Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania uma entrevista muito interessante e
esclarecedora de Suzana
Camargo com o autor do livro “Lixo Zero – Gestão de resíduos sólidos para
uma sociedade mais próspera”, Ricardo Abramovay. A matéria, que foi publicada no mês de setembro
do ano 2013 no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), continua muito
atual.
Penso
que a questão do lixo urbano, do seu descarte e possível aproveitamento deveria
ser tratada nos dias de hoje com a maior urgência e seriedade tanto pelas
autoridades como pelas organizações comunitárias e sociais, e estar ‘incomodando’
a consciência de todo ser humano preocupado com o futuro das novas gerações.
“Lixo
Zero” é sobre esta ideia (e utopia!), que eu também já falei um pouco neste
blog (Por exemplo, “A questão de lixo
urbano. Por que não apostar na solução
radical?” - 31 de julho de 2012).
Vale
a pena conferir a entrevista.
WCejnog
IHU – Notícias
11 de setembro de 2013
Lixo Zero
A implantação de
uma política eficiente para a gestão de resíduos sólidos no Brasil é uma
discussão que vem mobilizando diversas entidades da sociedade civil,
preocupadas em solucionar um problema que só vem se avolumando em lixões e
aterros sanitários nas últimas décadas.
Para se debruçar
profundamente e apontar caminhos sobre o desafio imposto pela regulamentação da
Política Nacional dos Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, o Instituto Ethos, com apoio do Programa
CATA AÇÃO da Fundação Avina, convidaram pesquisadores do Núcleo de
Economia Socioambiental da USP para fazer um estudo sobre o
assunto.
O resultado
dessa pesquisa está sendo lançado esta semana (set./2013) com a publicação do
livro Lixo Zero – Gestão de resíduos sólidos para uma sociedade mais próspera,
escrito pelo sociólogo e professor da USP Ricardo
Abramovay, em conjunto com as pesquisadoras Juliana
Speranza e Cécile Petitgand.
A obra faz uma
detalhada análise sobre o atual panorama da produção, coleta e descarte dos
resíduos sólidos no país. Dá exemplos sobre resultados bem sucedidos por alguns
setores tanto no Brasil como no exterior.
Na entrevista ao
Parceiros do Planeta, Abramovay
fala sobre o livro e conta quais são os pontos imprescindíveis a serem
colocados em prática, segundo os autores, para que a a lei brasileira contribua
para uma sociedade mais próspera.
A entrevista é
de Suzana Camargo, publicada no sítio Planeta
Sustentável, 07-09-2013.
Eis a
entrevista.
O que é o
Lixo Zero?
A expressão pode
parecer estranha, mas ela indica um valor, uma ética: trata-se de repensar a
maneira como a sociedade utiliza as bases materiais, energéticas e bióticas que
compõem sua riqueza. Já há várias cidades do mundo que fixam objetivo de lixo
zero. Isso significa que os materiais que hoje descartamos correspondem a um
desperdício. Lixo zero significa recolocar estes
materiais em ciclos produtivos em que eles serão sempre a base para a formação
de nova riqueza. O objetivo é passar da sociedade do joga fora para a sociedade
que mantém uma relação inteligente com os materiais dos quais ela depende.
Como isso
pode ser levado à prática?
Uma vez
estabelecido este valor, o passo seguinte é fixar um princípio que vai nortear
a ação. Este é o princípio do poluidor-pagador, que tanto quanto a redução no
uso dos materiais está contido na nossa Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Isso quer dizer que o fabricante ou o importador de um produto é que deve
responder pelos custos do recolhimento e do reaproveitamento dos materiais que
foram descartados em virtude do consumo daquilo que ele ofereceu. Este
princípio tem uma base empírica importante que o fundamenta; os países que
reduziram a quantidade de resíduos e mais conseguiram avançar no
reaproveitamento dos mesmos foram os que aplicaram o princípio do
poluidor-pagador. Esses países atribuíram ao setor privado a responsabilidade
pela organização e ou pagamento do sistema de logística reversa dos resíduos
produzidos e na proporção daquilo que fabricantes e importadores colocaram no
mercado.
No caso
brasileiro, faz parte do princípio do poluidor pagador a remuneração do
trabalho dos catadores. Eles devem receber por duas coisas de natureza
diferente. Uma coisa são os produtos que vendem. Só que muiitas vezes o mercado
não é capaz de pagar corretamente por estes produtos. Eles têm que ser
remunerados também pelo serviço que prestam às cidades ao retirarem das ruas
aquilo que, sem sua atividade, se transformaria em poluição. Isso tem que ser
pago e é uma responsabilidade de quem colocou o produto na rua.
Qual o
papel do governo neste contexto?
O município
responde, legalmente, pela coleta domiciliar. Mas o que se vê nos países que
reduziram a quantidade de resíduos enviados a aterros é que há uma agência
pública e não estatal que responde pela coleta seletiva. Quem paga por isso são
os fabricantes e importadores. Isso já acontece no Brasil em casos como pneus,
baterias automotivas, óleos lubrificantes e embalagens de óleos lubrificantes.
E funciona cada vez melhor. Nestas situações o governo tem papel central no
estabelecimento de metas ambiciosas de redução, de coleta e de recuperação.
E que
custo nesse sistema cabe ao consumidor?
