Trago
para o blog Indagações-Zapytania mais um artigo sobre a questão indígena no
Brasil. É de autoria de Jacques Távora Alfonsin.
Penso
que é muito importante que todos nós tomemos conhecimento das manobras
políticas da parte dos deputados ruralistas no Congresso Nacional. Eles querem
modificar as leis vigentes para possibilitar a exploração dos recursos minerais
e hídricos nas terras demarcadas para os
Povos indígenas no Brasil. Em jogo está
a ganância inescrupulosa dos que sempre querem mais e mais para possibilitar o aumento das suas fortunas e
expansão dos seus grandes negócios. Isso significaria a oficialização de um
absurdo retrocesso em relação às garantias dos direitos dos povos indígenas do
Brasil. Na prática, isso significaria também abrir o caminho para continuar o
genocídio dos povos indígenas que ainda
restam neste país.
A
matéria foi publicada no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), no mês de janeiro
de 2015.
Não
deixe de ler!
WCejnóg
IHU - NOTÍCIAS
Sexta, 23 de janeiro de 2015
Querem matar o restante do
povo indígena brasileiro
"Foi
preciso um índio ser eleito presidente da república num país sul-americano,
como Evo Morales na Bolívia, para a população branca de outros países, como o
Brasil, não continuar convencida que a terra desse continente só pode ser
considerada e explorada como mercadoria", escreve Jacques Távora Alfonsin, advogado, procurador aposentado do estado
do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
Eis
o artigo.
Um dos
principais argumentos da oposição à reforma agrária no Brasil lembra
repetidamente a extensão territorial do nosso país, como prova da
desnecessidade de partilhar a terra já sujeita à propriedade privada. Esse
argumento desaparece quando o interesse latifundiário por ampliar os seus
domínios entra em questão. Para os proprietários das maiores extensões de terra
do Brasil o país continua muito pequeno.
Por meio
de um projeto de emenda constitucional (PEC 215), a sua representação no Congresso Nacional vem
procurando modificar a Constituição em mais de uma das suas disposições. Assim,
a emenda acrescenta ao artigo 49 um inciso, de número 18 e, no artigo 231 ela
modifica o parágrafo 4º, acrescentando um parágrafo 8º aos demais, ficando a
redação de ambos como segue:
Art.
49. É de competência exclusiva do Congresso Nacional:…18 – aprovar a
demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e ratificar as
demarcações já homologadas;
Art.
231. § 4º As terras de que trata este artigo,
após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional,
são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 8º Os
critérios e procedimentos de demarcação das Áreas
Indígenas deverão
ser regulamentados por lei.
Se a
possibilidade de o Poder Legislativo poder demarcar terra indígena já não fosse
absurda, a redação do projeto ainda acrescenta a de ele poder ratificar aquelas
cuja demarcação já foi homologada. As
inconstitucionalidades manifestas dessa iniciativa parlamentar provam, mais uma
vez, até onde vai a representação ruralista do Congresso brasileiro, na
tentativa de fazer passar por lei o que não passa de uma invasão e de um
esbulho criminosos praticados no território do país contra o povo indígena,
como se esse já não tivesse sofrido dizimação bastante, desde séculos, pela mão
do branco colonizador.
Se uma
tal emenda, então, para infelicidade do povo indígena, for introduzida no texto
constitucional, o Legislativo invade e esbulha também o Poder Executivo, pois,
para garantir os interesses dos grandes proprietários de terra, vai mandar e
desmandar na implementação das políticas públicas relacionadas com a terra
das/os índias, não para protegê-las/os, evidentemente, mas sim para acentuar o confinamento daquelas
gentes originárias e tradicionais desse chão, que o Brasil ainda
não conseguiu matar.
Roberto Antonio Liebgott, representante do CIMI (Conselho
Indigenista Missionário), no Rio
Grande do Sul, publicou um resumido estudo sobre essa PEC 215, no qual, além de apontar as principais
fases de tramitação legislativa dessa emenda, sob forte protesto do povo
indígenas e entidades da sociedade civil contrárias ao seu texto, denuncia os
vícios de inconstitucionalidade da sua redação como a de ferir cláusula
constitucional pétrea relativa à divisão dos Poderes Públicos (artigo 60 e seus
parágrafos da nossa Constituição), ignorar a competência legal e administrativa
da Funai,
referindo até um acórdão do próprio Supremo Tribunal Federal que, julgando uma
ação direta de inconstitucionalidade (ADIN 4.102),
ainda em 2010, deixou muito claro o seguinte:
“As
restrições impostas ao exercício de competências constitucionais conferidas ao
Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em
contrariedade ao principio da independência e harmonia entre os Poderes”
E a isso
ainda seria possível acrescentar o seguinte: reservando-se o poder de aprovar,
com exclusividade, onde está implícito o de reprovar, demarcação das terras
indígenas, e o de ratificar, onde está implícito o de negar ratificação às
demarcações já homologadas, o Poder Legislativo fica autorizado, também, nessa
última hipótese, a desrespeitar o próprio direito adquirido do povo possuidor
de aldeias indígenas com demarcação de terra já homologada.
Uma
arbitrariedade desse grau de despropósito, típica da representação
latifundiária no Congresso brasileiro, não há de ficar constrangida com a
comparação que se faça da sua iniciativa com o texto da Constituição boliviana,
sobre matéria idêntica, em tudo e por tudo diferente da nossa.
Foi
preciso um índio ser eleito presidente da república num país sul-americano,
como Evo Morales na Bolívia, para a população branca de outros países,
como o Brasil,
não continuar convencida que a terra desse continente só pode ser considerada e
explorada como mercadoria. Ela é possuída por um número muito grande de gente
pluriétnica, pluricultural, plurinacional, comportando, por isso mesmo, um
pluralismo jurídico de tratamento, marcado pelo respeito à vida da terra e à
vida do povo que graças à ela vive.
É verdade
que a Bolívia tem uma população indígena muito maior
do que a nossa, mas não é menos verdade que a maioria do povo brasileiro nem
branca é, somente se explicando um ordenamento jurídico eurocêntrico típico
desta etnia, como o nosso, por uma fidelidade histórica ao modelo jurídico da
legislação colonizadora do passado, que até hoje não arranca as suas raízes
daqui.
A começar
pelo fato de a Constituição da Bolívia ter sido aprovada por um referendo
popular, ter estabelecido um módulo máximo de extensão da terra rural (5.000
hectares), ter garantido autonomia política para os povos de diferentes etnias
lá situados, a ponto de autorizá-los a criar seus próprios tribunais, ter
previsto formas as mais abrangentes de democracia participativa e proteção da
natureza, nisso tudo ela é tão superior à nossa, com o devido respeito às
opiniões em contrário, que uma PEC semelhante a 215, lá, nem conseguiria
iniciar a sua tramitação legislativa.
Em vez de ameaçar o povo indígena do nosso país com
essa nova proposta de emenda constitucional, aumentando o poder da chamada
república dos ruralistas, “que não nos alimentam nem nos representam”, como se lê
na internet, deveria diminuir um pouco o peso da sua consciência pelo mal que
já fez à terra, ao povo sem-terra e às/os índios do Brasil,
não se metendo onde a própria Constituição Federal, felizmente, nem lhe permite
se meter.
Fonte:
IHU – Notícias
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