Mais
um artigo muito interessante sobre o Soren Kierkegaard, de Gorge Pattison, publicado
recentemente no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). O(a) leitor(a) encontra
nele informações preciosas sobre a vida, as ideias e pensamentos, como
também sobre a influência deixada por
esse grande filósofo e pensador no mundo contemporâneo.
Por
me agradar muito, trago esse artigo também para o blog Indagações, na esperança
de poder proporcionar uma alegria e satisfação para quem quiser saber mais do
Kierkegaard, ou, até mesmo, conhecer ou relembrar quem era esse homem.
Não deixe de ler!
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Notícias
Sexta, 10 de maio de 2013
Celebrando Kierkegaard, um pensador apaixonado. Artigo de George Pattison
O dia 5
de maio foi o 200º aniversário do nascimento de Soren Kierkegaard, um dos
filhos mais notáveis da Dinamarca. Hoje, ele é sem dúvida o
filósofo mais renomado e influente em nível internacional a vir da Escandinávia,
unindo uma divisão entre secularismo e fé.
Eis o texto.
Um
filósofo ou um teólogo, ou mesmo um escritor literário. Um cristão, ou
possivelmente um pós-cristão. Os debates continuam, 200 anos após o seu
nascimento, quanto à forma de categorizar Søren Kierkegaard. Mas o que é
indubitável é que levou cerca de meio século para que a sua obra se tornasse
conhecida fora da Escandinávia,
e, quando isso aconteceu, seu impacto foi impressionante.
Esse
impacto, provavelmente, chegou ao seu auge na segunda e terceira décadas do
século XX, especialmente no mundo de língua alemã, onde ele forneceu muitos dos
termos-chave, imagens e metáforas para a filosofia da existência de Heidegger e para a
teologia dialética de Karl
Barth e seus associados.
E,
embora o pensamento de Kierkegaard
reflita fortemente a tradição luterana da sua Dinamarca natural, ele também se tornou
uma presença poderosa na teologia católica nesse momento, com figuras eminentes
como Erich Przywara
e Romano Guardini
contribuindo com estudos significativos.
Mais
recentemente, o arcebispo Bruno
Forte publicou um pequeno livro intitulado Fare teologia dopo Kierkegaard
("Fazer teologia depois de Kierkegaard"), um título sugestivo do
papel de Kierkegaard
em trazer à tona algumas das questões definidoras da teologia moderna. Mas para
onde leva o caminho próprio de Kierkegaard
e em que ele contribui para a compreensão da situação religiosa do nosso tempo?
O
seu aniversário será celebrado com festividades na Igreja Catedral de Copenhague, e haverá
conferências acadêmicas neste ano na Dinamarca
e no exterior, assim como muitos novos estudos publicados. A ironia de tudo
isso não ficará despercebida para aqueles que leram as suas próprias explosões
satíricas contra encontros celebrativos em homenagem a escritores e pensadores
em que brindes e discursos são feitos, e as ideias pelas quais eles viveram e
morreram são silenciosamente ignoradas.
O
fato de que o próprio funeral de Kierkegaard
ocorreu na igreja onde as comemorações oficiais da sua vida vão agora começar é
notável em si mesmo, já que havia muitos na época que pensavam que era altamente
inapropriado que um homem cuja vida terminou com um ataque mordaz contra o
sistema dominante da Igreja tivesse um funeral no fim das contas.
Tendo-lhe
sido oferecida a Comunhão em seu leito de morte, Kierkegaard – que
escreveu algumas das mais belas meditações jamais escritas sobre a preparação
para receber o sacramento – declinou, a menos que ela pudesse ser dada por um
leigo (o que ele sabia que era impossível), tal era o seu desencanto com o
cristianismo dominante.
A
maneira da sua morte e os escritos do período que levaram a isso forneceram
apoio a duas interpretações muito diferentes sobre a trajetória geral do seu
pensamento. A primeira é que ele estava a meio caminho para o secularismo e
que, se tivesse vivido mais tempo, ele poderia ter se desenvolvido em uma
espécie de Nietzsche
dinamarquês. Esse é o Kierkegaard
que também atraiu os teólogos seculares e da "Morte de Deus" da
década de 1960.
