Quando
assunto é a Igreja Católica e a sua caminhada os últimos 50 anos, sobretudo na
América Latina, não faltam opiniões, análises e discussões tão diferentes, e
até opostas, que deixam muitos católicos desorientados e angustiados.
Todos
sabemos que nos últimos anos a Igreja Católica, sobretudo aqui no Brasil, tornou-se conservadora, abandonando a
teologia da libertação e promovendo a volta ao estilo tradicional no que diz
respeito à organização, pregação e às devoções de caráter individualista e
intimista sugeridas ao povo fiel. Obviamente, sempre existiam e também hoje
existem parcelas da Igreja – tanto do
clero como de leigos – muito contentes com isso, convictos que esta é a vontade de Deus.
Ao
mesmo tempo, observamos o esvaziamento da Igreja Católica – o processo que já
dura um bom tempo e até agora nenhuma das “providências” tomadas e orientações
implantadas pela hierarquia da Igreja conseguiu estancá-lo. – “Os tempos
mudaram!” – dizem alguns. Perguntamos: Será que o problema não é muito mais
grave e complexo, do que parece? Culpar o “tempo” por esse quadro, ou – pior
ainda – a “teologia da libertação” por essa crise – tem sentido?
As
indagações são muitas: O que aconteceu realmente? Por quê? A quem interessariam
essas mudanças? Será que a opção
preferencial pelos pobres, que foi levantada pelos episcopados da América
Latina e Caribe – e isto quer dizer – pelo colégio dos bispos – não vale mais?
O que mudou – o homem ou o Evangelho? O Evangelho, por acaso, pode mudar..? Todos concordam que o Evangelho não muda, então é a questão
de interpretação – com ela o homem pode manipular... Ou, será que tudo isso é um retrato de retrocesso e da acomodação? Não há dúvidas - e todos sabemos disso - que para enfrentar os
desafios da realidade de hoje, precisa ter muita coragem e dignidade.
São
muitas as perguntas deste tipo e elas inquietam os corações de todos os
católicos mais conscientes, que amam essa Igreja, fazem parte dela e sabem qual
deveria ser a sua missão neste mundo, conforme a ordem de Jesus Cristo.
Há
poucas semanas, foi publicado no jornal
ADITAL um artigo que justamente apresenta uma avaliação da situação atual da Igreja Católica no
Brasil. Com um olhar crítico e muito preciso mostra-nos as mudanças que aconteceram na Igreja no Brasil
nos últimos tempos. O autor, José Lisboa Moreira de Oliveira,
com muita clareza aponta as causas e
possíveis motivos dessas mudanças.
É lógico, que muita gente, sobretudo de cunho conservador, não vai gostar
e nem vai concordar com o teor desse artigo. Mas - acredito – contra factum non argumentum est, e por
isso, ao invés de procurar polemizar e discutir as posições é preciso refletir
profundamente sobre tudo isso A Igreja
de Cristo precisa voltar a ser um verdadeiro instrumento de construção do reino
de Deus na vida dos homens, e isso significa – na vida da sociedade. Para ser
essa força transformadora de Deus neste mundo, a Igreja precisa ser como o seu
fundador: profética, corajosa e decidida em defender o pobre contra todo tipo
de opressão, o que necessariamente
inclui a opção preferencial pelos pobres. Não tem outro caminho.
Trago
aqui, para o blog Indagações, o artigo
mencionado acima. É muito bom.
Não
deixe de ler.
WCejnog
Fracasso do neoconservadorismo
católico brasileiro
José Lisboa Moreira de Oliveira¹
Adital²
19.09.12 – Brasil
Os dados
do último censo demográfico revelaram uma queda no número de católicos no
Brasil. Segundo as estimativas a percentagem caiu de 83,34% para 67,84% nos
últimos 20 anos. A questão foi discutida na última assembleia geral da CNBB, em
abril deste ano, em Aparecida (SP). Alguns bispos ficaram horrorizados com a
notícia. Outros tentaram minimizar os dados, achando que se tratava de
"intriga da oposição”. Outros, talvez mais realistas, não se assustaram
com os dados do IBGE.
