Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Corpus Christi ou Corpo de Deus? Que corpo, mesmo, essa data recorda e celebra? - Relembrando um artigo.



Artigo sobre o dia de Corpus Christi, de autoria de Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin, publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) quatro anos atrás. Apesar de as datas da festa serem diferentes, o texto  continua sendo muito atual e pode servir como uma boa reflexão para quem desejar ou estiver interessado no assunto.


Achei oportuno trazê-lo hoje para o blog Indagações, no momento em que no mundo inteiro a Igreja Católica celebra este dia.
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Eis o artigo: 
Antonio Cechin
Jacques Távora Alfonsin

Dia 11 de junho [2009], festa ou feriado? “Corpo de Deus” ou “Corpus Christi”? Véspera do dia de Santo Antônio ou do dia dos namorados? Os grandes meios de comunicação, quando em português, designam o dia como de “Corpo de Deus”; quando em latim, como de “Corpus Christi”. Essa dupla designação levanta a diferença fundamental entre as religiões em geral e o cristianismo em particular. Para aquelas, “Deus é um Espírito perfeitíssimo, eterno, criador do céu e da terra”. Por isso, se o Deus das religiões é só Espírito, para elas é de todo inconveniente falar em “Corpo de Deus”. 

Cristianismo fora de Jesus Cristo não está com nada. O Homem-Jesus-de-Nazaré veio ao mundo 2010 anos atrás, na Terra Santa ou Palestina. Deus, para as religiões, é totalmente transcendente e tem sempre aqui na terra um profeta, um guru, alguém em suma, que é quem o explicita. No islamismo, por exemplo, Deus é Allá e seu profeta é Maomé; na religião afro-brasileira, Deus é Oxalá e intermediário é o Orixá; em países asiáticos o Deus transcendente tem Buda como profeta. Enquanto as religiões tem sempre seu referencial em Deus, o cristianismo fora do Homem-Jesus-Cristo não existe. Porém Jesus que é um Homem de carne e osso é também Deus em plenitude. Para os cristãos portanto, a festa do dia 11 está muito mais para “Corpus Christi” do que para “Corpo de Deus”.

Há uma pendenga no ar, em Porto Alegre, porque, neste ano, a festa do Corpo de Cristo transcorre na véspera do dia dos namorados – 12 de junho – que é também véspera de Santo Antônio, o santo casamenteiro. Os comerciantes batalharam para que Corpus Christi fosse transferida para segunda-feira, dia 13 e assim fizesse dobradinha com o dia de Santo Antônio, com dupla vantagem: a de criar mais um feriadão e também mais uma de vendas a rodo, já que a data dos namorados é a segunda festa anual em volume de comércio. É a famigerada “auri sacra fames” dos antigos (a sagrada fome de ouro). Essa última festa vem assinalada por miríades de corações estampados por toda a parte: lojas, ruas, praças, restaurantes, etc. É a festa do amor por excelência segundo a grande propaganda e por isso a consagração do namoro.
Na prática sabemos que o amor humano com todo seu romantismo estampado nos símbolos, dá a impressão de dar de goleada no amor divino que a fé tenta extravasar nos ritos litúrgicos de Corpus Christi. Só que certos amores humano exibido por multidões de namorados e celebrado pela mídia é muito mais paixão que amor. 
Qual é a distinção que fazemos? Certas paixões são sempre captativas, individualistas, egoístas. Nessas, a pessoa coloca a si no centro e espera da outra pessoa – o/a amada – a obrigação de estar totalmente voltada para namorado(a) ou cônjuge. No AMOR é exatamente o contrário que acontece. Aqui, AMOR é oblação, isto é, “eu que amo, quero fazer a pessoa amada inteiramente feliz e realizada, mesmo que seja às expensas de meu bem-estar e alegria. Se isso acontecer de fato, no relacionamento Homem-Mulher aonde um visa totalmente a felicidade da outra e vice-versa, é o céu na terra sem solução de continuidade depois da morte, junto do Deus-AMOR.

