959), 2:360-361 [publicado em português com o título O princípio esperança, 3 vols. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005].
11 Loyal D. Rue, “The Saving Grace of Noble Lies”, discurso à Academia Americana para o Avanço da Ciência, fevereiro de 1991.




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