Acho muito interessante essa
pequena reportagem, abaixo, que nos mostra um aspecto importante da vida do
mártir dom Óscar Romero: os traços da sua profunda espiritualidade. Vale a pena
conhecer.
A matéria foi publicada no início do mês de junho de 2014, no site do
Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
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IHU-Notícias
Segunda,
02 de junho de 2014.
A Palavra de Deus faz doer.
Um encontro com Oscar Romero
Procurando beber da rica espiritualidade
latino-americana, o CJCIAS/CEPAT promoveu um dia de reflexão e aprofundamento
na espiritualidade de Óscar Romero, o São Romero das Américas. O
encontro ocorreu no dia 31 de maio, na Casa do Trabalhador, cumprindo com a programação do Projeto Rezar com os Místicos que, nesse ano, volta-se para grandes
exemplos de vivência cristã na América-Latina.
Foi um rico momento de interiorização da força
profética de Romero, de seu compromisso com os pobres e da sua coragem
de ir até as últimas consequências por seu compromisso com os autênticos
valores evangélicos. O padre jesuíta Rogério Mosimann da Silva, do Núcleo
de Irradiação da Espiritualidade Inaciana - Pelotas-RS, que possui um
aprofundado estudo sobre o bispo de El Salvador, foi quem assessorou nesse
belíssimo dia de reflexão.
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da
equipe do CJCIAS/CEPAT.
Sobre o encontro
A partir dos estudos das
homilias de Romero e de sua fecunda participação na vida de seu povo,
padre Rogério entende que o critério central na atuação do bispo de El
Salvador foi o bem dos pobres. Romero sempre foi um homem muito sério,
comprometido com os seus ideais, contudo, para sua grande guinada em favor dos
direitos humanos foi fundamental ter experimentado a dor do martírio do padre
jesuíta Rutilio Grande, seu amigo, passando a enxergar a tremenda
injustiça que seu povo vivia diante da repressão daqueles que mantinham o poder
em mãos. Em fins dos anos 1970, a partir de sua prática pastoral evangélica, Romero
sintoniza-se com a fecunda e vívida teologia da libertação produzida no
continente latino-americano. No núcleo central da espiritualidade proveniente
dessa caminhada sempre esteve presente o princípio básico de que Deus se
revela nos pobres e que, portanto, o encontro com Deus se dá a partir do
encontro com os pobres. Como bem frisou o salvadorenho Jon Sobrino, grande teólogo da libertação, fora dos pobres não
há salvação.
Padre Rogério enfatizou
que, nesse momento, em que tanto se fala da possível canonização de Romero,
precisamos fugir da armadilha de uma falsa memória desse pastor. Nesse sentido,
não se deve admitir uma memória branda ou intimista de Romero. Para não
trair a memória de Romero, devemos entendê-lo vinculado à caminhada da Igreja
latino-americana, encarnado na história e vida do povo salvadorenho, que teve
muitos dos seus dizimados pela repressão.
Dom Romero foi
assassinado no dia 24 de março de 1980, quando celebrava uma missa na capela do
Hospital da Divina Providência, vítima da violência daqueles que
renunciam a paz e usam da força para manipularem e dominar o povo.
Durante o encontro, o
pe. Rogério Mosimann compartilhou trechos das pregações e depoimentos de
Romero, que são como faca cortante que fere todas as nossas pretensões
de buscar o caminho mais fácil, em detrimento do caminho da cruz, que é
condição para todos aqueles que ousam denunciar a idolatria do dinheiro e do
poder, em favor da vida para todos, sem distinção.
Abaixo, reproduzimos
algumas dessas frases do grande Óscar Romero, que fortalecido pelo Espírito
de Deus viveu autenticamente a fé cristã. Que a memória desse mártir, que
ousou sonhar e lutar por um caminho de paz e justiça para o seu povo, jamais
seja esquecida. Romero vive em seu povo!
- “A palavra fica. E
este é o grande consolo de quem prega. Minha voz desaparecerá, mas minha
palavra, que é Cristo, permanecerá nos corações que quiseram acolhê-lo”.
(17-12-1978)
- “Além da leitura da Bíblia,
que é Palavra de Deus, um cristão fiel a essa Palavra tem de ler
também os sinais dos tempos, os acontecimentos, para iluminá-los com essa Palavra”.
