Acho muito interessante a entrevista em que a jornalista Yannik D´Elboux, da UOL, conversa com João Tavares,
que é do Setor de
Comunicação do MFPC e Vice-Presidente da Federação Latino-Americana para a
Renovação dos Ministérios. A matéria foi publicada em 17 de junho de 2015 no site da
Associação Rumos (Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados).
Com certeza, o teor das
colocações do entrevistado expressa muito bem a posição e/ou as opiniões de
muitos (se não da grande maioria) dos padres católicos, que hoje não exercem
ministério, pois optaram por matrimônio e família.
Pessoalmente, quero
parabenizar o nosso ilustre colega João Tavares por todas as colocações feitas
com muita precisão e transparência. Fico feliz por
poder publicar essa entrevista também no meu blog Indagações-Zapytania.
Acredito que a matéria
possa ajudar bastante a todas aquelas pessoas, que gostariam de saber mais
sobre a questão de padres casados no Brasil e no mundo.
Vale
a pena ler!
WCejnóg
Entrevista de João Tavares a Yannik D´Elboux, da UOL
17 de junho de
2015
“Pessoalmente sou a favor do
celibato opcional. É um carisma e, como tal, não tem sentido ser imposto por
uma lei. Muitos podem ter vocação sacerdotal, mas não ter vocação celibatária.”
De vez em quando a TV,
Rádio e mídia impressa pede ao MFPC para entrevistar um padre casado.
E frequentemente a Diretoria Nacional me indica para essa terefa.
Por precaução e porque o assunto não
é de fácil entendimento e exige exatidão nas colocações, em geral aceito, mas sempre na condição de responder
por escrito a perguntas escritas. E me reservo o direito de Publicar a
Entrevista integral no nosso Site. Desta vez a entrevistadora foi Yannik D´Elboux, da Uol.
– J. Tavares
* * *
ENTREVISTA:
1 – Qual é o seu nome completo,
idade e cidade em que mora?
R/ João C. Tavares, 74, S. Luís –
Maranhão
2
– É casado há quanto tempo? Tem filhos? Quantos e qual é a idade deles?
R/ Casei em 1979. Sim. Duas filhas e
uma neta: 30, 31, 8.
3 – Antes de se casar, o senhor
atuava como padre católico? Deixou a função de sacerdote por causa do amor à
sua esposa? Ou a igreja o afastou por alguma razão?
R/ Sim, trabalhei como padre durante
11 anos. Não deixei por causa da minha esposa. A Igreja também não me afastou.
Fui eu que, a um certo momento, decidi me afastar. Com muita pena, pois eu
gostava muito da minha condição sacerdotal e do meu trabalho de padre.
Nunca tive dúvidas sobre a minha vocação e sempre procurei ser um padre
correto. Apesar das dificuldades, fui feliz no meu ministério, nas comunidades
eclesiais de base (CEBs) da diocese de Balsas, no sul do do Sertão Maranhense.
Deixei porque me faltou chão firme
na Congregação a que eu pertencia. Vivi no sul do Maranhão, em circunstâncias
muito difíceis, sem energia elétrica, sem estradas, sem telefone. Mas o pior
era que a vida na comunidade religiosa deixava muito a desejar. Devido
à falta de verdadeira comunhão fraterna com os colegas, pouco a pouco,
foi aparecendo a solidão intelectual, espiritual e simplesmente humana. Num
ambiente difícil daqueles, só uma verdadeira fraternidade pode ajudar a
aguentar. Não culpo ninguém: foi acontecendo.
Aconteceu também que, durante
cerca de cinco anos, fui o único padre jovem com formação teológica baseada no
espírito do Concílio Vaticano II:
a minha era a Teologia aberta, cheia
de perguntas; a de meus colegas, pela idade e formação deles, era a Teologia
fechada, cheia de certezas e de respostas para tudo.
4 – O senhor atuou como padre na
igreja católica por quanto tempo? Nesse período, o senhor chegou a namorar
escondido? Se sim, quanto tempo durou esse relacionamento? Como se sentia?
