Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Para entender o cristianismo. Qual é a sua essência?


São conhecidas as palavras de São Leão Magno, papa e doutor da Igreja, que viveu no século V, que até hoje soam (e, talvez, hoje mais que nunca, deveriam soar) nos ouvidos e na “alma” de todos os cristãos, de todos nós que dizemos acreditar em Jesus Cristo, considerando-nos seus adeptos e discípulos. 

Esse papa disse: “Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que Cabeça e de que corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas e levado para o Reino de Deus. Pelo sacramento do batismo, te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço da tua salvação é o sangue de Cristo .

Olhando para a história do ser humano neste mundo e pensando que já se passaram mais que dois mil anos da morte e ressurreição de Cristo, e do Pentecostes, constatamos que o mundo ainda está muito longe de ser conforme o projeto de Deus. Aliás, o mundo parece caminhar pelos caminhos que se afastam do Evangelho: as desigualdades entre classes sociais, países e continentes; a pobreza e miséria absoluta de milhões de seres humanos;  as injustiças, a corrupção, o consumismo desenfreado, o hedonismo, o materialismo, o egoísmo, as legislações que permitem e optam por algumas práticas que atentam contra a vida e ostensivamente desafiam as leis de Deus e até o próprio bom senso, etc. O ser humano chega a desafiar Deus, querendo ocupar o seu lugar.

É neste mundo, nós cristãos, somos uma parcela considerável (cerca de 2 bilhões, 1/3 da humanidade).  A pergunta é: Como isso é possível? Será que não nos importa o projeto de Deus? [“Deus viu tudo o que havia feito e era muito bom” (Gn 1, 31)].  Parece que hoje esta tarefa (missão) dos cristãos [Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15-20)], fica só nas palavras, porque na prática somos  muitas vezes covardes e egoístas. É medo de enfrentar “o mundo” e colocar-nos abertamente a favor de Cristo e do seu projeto. É medo de assumirmos esse projeto e o tornarmos nosso. Parece, que a nossa certeza da fé em Deus não é tão clara e certa assim, por isso a saída é ficar “em cima do muro”...  Outras vezes, talvez, somos tão cegos e ignorantes, que não enxergamos a contradição e a incoerência  das nossas palavras e ações em relação ao que o Evangelho diz.

Muitos dirão que não é bem assim. Talvez contestem o que foi dito acima, argumentando que os cristãos fazem a sua  parte, que tem tanta gente rezando, trabalhando e se sacrificando na luta em favor dos mais pobres e oprimidos, que tantas obras são realizadas pelos cristãos, etc. Que são muitos católicos, cristãos, e pessoas de  boa vontade neste mundo...
Ninguém pode negar que essas coisas existem e são feitas. Porém, precisamos também  reconhecer que isso tudo é pouco, é muito pouco diante da  dimensão da missão que Cristo confiou aos que n’Ele acreditam e O querem seguir.

Talvez não falte palavras, livros, homilias, sermões, reflexões – sobretudo da parte dos líderes e intelectuais cristãos, e não falta também  “blá, blá, blá ...”  da nossa  parte,  mas falta, principalmente, atitudes corajosas  para enfrentar oficialmente e publicamente as aberrações que o ser humano promove hoje na sociedade. Ao invés ficarmos acomodados e calados, deveríamos contestar, reagir, argumentar, propondo o caminho do Evangelho, o caminho do  maior mandamento, que é o mandamento do amor! 

 “Quem não estiver comigo, está contra mim, e quem não recolher comigo, dispersa” (Lc 11, 23) – disse Jesus.   E nós? Talvez não estejamos contestando essas coisas,  porque também, na realidade, compartilhamos e apoiamos tudo que o mundo oferece e “tomamos parte do seu partido”?  O poder, o dinheiro, o conforto, o luxo, os privilégios, o “curtir a vida” – hoje em dia – apossou-se de muitos cristãos, que justificam isso tudo com: “os tempos mudaram”, ou, “o tempo hoje é outro...”, etc.  Será que a consciência  cristã não está sofrendo hoje, na grande escala, o processo de atrofia e alienação? Talvez ficou esquecido o chamado: “Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade...”.

