Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

domingo, 5 de maio de 2013

Acerca das boas obras. – Explicações de Martin Weingaertner, pastor luterano. Uma boa reflexão!



Trago hoje para o blog Indagações um texto muito interessante (em forma de entrevista), de Martin Weingaertner¹,  que foi publicado na revista Ultimato, nr. 273, sobre o tema da “salvação”, presente na doutrina cristã. Como entender as expressões bíblicas: “Justificação pela fé” e “A fé sem obras é morta”?

Esta é uma questão  muito debatida pelos teólogos de várias denominações cristãs. A Igreja Católica, entendendo que no plano salvífico de Deus tem lugar para cooperação do ser humano, dava mais ênfase para a frase “A fé sem obras é morta” (Tg 2,6), as Igrejas Protestantes, em contrapartida, apontam que “Só Deus salva”, portanto “A justificação só se realiza pela fé”!
Inclusive, nas últimas décadas houve esforço da parte dessas Igrejas para debater esse tema e chegar ao mútuo entendimento, chegando a aceitar e assinar declarações a esse respeito. O tema, no  entanto, permanece muito confuso e mal esclarecido  para muitos cristãos.

“A fé sem obras é morta” (Tg 2.6). E as obras sem fé? – pergunta o autor do artigo. È uma pergunta importante, entre várias outras.
Penso que a leitura atenciosa desse artigo pode ajudar bastante para uma compreensão melhor dessa questão.
Não deixe  de ler.
WCejnog

 

Revista Ultimato/edição 273/acerca-das-boas-obras

Martin Weingaertner


Acerca das boas obras 

Segundo a literatura budista, “o indivíduo faz o mal por si mesmo; sofre por si mesmo; por si mesmo deixa de fazer o mal; é purificado por si mesmo”. É esse o caminho que me leva a Deus?

O budismo está ancorado nessa fé na capacidade humana. Como toda busca religiosa, parte do princípio filosófico de que somos capazes de vencer o mal e de conquistar o bem. A fé cristã, porém, navega contra essa correnteza, insistindo que ela é um duplo equívoco: Quem pensa poder “por si mesmo deixar de fazer o mal” subestima o mal e sobrestima a si mesmo. O diagnóstico bíblico é: o ser humano foi atropelado pela rebelião contra o bem e não dispõe de recursos para superá-la. O apóstolo Paulo diz: “eu, contudo, não sou [espiritual], pois fui vendido como escravo ao pecado. Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo, mas o que odeio. [...] Porque tenho o desejo de fazer o bem, mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo.” (Rm 7.14ss, NVI.)

Segundo se lê em Islamismo - História e Doutrina (p. 81), “o desejo do muçulmano é que o peso das boas obras que tiver praticado supere o das suas ações más na balança do último juízo”. O discurso de Jesus sobre o julgamento (Mt 25.31-46) combina com o discurso muçulmano?

Toda religião oferece alguma modalidade de contabilidade transcendente. Nelas, o próprio ser humano estabelece as obras computáveis e, depois, avalia seu desempenho. Elaboramos a prova e conferimos a nós mesmos a nota. Os atentados de 11 de setembro mostraram ao mundo quão arbitrárias são essas avaliações! Muhamed Atta, piloto do avião que colidiu na primeira torre, o fez na convicção de “que esta batalha é em prol de Deus” e que estava “viajando rumo a Deus e às bênçãos desta viagem” (das suas instruções manuscritas; Time, 8/10/2001, p. 39). Ele agiu na convicção religiosa, compartilhada por muitos, de que a guerra santa é uma das colunas do islamismo. Este exemplo drástico pode induzir a um moralismo cristão arrogante. Nada pior do que isso. Basta lembrar que protestantes irlandeses que impediram crianças católicas de irem à escola passando pelo seu bairro se alimentam do mesmo veneno. Jesus denuncia esse mecanismo religioso de autojustificação na parábola do fariseu e do publicano (Lc 18.9-14). Para entendê-la, precisamos deixar de caricaturar o fariseu e o publicano.
Equivocadamente, temos o fariseu como fingido, mas ele representa o ser humano no seu esforço religioso mais sublime e sincero. Jesus o contrasta com o publicano, um aproveitador inescrupuloso, que menospreza a fé e compactua com os invasores para ficar rico às custas do seu próprio povo. Colocando-os lado a lado, diante de Deus, um com seus méritos e o outro com seus débitos, Jesus afirma do canalha arrependido: “este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus”.

Enquanto Paulo enfatiza mais a fé, Tiago enfatiza mais as obras. Há algum atrito entre um e outro?

Creio que não. Vou tentar explicar as afirmações conflitantes de ambos. A justificação pela fé, isto é, pela confiança na graciosidade de Deus para com o pecador, não é invenção de Paulo. Apenas explicita o que Jesus ensinou e praticou e o que o próprio perseguidor de cristãos experimentou. Junto a Damasco, ele fora alcançado pela misericórdia imerecida à semelhança do malfeitor na cruz. A partir de então tornou-se arauto incansável desse presente inaudito. Já Tiago reage a uma situação diferente. Enquanto Paulo enfrenta a autojustificação humana, o irmão do Senhor depara-se com quem aceitou a salvação graciosa e a usa como desculpa para cruzar os braços e viver descomprometidamente. Obviamente, Tiago tem de classificar esta fé deturpada de “morta”. O próprio Paulo rejeitaria uma leitura pela metade do seu evangelho. Quem omitir o que diz o final de suas cartas sobre a obediência, jamais entenderá a fé que pregou. Na carta aos Romanos, Paulo usa duas vezes a expressão “a obediência que vem pela fé” (1.5; 16.26) para indicar o vínculo indissociável fé e obras.