Como disse acima, fiquei no
ministério sacerdotal por 11 anos. Sempre fui muito aberto e explícito nas
minhas amizades, sempre cultivei boas amizades masculinas e femininas,
algumas bastante fortes e duradouras, mas não namorei escondido: eu sempre quis ser um homem e um
padre inteiro.
Depois que entrei em séria
crise com o meu grupo e, contra minha vontade, fui enviado para a Europa, então
comecei relacionamentos humanos mais profundos, já com certa abertura para a
possibilidade, ainda remota, do casamento.
Mas sem ainda nada definido, pois eu
queria dar passos seguros: não foi à toa que me preparei durante 15 anos para
ser padre e vivi onze anos no ministério. Isso me marcou profundamente e não
podia deixar tudo isso de ânimo leve: era metade de uma vida.
Foram tempos de muita e séria busca
e de bastante angústia.
Posso resumir dizendo que não deixei
o ministério por causa de sexo ou por paixão por uma mulher. Mas, já que vivia
essas dificuldades enumeradas acima, procurei ir olhando possíveis alternativas
dignas e válidas até que, a um certo momento, pensei na possibilidade
positiva de deixar o ministério e casar. Na certeza básica que de que, antes de ser um padre, eu era um
cristão e um homem.
Desses três grandes valores, ser padre era o menos importante.
Cristão era o segundo. Homem era o primeiro.
E se não estava na condição de poder
continuar padre sem prejudicar a minha fé e a minha humanidade, vivendo por
exemplo, uma vida dupla, como tantos, ou ficando neurótico e desequilibrado
psicologicamente, como tantos outros, eu preferi perder o exercício do
ministério e resguardar minha fé e minha humanidade.
Infelizmente conheci bispos, padres
e freiras que já pouco tinham de humanos, farrapos de humanidade. Eu não queria
isso para mim. Mas, confesso, também conheço bispos, padres e freiras bem
realizados, autênticos e felizes.
5 – É comum que padres tenham
namoros ou relacionamentos sexuais? Isso acontece? O senhor soube de histórias
de colegas sacerdotes que mantinham relacionamentos?
R/ Os meus colegas, na imensa
maioria, eram homens sérios. Também em Portugal, onde passei a minha juventude
e, depois na Itália, durante a Teologia, conheci muitos padres corretos e
sérios: a grande maioria.
Claro, conheci também alguns poucos
casos de colegas que fraquejaram nesse ponto. De há uns 30 anos para cá,
infelizmente tenho tido muitas notícias de padres homossexuais. Inclusive de
formadores de seminário e alguns bispos. E me espanto com o número e a
porcentagem deles. E com a naturalidade com que isso vem acontecendo. Quase que na certeza (deles) de que o voto de
castidade é só pára os heterossexuais.
6 – Qual é a sua visão sobre a
imposição do celibato pela igreja católica aos seus sacerdotes? O celibato se
aplica aos dias de hoje? É uma condição essencial para o trabalho de padre? Ou
seja: faz sentido manter o celibato?
Respondo por partes:
6.1 –
Pessoalmente sou a favor do celibato opcional. É um carisma e, com tal, não tem
sentido ser imposto por uma lei. Muitos podem ter vocação sacerdotal, mas não
ter vocação celibatária. Infelizmente a Hierarquia, por vários motivos nem
sempre sérios, santos e bem fundamentados bíblica, teológica, psicológica,
sociológica a antropologicamente, fez do celibato obrigatório uma
condição indispensável para ser padre.
Muitos jovens, querendo ser
padres, aceitaram essa condição ao longo de séculos. Não por amor ao
celibato, como um valor em si, mas porque, sem isso, não seriam ordenados
padres. E muitos não conseguiram ser fieis à promessa, ao voto de
castidade.
É possível ser um padre casto,
correto? Penso que sim, mas com muita
dificuldade: é uma violência contra natureza humana, que Deus fez
sexuada, e leva a pessoa, por mais boa vontade que tenha, a viver num eterno desequilíbrio… ou
num equilíbrio sempre crítico.
Equilíbrio que, teoricamente, pode
ser conseguido com
- uma
sólida vida de oração,
- dedicação
intensa e positiva ao minsistério,
- boas
e sadias amizades
- e,
para os religiosos, de Ordens e Congregações, com uma bem vivida vida
comunitária.