É lamentável o
processo de demonização da taxa do lixo que ocorreu no Brasil. As pessoas acham
que não pagam, mas o pagamento está embutido no IPTU. A
diferença não é só que hoje o que se paga é opaco. É que não se pode fazer
política pública de incentivo, estimulando conduta correta nos domicílios
cobrando menos ou isentando a cobrança da taxa, por exemplo. Além disso fala-se
muito na urgência de ampliar a consciência do consumidor na correta separação
do lixo. Isso também com a responsabilidade, antes de tudo, das empresas,
orientando os consumidores por meio de campanhas publicitárias criativas e por
sinalização nos próprios produtos. No sistema europeu Ponto Verde, isso foi
feito com muito sucesso.
Como é
possível acabar com os lixões?
Pela lei, em
agosto de 2014 o Brasil terá acabado com os lixões. Só que hoje 40%
dos resíduos vão parar nos lixões ou para sua
forma um pouco menos danosa, que são os aterros controlados. Estas formas
inadequadas de destinação concentram-se nos pequenos municípios, sobretudo nas
regiões Norte e Nordeste. Isso só vai acabar se os municípios fizerem
consórcios. Só que não é fácil, pois consórcio significa renunciar a uma gestão
muitas vezes clientelista e comprometida com interesses políticos imediatos.
Num consórcio, tudo tem que ser transparente, o que não vai na direção das
práticas atuais. Esta é uma das razões em função das quais somente 10% dos
municípios entregaram seu plano de resíduos sólidos ao governo federal, o que é
muito preocupante.
Qual é o
custo da logística reversa para as indústrias?
Ninguém sabe e
isso tem que ser calculado produto a produto. Nos setores de pneus, baterias,
embalagens de agrotóxicos e óleos lubrificantes, estes custos já são
conhecidos, pois os sistemas estão em ação. Claro que os custos para indústria
e importadores será repassado para toda a cadeia e para o consumidor. Mas isso
não pode ser visto como negativo. É uma forma de abolir o sistema atual, de
preços mentirosos, em que os custos estão ocultos e são pagos na forma de
custos de coleta e destinação dos resíduos e pagos por todos e não por quem
consumiu o produto.
O Brasil
ainda enfrenta um grande problema para achar um destino correto para os
resíduos úmidos ou o lixo orgânico?
Mesmo nos países
desenvolvidos, este é um problema muito sério. Talvez seja o grande desafio
atual. Já há modelos e circuitos de recuperação de resíduos sólidos. Os
próprios catadores de resíduos
sólidos já possuem conhecimentos importantes nesta
direção. Mas nos resíduos úmidos a coisa é diferente. Agora começam a ser
estabelecidas metas e mecanismos de destinação correta nos países
desenvolvidos. Nós vamos ter que fazer isso também. As duas principais formas
de destinação destes resíduos são biodigestores para gás e compostos orgânicos
para fertilizantes. Os estudos que vimos não corroboram a ideia de que a
incineração seja o melhor meio de garantir sua destinação correta.
Qual o peso do lixo no orçamento das cidades?
Enorme. O custo
do transporte
de lixo, por exemplo, é algo que está ficando cada vez
mais proibitivo. É um problema seríssimo em todas as cidades do mundo,
inclusive em São Paulo, que está levando o lixo para cada vez mais longe. Essa
é uma das razões que precisamos aumentar a compostagem e também a digestão
anaeróbica para a produção de energia.
O que a
indústria deve fazer para produzir menos resíduos?
Ela deve se
preocupar com o design de seus produtos. Um caso típico é a produção de
eletrônicos sem a preocupação referente ao reuso de materiais valiosos que
estão no interior desses produtos. Na Europa e no Japão, a partir dos anos
2000, por pressão dos pesquisadores e da sociedade civil, houve uma mudança
muito importante na própria concepção dos produtos para haver uma reutilização
dos materiais. O grande desafio é fazer a reintrodução de materiais usados na
produção de bens e serviços, permitindo que a esses produtos seja agregado
valor, numa economia circular e ascendente. É preciso deixar para trás a
economia do jogar fora.
Do que
depende esse novo modelo econômico?
Pesquisa,
inovação, inteligência e criatividade. Esse é um desafio imenso para a
humanidade hoje uma vez que as fontes de matérias primas das quais nós dependemos
são cada vez mais escassas e vão tornando os produtos cada vez mais caros.
Quais são
os fatores primordiais apontados pelo Lixo Zero para a implantação bem sucedida
da Política Nacional dos Resíduos Sólidos?
Primeiro
estabelecer claramente o princípio do poluidor-pagador. Segundo, estabelecer
claramente o princípio do consumidor-pagador. A terceira ideia fundamental é a
organização da logística reversa, feita por agências públicas, não estatais.
Por último, o governo precisa ter metas de coleta e reciclagem muito
ambiciosas, que vão muito além do que já está sendo feito agora. Se esses
quatro pontos forem implementados, em 10 a 15 anos conseguiremos mudar
completamente o panorama desse assunto no Brasil.
Por que é
tão importante o envolvimento do setor privado na gestão dos resíduos?
Porque o setor
privado vai imprimir uma dinâmica de eficiência e inovação que será
completamente diferente do marasmo que temos hoje na gestão de resíduos sólidos
do país.
Fonte: IHU - Notícias
Nenhum comentário:
Postar um comentário