Lutero dizia que Tiago “desfigura as Escrituras e, assim, opõe-se a Paulo e a todo texto sagrado”, além de chamar a carta de Tiago de “a epístola de palha”.

Lutero realmente teve dificuldades com a carta de Tiago. Mas ele discorda de Tiago, principalmente pelo uso que a igreja medieval fazia da sua carta. Esquecida da graça, ela recorria a Tiago para fundamentar teologicamente sua pregação de salvação por obras e sua lucrativa indústria de indulgências. Foi nesse cenário que Lutero, que não usava meias palavras, externou seu desacordo com Tiago. Nem por isso ele deixou de traduzir a carta, nem de pregar sobre ela.

Calvino também critica Tiago, dizendo que “na proclamação da graça de Cristo, Tiago parece mais moderado do que seria próprio a um apóstolo”.

Ainda que Calvino tenha atuado na geração posterior a Lutero, ele deparou-se com o mesmo cenário espiritual e eclesiástico, de modo a sentir também que Tiago não lhe fornecia a munição com o peso específico de que necessitava para o combate pela verdade do evangelho, para o qual fora chamado.

Tiago elogia as obras de Abraão (Tg 2.21) e a epístola anterior elogia a fé de Abraão (Hb 11.8-19). Uma coisa tem mais valor que a outra?

Penso não se tratar de duas coisas, mas de uma só, “a obediência que vem pela fé” ou a “fé que gera obediência”. Tiago elogia as “obras de Abraão”, referindo-se à sua obediência confiante em Deus, que lhe ordenara o absurdo sacrifício do seu próprio filho. Ele enfoca a fé ‘de ré’, a partir do resultado. Ele destaca a obediência que a fé gerou e pela qual esta mostrou ser autêntica. O autor de Hebreus olha para o começo, para a fonte que gera a ação obediente. O teólogo e mártir alemão Dietrich Bonhoeffer enfatiza que, ao separar fé e obediência, bagatelizamos a “graça preciosa”. E “a graça barata é inimiga mortal da Igreja” (Discipulado, Sinodal, p. 9).

A fé sem obras é morta (Tg 2.6). E as obras sem fé?

São mortíferas, porque inflam o nosso ego de vaidade até estourar. Enquanto isso, toda sorte de vermes se nutrem no seu interior, mormente a incapacidade de autocrítica.

Duas vezes a Epístola aos Hebreus fala em “obras mortas” (6.1; 9.14). O que é isso?

Respondo com uma pequena parábola: Certo dia, um filhote de macaco encontrou uma jaguatiricazinha. Não contaminados pelas hostilidades dos adultos, conversaram sobre sua condição de filhotes. Dizia o macaquinho: “É estressante ser filho”. Respondeu a jaguatirica: “Não entendo você, pois ser filho é algo lindo!” O macaco pensou um pouco e retrucou: “Você acha lindo, porque sua mãe não vive pulando de galho em galho!” “Pula, sim!”, revidou o gatinho. Depois de um silêncio, o macaquinho retornou: “Se sua mãe também pula de galho em galho e você acha isso lindo, é porque vocês, felinos, nascem cegos e não enxergam bem!” Meio encabulada, a jaguatirica não se deu por vencida: “É bem verdade que não enxergo bem, mas, em compensação, a minha mãe vê no escuro!” Por que ambos divergem tanto quanto ao ser filho? O gatinho é carregado por sua mãe. Fica despreocupado, pois confia em quem cuida dele. O macaquinho, porém, agarrado ao peito da mãe, a cada salto fica de costas para o abismo. É atormentado pelo temor de que não consiga segurar-se. Além disso, sua mãe poderia ter queda de cabelos... Em ambos os casos, ele despencaria. Cristão é como filhote de gato: é carregado por quem vê no escuro. Quem depende de suas próprias obras é qual o filhote de macaco.
Um dos atritos entre católicos e protestantes na época da Reforma era a questão da fé e obras. Quais eram as posições então assumidas pela igreja romana e pela igreja reformada?

Os atritos entre os líderes da Reforma do século 16 e a igreja romana podem ser sintetizados no debate de Erasmo e Lutero sobre o livre arbítrio. Erasmo afirmava que o homem coopera com a graça de Deus, querendo e buscando a sua salvação. Em sua resposta “Da vontade cativa” (Nascido Escravo, Ed. Fiel), Lutero insiste que, depois da queda, a humanidade está incapacitada para optar pelo bem, ainda que o queira. Assim, a obra salvadora é de Deus unicamente. Não há cooperação na salvação. A nossa parte não é fazer, segurar, mas deixar Deus fazer, carregar, qual a jaguatiricazinha.

Ainda existe diferença entre católicos e protestantes quanto à questão da fé e obras?

Há segmentos católicos com os quais se chegou a um consenso razoável na compreensão de fé e obras, à luz da Escritura. Mas, enquanto em Augsburgo luteranos e católicos assinavam solenemente um consenso desses, Roma publicava as indulgências referentes à virada do milênio. Assim, na prática, a dissensão básica continua.



¹Martin Weingaertner, pastor luterano, é capelão do Tribunal de Justiça do Paraná. É autor de comentários bíblicos sobre 1 e 2 Timóteo e Tito (Encontro Editora) e editor do devocionário Orando em Família.





 









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