Mas que não é nada fácil. E, na
prática secular da Igreja católica, isso tem criado muitos e graves problemas,
inclusive a onda de pedofilia clerical e
religiosa (conventos
e escolas católicas) que tem vindo à tona nos últimos 20 anos,
sistematicamente acobertada por Roma e pelos bispos diocesanos até há bem pouco
tempo…
6.2 – O celibato ainda se aplica, no
sentido que a lei ainda não mudou. Mas está sendo muito e abertamente
discutida, coisa até há pouco proibida na hierarquia eclesiástica. Paulo VI, por exemplo, apesar
da vontade explícita de bastante bispos, sobretudo da América Latina, proibiu
a discussão do celibato eclesiástico no Concílio Vaticano II. João Paulo II e
Bento XVI, continuaram na mesma linha, de medo de enfrentar a realidade
ululante da crise do celibato obrigatório na Igreja.
Mas o problema existia e era amplo e
grave. Tanto assim que, após o Concílio Vaticano II, cerca de 150.000 padres
(um terço do total), deixaram o ministério sacerdotal e casaram. Só no Brasil,
cerca de 7.000. Roma e os Bispos faziam que não viam, como se nós não
existíssemos. E, salvo boas e raras exceções, ainda continua assim. Pois a
realidade é inelutável.
Felizmente, com o papa Francisco,
esse não é mais um assunto tabu e novos tempo se esperam. Os padres casados são
em geral, pessoas sérias, bem preparadas e muitos estariam dispostos
a ajudar muito a Igreja Povo de Deus se o papa e os bispos se abrirem para
essa possibilidade.
6.3 – Se faz sentido manter o celibato?
Sim, se for opcional, não
indispensável para poder ser ordenado padre. Deveria haver escolha livre: padres
que optam por não casar e padres que optam por casar, como nas Igrejas
orientais, ortodoxas e católicas. O padre solteiro, celibatário, teoricamente,
tem mais tempo para se dedicar integralmente ao trabalho ministerial. O
casado teria menos tempo.
Mas isto, teoricamente, porque, na prática, pode ser
diferente: por que é que tantos padres novos são professores, psicólogos,
políticos? Isso é doação total ao Reino de Deus?
Mas ambos, tanto o casado como o
celibatário, podem fazer um bom trabalho no meio do Povo de Deus.
Os pastores de outras igrejas,
casados, não fazem bem o seu trabalho? (estou falando de pastores de
Igrejas sérias, não dos que fazem da religião e do dízimo um vergonhoso
comércio, tipo igreja universal e outras com fundadores já milionários e
bilionários…)
7 – Como fica a sexualidade dos
padres? Essa função comum a todos os indivíduos fica completamente sublimada? É
possível reprimir a sexualidade completamente e viver bem em nome da igreja?
R/ Em sentido individual, como cada
padre lida com sua sexualidade? Grosso modo e resumidamente, o
problema sempre vai existir, pois os padres não são castrados. E, se forem bem
formados e sérios, como homens, vão ter de aprender a viver com sua
sexualidade e suas pulsões, de maneira responsável,
pastoralmente produtiva e pessoalmente integradora da sua
personalidade.
Possível? Sim! Fácil? Não! Exige um conjunto de
condições bem difíceis de equilibrar: boa formação de valores
humanos, disciplina do corpo e da mente, sólida espiritualidade,
ambiente positivo de convivência, realização pastoral e humana em geral.
Sublimar, a meu ver, não resolve.
Reprimir, também não. Precisa é fazer uma boa síntese de valores humanos e
cristãos, sempre num bom equilíbrio, ter uma sólida vida de fé e oração, e
cultivar a fraternidade entre os padres e sadias amizades com os leigos.
8 – O senhor ainda se considera
padre? Exerce algum trabalho como padre?
R/ Sim, ainda me considero padre;
fui ordenado, marcado por dentro, e não fui destituído do sacramento da Ordem.
