Mais um
artigo esclarecedor e muito útil sobre a Copa 2014 no Brasil, que foi publicado
recentemente também no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Um olhar
crítico, porém, bem itencionado, pode ajudar muito na elaboração de uma opinião
justa e responsável sobre essa questão.
Vale a
pena ler.
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IHU
– Notícias
Quarta,
4 de junho de 2014.
Vai ter Copa, mas a
que custo?
Faltam poucos dias para o início da Copa do Mundo no Brasil, mas fora de campo, outra disputa já está a pleno
vapor: a que diz respeito à popularidade do evento entre os brasileiros.
O artigo é de André Antunes,
publicado por EcoDebate, 30-05-2014.
Eis o artigo
Segundo pesquisa
do instituto Datafolha divulgada em abril, 55%
dos entrevistados acreditam que a Copa trará mais prejuízos que
benefícios, a primeira vez desde 2008 que esse percentual supera o de pessoas
que acreditam que os benefícios da Copa serão maiores que seus prejuízos.
Por sua vez, o
número de pessoas contrárias ao evento cresceu, no período, de 10% para 41% dos
entrevistados. Outra pesquisa, realizada pela Confederação Nacional dos
Transportes (CNT), de fevereiro deste ano, apontou que 50,7%
dos entrevistados não apoiariam a candidatura do Brasil caso a escolha fosse
hoje.
De olho nas
pesquisas, a Secretaria Geral da Presidência da República
lançou, também em abril, uma cartilha em que argumenta que a Copa
trará inúmeros benefícios ao país, entre eles crescimento do número de vagas de
empregos, aumento no fluxo de turistas durante o evento, etc.
Do outro lado
dessa disputa, movimentos sociais também resolveram lançar cartilhas para
contrapor-se aos argumentos do governo, como foi o caso do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Falta de transparência nos gastos públicos, ameaça de militarização e
aumento da repressão durante a Copa estão entre as principais causas de
apreensão desses grupos.
Gastos
não contabilizados
Talvez o assunto
que tenha gerado mais indignação desde o anúncio do Brasil como país-sede da
Copa 2014, os gastos públicos para a realização do evento, de acordo com a Matriz de
Responsabilidades – cuja última atualização foi em setembro do
ano passado – giram em torno de R$ 25 bilhões.
No entanto, na
cartilha ‘Copa para quem? Quem vai pagar a conta?’, o Pacs
defende que a Matriz de Responsabilidades não
apresenta a conta toda, citando como exemplo de gastos que não constam nas
contas oficiais as isenções fiscais concedidas à Fifa,
suas subsidiárias, parceiras comerciais e prestadores de serviços.
Essas,
inclusive, vinham sendo acompanhadas pelo Ministério Público Federal, que
entrou com ações questionando a constitucionalidade de artigos de leis criadas
para atender às garantias dadas pelo governo brasileiro à Fifa quando da
escolha do país como seda da Copa, em 2007.
Uma delas foi
analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no
início de maio. Por dez votos a um, os ministros do STF
julgaram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4976,
que questionava artigos da Lei Geral da Copa (lei 12.663/12) que, entre outras medidas, responsabilizam a União
por prejuízos causados à Fifa por terceiros e por fenômenos
da natureza durante o evento.
O relator do
processo, ministro Ricardo Lewandowski, que votou pela
improcedência da ação, justificou-se afirmando que o compromisso de sediar a
Copa foi assumido “livre e soberanamente” pelo Brasil à época de sua
candidatura, e entre as garantias prestadas pelo país “figura a
responsabilidade por eventuais danos decorrentes do evento”.
Em sua cartilha,
o Pacs também alerta para outros custos com o evento que
não integram as contas oficiais, como os relacionados às estruturas temporárias
que serão construídas nas cidades-sede durante a Copa para as chamadas Fan Fest
da Fifa.
Segundo o Pacs,
durante a Copa das Confederações as seis cidades-sede do evento gastaram,
juntas, mais de R$ 200 milhões com essas estruturas. Essa questão também vem se
dando nas instâncias judiciais: os Ministérios Públicos dos estados
que receberam os jogos entraram na Justiça pedindo que a Fifa
devolva esse dinheiro às cidades-sede; uma ação do MPF,
por sua vez, pede que a Fifa arque com as despesas com
estruturas temporárias durante a Copa do Mundo, valor que o MPF
estima em R$ 600 milhões.
Benefícios
ou prejuízos?
O governo
apresenta dados para justificar os gastos, afirmando que eles serão compensados
pela renda gerada pela Copa. Na cartilha ‘O que o
Brasil já ganhou com a Copa’, argumenta que a projeção é que o
evento gere um adicional de R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro, com base em estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da
Universidade de São Paulo (Fipe/USP) e do Ministério
do Turismo. Ainda segundo a cartilha do governo, os cerca de 3
milhões de turistas brasileiros e 600 mil de estrangeiros devem ser
responsáveis por movimentar em torno de R$ 25 bilhões durante a realização do
torneio.