O certo é
que não seria necessário esperar estes dados oficiais para nos darmos conta
deste fenômeno. Qualquer católico sério, antenado com a realidade, sabe muito
bem que sua Igreja perde cada vez mais fiéis. Basta dar uma olhada nas missas,
nos grupos, nos movimentos, nas pastorais, para perceber com clareza esta
situação. É verdade que alguns templos ainda ficam repletos aos domingos e que
alguns padres cantores reúnem milhares de pessoas em seus espetáculos
religiosos. Alguns se iludem com isso e pensam piamente que a Igreja Católica
ainda é uma força hegemônica. Mas este público é insignificante diante da
percentagem de católicos, de modo que se pode afirmar, sem medo de errar, que o
número de praticantes é bem inferior aos dados fornecidos pelo IBGE. Se formos
fazer a conta na ponta do lápis é possível dizer que os católicos praticantes
não superam os dez por cento. Se depois pensarmos na juventude participativa
este número deve cair para menos de um por cento.
Porém, o
mais interessante nesta história é que a diminuição dos católicos no Brasil
coincide com o desmantelo da Igreja da libertação e com a implantação de um
regime católico neoconservador. Os católicos vão diminuindo no Brasil na medida
em que as comunidades eclesiais de base vão sendo sistematicamente abolidas e
substituídas pelos movimentos neopentecostais católicos. O número de católicos
começa a cair a partir do momento em que são nomeados bispos mais
conservadores, os quais são orientados a sistematicamente destruir todo e
qualquer vestígio de Igreja da libertação. Foi o que aconteceu, por exemplo, em
Recife, por ocasião da substituição de Dom Helder Câmara.
A
diminuição de católicos coincide com a chegada ao Brasil das redes católicas de
televisão e seus programas de apologia ao conservadorismo. Os católicos
diminuem enquanto aumenta o número de padres cantores, de padres na mídia e de
seminaristas midiáticos, todos eles plugados vinte e quatro horas na internet
para "evangelizar” através de meios moderníssimos e velozes. Os católicos
diminuem na medida em que na Igreja aparecem e se multiplicam comunidades
exóticas com seus trajes medievais e seus costumes estranhos e maniqueístas. A
diminuição de católicos não para, apesar de todo o esforço para massacrar a
teologia da libertação, punir teólogas e teólogos brasileiros, vestir
clericalmente os padres, romanizar as liturgias e tirar do velho baú católico
coisas ultrapassadas, arcaicas e mofas.
Alguma
coisa deu errada. No final dos anos 1970, quando, com o pontificado de João
Paulo II, o neoconservadorismo começa a aparecer, dizia-se que a Igreja da
libertação tinha que ser banida porque colocaria em risco o futuro da Igreja
Católica no continente latino-americano. Acabaram com tudo aquilo que poderia
cheirar a libertação, mas, mesmo com a implantação da neocristandade, o catolicismo
murchou. O projeto neoconservador falhou e, com a chegada dele, acelerou-se o
encolhimento do catolicismo brasileiro. O tiro parece ter saído pela culatra.
Penso que
está na hora da Igreja no Brasil fazer uma séria reflexão. Suas lideranças precisam
ser honestas com elas mesmas, admitindo que falharam, acelerando, com seus
métodos, o decréscimo dos católicos brasileiros. Elas que tinham tanto medo da
teologia da libertação, que a demonizaram e combateram, agora amargam o
resultado de suas intervenções. Elas, e não a Igreja da libertação, provocaram
a crise do catolicismo brasileiro.
Eu não
estou preocupado com o crescimento dos evangélicos. Embora esteja convencido de
que muitas igrejinhas evangélicas não possuem nenhuma ossatura de seriedade,
penso que Deus tem os seus caminhos. Inclusive ele pode tirar o seu Reino de
uma igreja, que se pretende dona dele, para entregá-lo a outra. E se ele
entender que o entregará a algum seguimento evangélico, não há quem possa
impedi-lo.