A fé individualista e intimista que hoje muitos alimentam e propagam ostensivamente, inclusive também via Meios de Comunicação, serve justamente – penso eu - como forma de “fazer as pazes” com o mundo, e não precisar de se comprometer com a evangelização de verdade, que visa o reino de Deus no mundo e na vida de toda a humanidade, como exige o Evangelho. Não poderíamos chamar esse tipo de religiosidade e fé  de “alienação”? Porque o importante, aqui, é “ser feliz” e ter a “consciência tranqüila”!  Mas, será que o cristianismo é isso mesmo? Será?

A indagação principal que me inquieta ao escrever esta reflexão, é a seguinte: Por que estamos esquecendo a mensagem libertadora de Jesus Cristo? Por que não damos valor a ela? Porque não “saímos  para as ruas do mundo”, para falar desta mensagem sem medo, como aconteceu no Pentecostes? Ou, talvez, porque ainda não tivemos o nosso Pentecostes?

Para  refletir um pouco mais sobre  a mensagem profunda e clara que Jesus Cristo deixou para os seus discípulos, para a sua Igreja e para cada um de nós, que somos cristãos no mundo de hoje, proponho  trazer para INDAGAÇÕES algumas reflexões, de autoria de Ferdinand Krenzer¹, que abordarão esse tema.

Para começar, o texto abaixo fala  do cristianismo e mostra o por quê ele é muito especial.  A leitura é fácil.
Não deixe de ler.
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(1)

A mensagem de liberdade

Qual é, realmente, a essência do cristianismo? Certamente ela não tem nada a ver com vários conceitos errôneos, que são popularmente divulgados, como, por exemplo, que o cristianismo é um catálogo de regras (obrigações e proibições), onde muitas coisas temos que fazer e tantas outras – não,  quer dizer, resume-se à moral. Ou, então, que o cristianismo significa piedade e rituais religiosos.  Tem gente também, que gostaria de resumir  a mensagem cristã  ao amor ao próximo e , com isso,  considerá-lo, simplesmente,  puro humanismo.

Quando, porém, prestarmos atenção nas palavras do próprio Jesus Cristo, com as quais Ele descreve a finalidade da sua vinda,  encontraremos a definição central do Novo Testamento: Ele deseja iniciar o “reinado de Deus” ou “construir o reino de Deus”:  “Completaram-se os tempos, está próximo o reino de Deus, convertei-vos e crede no Evangelho.” (Mc 1,15)

Talvez, neste momento, o leitor possa se sentir decepcionado. “Dominar”...  – nós, hoje, associamos isso com o autoritarismo. A história é nada mais que o surgimento e o desaparecimento de sucessivas dominações de poderes e ditaduras. Justamente hoje a humanidade tenta libertar-se disso. E a Igreja continua pregando a dominação,  o reinado de Deus. Não seria  isso o motivo, pelo qual os homens como Sartre, Nietzsche, Marx, Feuerbach e outros, rejeitam Deus e a fé, porque isso significa – para eles – tirar a liberdade do ser humano?

Mas não é assim que era entendida essa expressão, “o domínio de Deus”, pelos judeus dos tempos antigos, e com isso também, por Jesus Cristo. Eles entendiam esse termo do jeito totalmente diferente. Para eles o temos “domínio” era ligado estreitamente com a idéia de justiça, paz, ajuda e com a defesa dos fracos e oprimidos. Onde Deus “domina”, ali se trata de combater a desgraça e a infelicidade, vencer o mal, querer um mundo melhor.