O Pacs
coloca dúvidas sobre os números, citando, na cartilha ‘Copa
para quem? Quem vai pagar a conta?’, o trabalho do professor Stefan
Szymanski, do Departamento de Economia do Esporte da Universidade
de Michigan, nos Estados Unidos, que fez uma análise da
economia de 20 países que sediaram Copas do Mundo e Olimpíadas entre 1972 e
2002.
No artigo ‘The
Economic Impact of the World Cup’, Szymanski
escreve que, ao contrário do que pregam os organizadores, há inúmeros trabalhos
científicos mostrando que o impacto econômico dos grandes eventos é geralmente
muito pequeno. Ele aponta inclusive que as evidências sugerem que o crescimento
econômico desses países foi menor tanto no ano de realização do evento quanto
no ano posterior. “O que se vê é que os megaeventos não geram todo o impacto
econômico prometido. Em todos os países ocorre o mesmo: se promete um futuro
promissor para justificar os altos gastos, mas o retorno nunca é o esperado”,
conclui a publicação do Pacs.
“Coisas
da vida”
Depois de Ronaldo
Nazário causar polêmica ao afirmar, diante da indignação
popular gerada pelos gastos com estádios da Copa em contraste com os recursos destinados a serviços públicos durante as
manifestações de junho, que “não se faz Copa do Mundo com hospital”,
foi a vez de Pelé contribuir com uma pérola de
sua autoria para o rol de frases infelizes ditas por ídolos do futebol
brasileiro no contexto da preparação para o Mundial.
Uma semana
depois da morte do operário Fábio Hamilton da Cruz em um
acidente nas obras do Estádio Itaquerão, em São Paulo, o
Rei do Futebol afirmou a repórteres que acidentes desse
tipo são “coisas da vida”. Desde então, mais um trabalhador morreu em obras de
estádios da Copa: no dia 8 de maio, Mohamed Ali Maciel Afonso
sofreu uma descarga elétrica na Arena Pantanal, em Cuiabá. Agora,
são nove os trabalhadores mortos em obras de estádios da Copa.
Em um artigo
intitulado ‘A Copa já era!’, publicado no blog do jornalista
esportivo Juca Kfouri, o professor de direito do trabalho da Universidade
de São Paulo (USP) e juiz do trabalho Jorge
Luiz Souto Maior defende que as mortes de operários –
juntamente com as inúmeras greves que ocorreram nas obras da Copa – jogaram luz
sobre a precariedade das condições de trabalho dos operários da construção
civil no Brasil.
Para ele, a
maior parte dos problemas enfrentados pelos trabalhadores nas obras da Copa
está ligada ao processo de terceirização dessa força de trabalho. “Nas obras o
que se viu e se vê – embora não seja visto pelo Ministério do Trabalho e
Emprego – são processos de terceirização e quarteirização, sem uma oposição
institucional, que, por consequência, produz o legado de grave retrocesso sobre
o tema, que tende a se estender, perigosamente, para o período posterior à
Copa”.
E as violações
de direitos dos trabalhadores não se restringem à construção civil. Para muitos
trabalhadores ambulantes, a Copa vai significar uma impossibilidade de
trabalhar durante todo o período de realização do evento. Sete das 12
cidades-sede já publicaram decretos estabelecendo áreas de restrição comercial
ao redor dos locais de evento. Os decretos vêm para regulamentar o artigo 11 da
Lei Geral da Copa, que garante à Fifa
e seus parceiros comerciais exclusividade sobre o comércio de rua num perímetro
de até dois quilômetros ao redor dos Locais Oficiais de Competição.
Juliana
Machado, do Comitê Popular da Copa de São Paulo,
alerta que essa restrição não se limita aos arredores dos estádios onde serão
jogadas as partidas da Copa. “Na verdade, a Lei Geral
da Copa prevê até dois quilômetros em cada local de evento. Em
São Paulo, por exemplo, a gente vai ter um congresso da Fifa nos dias 10 e 11
de junho, que vai acontecer num centro de convenções na zona sul. Isso também é
local de evento. A Fan Fest no Anhangabaú,
com a exibição pública em telões, também é local de evento”, enumera.
Segundo ela,
entre as regalias concedidas à Fifa durante o evento figura também
a prerrogativa de pedir o fechamento de vias públicas em todas as cidades-sede.