O que
desejo destacar nesta breve reflexão é o falimento de um modelo de Igreja que
foi implantado em nosso país nos últimos anos. Perdeu-se a oportunidade de dar
vida a um jeito de ser Igreja, bem mais próximo do Evangelho e da realidade do
povo brasileiro. Disso não se pode fugir sem trair a verdade. É preciso que as
lideranças admitam isso, se quiserem reverter um pouco a situação atual. Se
insistirem em manter o atual sistema eclesiástico, nosso destino será ainda
pior do que aquele da velha Europa: uma Igreja infantil, feminil e senil,
empoeirada, sem juventude, sem perspectivas, sem vida.
Não
faltaram os "sinais dos tempos”, mas boa parte dos dirigentes da Igreja
Católica preferiu "não interpretar o tempo presente” (Lc 12,56). Teria
sido suficiente, por exemplo, levar a sério quanto disse Paulo VI na exortação
apostólica Evangelii nuntiandi. Neste documento, elaborado a partir das
indicações do Sínodo dos Bispos de 1974 sobre a evangelização no mundo
contemporâneo, o papa, como que profeticamente, previa uma série de vias evangelizadoras
bem condizentes e necessárias à Igreja de então. Mas, pelo visto, o projeto
evangelizador neoconservador que veio em seguida não deu a mínima atenção ao
que o pontífice havia indicado.
Paulo VI,
partindo da importância do testemunho, destacava a urgência do indispensável
contato pessoal, "de pessoa a pessoa” (nº 46). E o contato pessoal não
se dá através de uma pastoral de massas, da utilização impessoal da mídia, mas
através da multiplicação de redes de pequenas comunidades, nas quais, advertia
o papa, as pessoas poderiam preencher o desejo e a busca de relações mais
humanas.
O papa
afirmava, então, o valor das comunidades eclesiais de base, as quais, de modo
particular nas grandes metrópoles, poderiam contribuir eficazmente para a
superação da massificação e do anonimato (nº 58). Mas o que fez a maioria das
lideranças católicas? Preferiu a pastoral das massas, dos rebanhões, dos
espetáculos, nos quais, como tem mostrado a sociologia da religião, prevalece o
anonimato e a indiferença. As pessoas pulam, gritam, dançam, mas sem
preocupação com "o outro”. Pensam apenas nos seus problemas e na
satisfação imediata de suas necessidades e carências. A pastoral de massa não
humaniza as relações. Congrega, reúne, mas não une e nem alimenta a solidariedade.
As
lideranças, em sua maioria, preferiram suprimir as comunidades eclesiais de
base ou as relegaram a um plano secundário, de modo que se pode afirmar que a
existência delas no momento atual é fruto do grande milagre da resistência de
algumas pessoas. Enquanto isso, os evangélicos seguiam o caminho inverso,
abrindo em cada esquina um pequeno templo nos quais as pessoas se encontram não
só para rezar ou cantarolar, mas também para reforçar laços de amizade e de
apoio mútuo. O calor humano torna-se, de certo modo, "vínculo da ágape”,
mantendo as pessoas unidas na comunidade.
Houve
também o desmantelo de outros elementos, apontados por Paulo VI como essenciais
para a nova evangelização. Pense-se, por exemplo, no retrocesso que se deu no
campo do ecumenismo, do diálogo interreligioso, do diálogo com os não crentes e
com os não praticantes. Mas se pense igualmente nos retrocessos internos que
levaram as pessoas pensantes e mais conscientes a abandonarem definitivamente a
Igreja Católica.
Parece-me, pois, que já está na hora da hierarquia no Brasil
colocar-se diante das várias perguntas sérias levantadas por tantas pessoas. E,
como queria Paulo VI, "dar respostas leais, humildes e corajosas, agindo
de consequência” (nº 5).
________________
¹ Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do
Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional.
É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da
Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília.
² Adital: (19.09.12 – Brasil) http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=70602
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