(30-10-1977)
- “Um Evangelho
que não leva em conta os direitos das pessoas, um cristianismo que não constrói
a história da terra não é a autêntica doutrina de Cristo, mas
simplesmente instrumento do poder. Lamentamos que, em algum momento, nossa Igreja
também tenha caído nesse pecado; entretanto, queremos revisar essa atitude e,
de acordo com essa espiritualidade autenticamente evangélica, não queremos ser
fantoches dos poderes da terra, mas queremos ser a Igreja que leva o Evangelho
autêntico, corajoso, de nosso Senhor Jesus Cristo, mesmo quando seja
necessário morrer com ele, numa cruz”. (27-11-1977)
- “Irmãos, não meçamos o
valor da Igreja pela quantidade de gente, nem pelos seus edifícios
materiais. A Igreja construiu muitos templos, muitos seminários. Porém o
que importa são vocês, as pessoas, os corações, a graça de Deus
dando-lhes a verdade e a vida de Deus. Não se mede a Igreja por
multidões, mede-se pela sinceridade de coração com que seguem esta verdade e
esta graça de nosso Divino Redentor”. (19-12-1977)
- “Há um critério para
saber se Deus está perto de nós ou se está longe: todo aquele que se
preocupa com o faminto, com o maltrapilho, o pobre, o desaparecido, o
torturado, o prisioneiro, com todos esses corpos que sofrem, está perto de Deus.
“Chamarás o Senhor e Ele te escutará”. A religião não consiste em rezar
muito. A religião consiste nessa garantia de ter meu Deus perto de mim porque
faço o bem aos meus irmãos. A garantia de minha oração não está em dizer muitas
palavras; a garantia de minha prece é muito fácil de conhecer: como me comporto
com o pobre? Porque ali está Deus”. (05-02-1978)
- “A Igreja quer
isso: inquietar as consciências, provocar crise no momento atual. Uma Igreja
que não provoca crise, um Evangelho que não inquieta, uma Palavra de
Deus que não faz doer na pele – como se diz vulgarmente -, uma Palavra
de Deus que não mexe no pecado concreto da sociedade em que se está
anunciando, que Evangelho é esse? Considerações piedosas, muito bonitas,
que não incomodam ninguém, assim muitos gostariam que fosse a pregação. E
aqueles pregadores que, para não se incomodarem, para não terem conflitos e
dificuldades, evitam tudo o que é espinhoso, não iluminam a realidade em que se
vive... O Evangelho corajoso é a Boa Nova que veio tirar os pecados do
mundo”. (16-04-1978)
- “Um cristão que se
alimenta com a comunhão eucarística, em que sua fé lhe diz que, com isso,
une-se à vida de Cristo, como pode viver idólatra do dinheiro, idólatra
do poder, idólatra de si mesmo, o egoísmo? Como pode ser idólatra um cristão
que comunga? Pois, queridos irmãos, há muitos que comungam e são idólatras”.
(28-05-1978)
- “Esta é a missão da Igreja:
despertar, como estou fazendo neste momento, o sentido espiritual de sua vida,
o valor divino de suas ações humanas. Não percam isso, queridos irmãos. É o que
a Igreja oferece às organizações, à política, à industria, ao comércio,
aos que trabalham por dia, à dona do mercadinho, a todos a Igreja leva
esse serviço de promover o dinamismo espiritual”. (28-08-1978)
- “Queridos irmãos,
sobretudo vocês, meus queridos irmãos, que me odeiam; vocês, meus queridos
irmãos, que creem que estou pregando a violência e me caluniam e sabem que não
é verdade; vocês, que têm as mãos manchadas de crime, de tortura, de agressão,
de injustiça: convertam-se! Quero-lhes muito, dão-me pena, porque vão por
caminhos de perdição”. (10-09-1978)
- “A Igreja dos
pobres é um critério de autenticidade porque não é uma Igreja classista.
Não significa desprezar os ricos, mas dizer aos ricos que, se não transformarem
seu coração em coração pobre, não poderão entrar no Reino de Deus. O
verdadeiro pregador de Cristo é a Igreja dos pobres, para
encontrar na pobreza, na miséria, na esperança daquele que reza na favela, na
dor, no não ser escutado, um Deus que ouve, e somente aproximando-se
dessa voz pode-se sentir também Deus”. (05-11-1978)
- “A pobreza da Igreja
não poderá ser mais autêntica e eficaz do que quando verdadeiramente não
depende nem busca o socorro dos poderosos, o amparo dos poderes; não faça a
evangelização consistir em ter poder, mas em ser evangélica e santa; em
apoiar-se no pobre que, com sua pobreza, enriquece”. (10-07-1979)
Fonte:IHU - Notícias
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