“Os trabalhadores ambulantes estão sendo proibidos de trabalhar e a Polícia
Militar e a guarda civil metropolitana são responsáveis por garantir essa
proibição. Semana passada tivemos uma trabalhadora ambulante no centro de São
Paulo que foi espancada pela polícia por estar vendendo bonecos de pelúcia do
mascote da Fifa. Temos visto isso acontecer cotidianamente”,
denuncia Juliana.
O respeito aos direitos
dos trabalhadores é uma das reivindicações presentes no documento ‘Na Copa vai
ter luta’, assinado por organizações sindicais e movimentos sociais como a CSP
Conlutas, Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef),
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
(Andes-SN), Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc)
e Movimento Mulheres em Luta (MML), entre outros, no dia
1° de maio.
Na carta, as
entidades prometem realizar manifestações em várias cidades-sede durante o mês
da Copa para reivindicar, entre outras pautas, algumas
demandas que estiveram presentes nas manifestações de junho de 2013, como a
destinação de 10% do PIB para a educação pública, de 10% do orçamento federal
para a saúde pública e a desmilitarização da Polícia Militar.
Militarização
e repressão
No entanto, ao
mesmo tempo em que prometem manifestações, os movimentos populares alertam para
os riscos relacionados à militarização da Copa do Mundo.
Na Matriz de Responsabilidades, estão previstos gastos da
ordem de R$ 1,9 bilhão para a segurança do evento, incluindo mais de RS 700
milhões para as Forças Armadas.
O governo
federal já anunciou que 57 mil homens do Exército, Aeronáutica e Marinha
deverão participar do esquema de segurança do evento. Ao todo, 180 mil agentes
serão destacados para fazer a segurança, um recorde na história das Copas.
“Desde o inicio
da preparação do Brasil para a Copa, essa militarização, a
multiplicação de tecnologias de vigilância e monitoramento e todo tipo de
investimento em segurança para a Copa e as Olimpíadas vêm sendo feitos. Boa
parte dos contratos dos governos federal, estaduais e municipais nas
cidades-sede envolve empresas israelenses de segurança. A tecnologia que vem
sendo experimentada na Palestina hoje vem sendo importada pelo Brasil como
tecnologias antidistúrbios”, aponta Juliana Machado.
“Ainda não ficou
claro qual é o inimigo, mas nos parece que o alvo é a própria população numa
lógica de guerra interna em que todos representam ameaças à segurança pública”,
critica.
O Instituto Políticas
Alternativas para o Cone Sul (Pacs) alerta, na cartilha ‘Copa
para quem?’, que, no final do ano passado, o Ministério
da Defesa publicou a portaria ‘Garantia da Lei e da Ordem’,
com instruções de como as Forças Armadas devem proceder
durante ações nas cidades.
A portaria lista
como “forças oponentes”, “movimentos ou organizações” que utilizam, como
estratégia de reivindicação, o “bloqueio de vias públicas de circulação”, a
“invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou
privadas”, a “paralisação de atividades produtivas”, e a “paralisação de
serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País”.
A portaria vai
ao encontro de dispositivos presentes em projetos de lei que passaram a
tramitar no Congresso Nacional após o início das manifestações de junho, e que
os movimentos sociais relacionam a uma tentativa de esvaziar as mobilizações
populares, em especial durante a Copa do Mundo. Exemplo disso são os
vários projetos que procuram tipificar o crime de terrorismo. O mais
polêmico deles, o PLS 728/2011, apresentado sob a
justificativa de incrementar a segurança durante a Copa,
previa pena de até 30 anos para quem “provocar terror ou pânico generalizado”.
Apelidado de AI-5 da Copa por movimentos sociais, o
projeto acabou abandonado. “Mas como acontece com frequência no Congresso,
quando um projeto de lei gera rejeição da opinião pública, ele acaba sendo
diluído em alterações pontuais em leis existentes, e é o que esta acontecendo
agora”, afirma Juliana, complementando: “O que está
prestes a ser votado é uma alteração no Código Penal: a pena aumenta para
lesão corporal, se for praticada em manifestações públicas, homicídio praticado
em manifestações aumenta, se estiver com rosto coberto e depredar patrimônio, a
pena aumenta”, explica.
Além disso, diz
ela, ainda tramitam no Congresso outros projetos que
procuram tipificar o crime de terrorismo. “Sabemos que o crime de terrorismo, quando for tipificado, vai ser feito de forma absolutamente genérica e
abstrata, porque todos eles tratam terrorismo como o ato de ‘promover ou
infundir terror ou pânico generalizado’. Isso é genérico. Os projetos ainda
criminalizam a paralisação de vias públicas e a ocupação de prédios, que são
formas históricas de os movimentos populares reivindicarem direitos. É evidente
que o alvo dessas leis é a luta popular”, denuncia.
Fonte:
IHU – Notícias
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