Jesus Cristo é o Deus-Amor porque Ele veio nos revelar o verdadeiro AMOR oblativo, total, só ele digno do nome Amor porque, o primeiro, o captativo é falso, por isso morre logo aí adiante no arrastão do primeiro contratempo. O próprio Mahatma Gandhi, que não era cristão, exclamou: “A um povo de famintos, Deus só pode aparecer como Pão” e o Homem de Nazaré disse: “Não há maior prova de amor do que dar a Vida por aqueles aos quais se ama!” Não só falou mas concretizou com seus sofrimentos (paixão), morte na cruz, ressurreição e ascensão. Tornou-se pão para ser símbolo máximo do infinito amor pelas suas criaturas. Isto nós celebramos com a festa-feriado de Corpus Christi. As procissões que levam o Pão consagrado por ruas, casas e janelas enfeitadas para a ocasião, revelam uma devoção popular histórica, devota, cujo valor espiritual e cultural tem de ser acentuado. 


A ênfase que se dá a uma Presença sacramental de Jesus Cristo não exclui, todavia, a sua presença igualmente Real, Encarnada e Viva nos corpos daquelas pessoas que, como Ele, foram e têm sido  desprezadas, perseguidas pelo poder econômico, político e religioso de cada época. À nossa volta existe muita gente processada, presa,  condenada e morta, justamente pela fidelidade que guardou ontem e guarda hoje à Sua Vontade Libertadora e Redentora do mal, do pecado, da injustiça. 

Uma certa cerimônia religiosa, por sua pompa, solenidade vistosa e aparato, assim, corre o risco de fazer do seu significado o esquecimento do seu significante, sendo capaz de imitar ideologicamente uma exibição de autoridade e poder contra a qual o Corpo de Jesus Cristo, vítima pobre, flagelada e crucificada pelo mesmo tipo de mando, deu testemunho claramente oposto.

O sentido litúrgico dos ritos, das procissões que celebram a Eucaristia, antes de reduzirem o Mistério da Encarnação a uma Presença Mágica de solução de todos os nossos problemas, recorda que ela apareceu numa certa mesa em que se partia  o pão para todas/os, um pão material que, além de saciar a fome física dos comensais, pretendia perenizar tanto um modelo de amor, de partilha e convivência, quanto uma Presença Divina na história.

O fim transcendente ao sacramento celebrado na próxima quinta-feira parece não ser outro que não o do concreto modo pelo qual esse modelo cumpre a ordem de Jesus Cristo, “fazei isso em memória de mim”.  Em que o “nem só de pão vive o homem”, num contexto de repúdio à tentação de um consumo egoísta e exclusivo, posteriormente responsável pelo assassinato do Filho de Deus, vai ser confrontado depois pelo “... felizes os que têm fome e sede de justiça”, “...foi no partir do pão que nós o reconhecemos”, num contexto de ressurreição e de vitória sobre a morte.

Essa explicitação serve bem ao sentido e à referência que a celebração de Corpus Christi comporta. Questiona o reducionismo censurado pelo próprio Jesus Cristo quando advertiu de que não “não é aquele que me chama de Senhor, Senhor, que entrará no Reino dos céus”, pois entre os sinais dos tempos que aparecem hoje, a ausência progressiva dos sinais da Eucaristia, aquela que não é puramente sacramental, parece inquestionável. Tão Real como Essa, aquela constitui desafio à prática de quantas/os querem ser fiéis a uma e à outra já que, em verdade, nem deviam ser consideradas separadamente.

Entre discutir se a data de celebração de Corpus Christi, portanto, deve ou não ser feriado, se a procissão vai sair com chuva ou sem chuva, quem deve ou não levar o ostensório, parece mais importante refletir que pensamento, sentimento e ação ela nos convida a considerar como os mais apropriados ao Amor e à Vida que ela encarna. 

Salvo melhor juízo, convém que a gente participante da  procissão em homenagem ao Pão Consagrado seja a mesma que pega no arado sem olhar para trás, a que toma a sua cruz em seguimento de Jesus Cristo, a que ama os pobres e os pecadores, não os julgando para não ser julgada, a que, a caminho do Pai, espera encontrá-lO na eternidade, menos por ter participado dessa homenagem e mais por ter dado a vida pelo que aquele Pão simboliza  e encarna. 




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