E já que Deus não  quer mudar nem o mundo e nem o homem contra a vontade dele, Jesus Cristo veio a este mundo não como dominador e ditador, mas como o homem – com toda a sua fragilidade, como servo (Flp 2, 6-8). E esta é a forma de “domínio” de Deus.

Ademais, nós humanos, somos convidados para participar desse domínio de Deus, isto é, do reinado de Deus (Rm 5, 17). Então, não somos reduzidos ao escravo e nem ao servo. O  domínio de Deus consiste em imbuir tudo neste mundo com o seu amor. Até mesmo para a existência humana o amor significa libertação da  solidão, do  isolamento e, com isso, do absurdo e da falta de sentido da vida. O domínio de Deus, portanto, não  nos algema, mas liberta o homem dele mesmo e lhe dá o sentido.

São Paulo, no lugar de domínio de Deus aplica a expressão “a justiça de Deus”. Porque a justiça é a base e fundamento do amor.  São João,por sua vez, resume tudo o que Cristo trouxe na palavra “Vida”, a”nova Vida”. Hoje em dia,  freqüentemente - e com toda razão – expressamos todas as palavras e  feitos de Jesus Cristo usando o termo “shalom”² (em hebraico שָׁלוֹם) , o que significa paz. Podemos dizer que para nós, hoje, o que melhor       reflete a expressão “domínio de Deus” -  é o termo “libertação”. Todos esses conceitos  podem ser encontrados na Bíblia.

É fácil notar que  até a Bíblia procura sempre novos termos para expressar o que Deus quer nos oferecer em Jesus Cristo. Nenhuma dessas palavras conseguiu fazê-lo. Por isso é justo que em várias  épocas  com mais força falem diferentes aspectos da mensagem de Cristo.

Paz, liberdade, justiça, amor, vida -  será que não  é isso que desejamos todos nós? Não será a saudade por  esses valores que nos move para  modificar as coisas, demolir o que há de  errado e construir o novo?  Não importa se tentamos alcançar isso procurando  terapias que rejuvenescem, ciência e técnica ou, então, através de mudanças sociais – sempre se trata do mesmo objetivo: da vida que tem valor, que vale a pena viver.

KRENZER, F. Taka jest nasza wiara, Paris,  Éditions Du Dialogue, 1981, p. 113-114).³
Continua...
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¹   Krenzer Ferdinand  - nascido em 22 de maio de 1921 em Dillenburg, Hesse, 08 de maio de 2012 em Hofheim (Taunus),  foi um teólogo católico alemão, sacerdote e escritor na aposentadoria.

²  Shalom (em hebraico שָׁלוֹם) significa paz entre duas entidades (geralmente duas nações) ou a paz interior de um indivíduo. "Shalom/Salom" é a palavra no Antigo Testamento que descreve,  melhor que qualquer outro termo, a compreensão hebraica da saúde total.
Shalom" e outras palavras relacionadas, tais como "Shalem", "Shelem" e suas derivadas estão entre os mais importantes termos teológicos do Antigo Testamento.
Desejar "Shalom" a alguém implicava numa bênção (2 Sam. 15:27); não desejar "Shalom" implicava o oposto, uma maldição (1 Reis 2:6). Da mesma forma como hoje cumprimentamos as pessoas com bom dia, boa tarde ou boa noite.
Para o hebreu, a saudação "Shalom" implicava integralidade, totalidade, e um desejo de que os que estavam sendo saudados tivessem saúde física e os recursos espirituais para preencher as suas necessidades.

3  Obs.: As reflexões do Ferdinand Krenzer fascinam pelo seu jeito simples e direto, e agradam o leitor, ajudando-o a entender melhor o caminho da fé cristã e compreender os temas mais difíceis desta doutrina.
Os textos publicados neste blog são tomados do livro Taka jest nasza wiara, desse autor; uma edição no idioma polonês, do qual faço uma tradução livre (para o português).  O título original: “Morgen wird man wieder Glauben”.

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