Portanto sou padre. Só não exerço, pois, ao pedir para ser dispensado das
obrigações assumidas na Ordenação, me foi tirado (sem eu o ter
pedido) o exercício comum da Ordem. Exceto em alguns casos em que posso e até
devo exercê-lo, segundo o Código de Direito Canônico, a Teologia e a minha
consciência.
9 – O senhor acredita que é possível
coordenar as funções de padre, marido e pai? Por bastante tempo a igreja
defendeu que um homem a serviço de Deus não poderia ter uma família, que isso o
distrairia de sua principal missão. O senhor discorda dessa premissa? Por que?
R/ De novo, respondo por partes:
9.1 – Acho, sim, que é
possivel. Já falei disso acima. Por um lado,
com mais dificuldade: menos tempo. Por outro, com muito mais experiência e riqueza de
valores humanos: esposo e pai. Com muito mais equilíbrio e
realização sexual e emocional.
9.2 – Discordo sim da premissa de
que a Família distrairia da principal missão. Porque a primeira missão do padre é
ser um homem integral: marido de uma só mulher, bom
educador dos seus filhos e bom organizador da sua casa, com diz S. Paulo.
E com muito mais realismo e
concretude, coisas que tanto faltam em tantos padres celibatários. Além de
tudo, temos o exemplo de tantos bispos e padres “protestante” casados, bem como
padres ortodoxos e católicos da Europa Oriental e do Médio Oriente, que fazem
muito bem o seu trabalho pastoral e que, inclusive, resolvem bem os seus
problemas financeiros.
Mas o grande problema subjacente ao celibato na Igreja
católica, pouco estudado e pouco falado, é que a Hierarquia sempre
achou e, em boa parte, ainda acha, que é muito mais fácil comandar um
“exército” de celibatários do que comandar padres que também têm obrigações
familiares e uma esposa e filhos com quem precisam acertare dividir a sua
vida.
Trata-se do grande problema do PODER dentro da
Igreja. E também da prática da “manipulação” de pessoas: sempre
dispostas a irem para onde o bispo enviar. Muito mais do que de problema
econômico: real, sim, mas menos importante, de “que a família herdaria os
bens da Igreja”. Isso é uma piada. Uma coisa são os bens da Igreja, outra
coisa são os bens pessoais e familiares do eventual bispo ou padre casado.
Clero casado, como já acontece nas Igrejas chamadas
“protestantes”, limita o poder dos bispos. E tende a uma gestão
sinodal, mais democrática da Igreja. É isso que Roma não quer perder: o
PODER absoluto e centralizado do Papa e da Cúria Romana e, nas dioceses, dos bispos
sobre o seu clero e doi clero sobre os leigos.
10 – Qual é o objetivo principal do
Movimento Nacional das Famílias dos Padres Casados? Acrescente o que julgar
relevante caso eu tenha deixado de perguntar.
Como diz o artigo 2° do nosso
Estatuto:
Art. 2º – São objetivos de
Associação Rumos:
I. Ser o suporte jurídico e
financeiro do Movimento de Padres Casados e suas Famílias;
II. Promover a mútua ajuda entre os
associados, contribuindo para a sua realização pessoal, familiar, profissional
e religiosa;
III. Promover o diálogo com Instituições , Organismos Religiosos e Sociais;
IV.Promover ações para a construção de uma sociedade justa e fraterna.
Relevante é a abertura, ainda
incipiente, mas real, à discussão do celibato obrigatório, que começa a se manifestar com o
papa Francisco e termos notícias de que ele está atento a esta periferia
da Igreja que somos nós, cerca de 150.000 padres casados espalhados por todos
os continentes, quando há tantos cristãos sem assistência religiosa.
Relevante
é também a imprensa estar bastante atenta a esta problemática.
Vários grupos nacionais têm escrito
cartas ao papa Francisco neste sentido: sabemos que estamos na agenda dele. Que
o Espírito Santo continue a inspirá-lo e ele, com os bispos do mundo inteiro,
possa encontrar boas soluções, inclusive para esta problemática dos
padres casados no mundo de hoje.
João
Tavares
(do Setor de Comunicação do MFPC
e Vice-Presidente da Federação Latino-Americana para a Renovação dos
Ministérios).