A
outra é que o seu problema precisamente tinha a ver com a forma pela qual o
cristianismo protestante foi absorvido na sociedade secular de tal forma a não
deixar nenhuma distância crítica entre a Igreja e a sociedade. Ser dinamarquês
era ser cristão luterano. No entanto, se ele tivesse vivido mais tempo, essa
desilusão poderia tê-lo levado a uma versão mais católica do cristianismo e à
redescoberta da própria dimensão contracultural da cristandade católica. Ele
disse uma vez de sua própria autoria que ele estava essencialmente no mosteiro
quando começou a escrever. Talvez – nessa visão – o mosteiro pode ter sido um
lar adequado para tal poeta extraordinário do amor de Deus.
Mas
qualquer coisa a mais que possa ser dita a favor ou contra ele, Kierkegaard importa
hoje: ele é um dos poucos pensadores pós-Iluminismo
cuja obra é definida por uma agenda cristã e, no entanto, continua sendo um
importante ponto de referência para o mundo secular. Ele pode ser visto como o
progenitor da angústia existencial e da ironia pós-moderna, tanto quanto ele
pode ser lido pelas suas intuições extraordinárias sobre os cuidados pastorais.
E, normalmente, um seminário acadêmico sobre Kierkegaard hoje provavelmente incluirá
filósofos morais seculares, assim como praticantes da vida devota.
Essa
divergência na herança intelectual de Kierkegaard
não é meramente arbitrária. Pois ele foi um dos primeiros pensadores cristãos a
realmente entender – existencialmente, assim como intelectualmente – que, após
o Iluminismo e as revoluções democráticas do século XIX, o cristianismo não
podia mais ser considerado como a segunda opção de qualquer cidadão
bem-intencionado. Aqui, no entanto, nos deparamos com um grande ponto de tensão
em seu pensamento.
De
um lado, ele considerou vários aspectos da modernidade com horror, e algumas de
suas considerações sobre a ciência moderna, a emancipação das mulheres, a
democracia e o "progresso" do século XIX chegaram bastante perto dos
pontos de vista expressados no "Sílabo de Erros".
Por
outro lado, ele parece ter percebido que as tentativas de restaurar o ancien régime foram
condenadas ao fracasso, intelectual e socialmente. Nós não podemos voltar atrás
do Iluminismo invocando uma autoridade que perdeu o seu poder de compelir. O
cristianismo pode ter reservas e críticas significativas perante as ideologias
da modernidade, mas ele precisa reconhecer a realidade daquilo que tem sido
chamado de condição da modernidade.
Esse
reconhecimento leva a várias das características definidoras do pensamento de Kierkegaard,
começando pela sua estratégia de comunicação indireta. No mundo moderno, pensou
ele, as pessoas aprenderam a interpretar o cristianismo como a acomodação total
de um estilo de vida burguês confortável. Mesmo que o conteúdo de um sermão
continue sendo desafiador, eles vão pensar que é apenas o tipo de coisa que o
clero deve dizer e não requer uma ação significativa em resposta.
Portanto,
o comunicador cristão contemporâneo começará – como o próprio modelo de Kierkegaard, Sócrates
– no ponto em que o ouvinte realmente está. Então, se o mundo moderno valoriza
a liberdade do sujeito individual, é aí onde o cristianismo deve começar. É
claro que o cristianismo também está propriamente preocupado em promover a
liberdade humana, mesmo que a sua ideia do que constitui a liberdade genuína
seja diferente das ideias pós-Iluminismo
de autonomia e de liberdade de escolha.
O
objetivo, então – da forma como Kierkegaard
viu –, é assumir a ideia moderna de liberdade e mostrar como ela pode ser
aprofundada a tal ponto em que ela aprenda a sua necessidade de Deus: "A
dependência de Deus é a única independência", escreveu ele, "porque
Deus não tem peso. E, portanto, aqueles que são inteiramente dependentes dele
são leves".
A
forma como ele fez isso foi oferecer explorações ficcionais dos estilos de vida
dos defensores contemporâneos da liberdade artística e moral e mostrar como
eles estavam realmente impulsionados pelo desespero e pelo ódio a si mesmos. Em
termos de seus próprios "estágios" de existência, a estética
precisava perceber a necessidade moral e psicológica para o compromisso ético
interior, que, por sua vez, precisava do fundamento da confiança em Deus.
A
amizade e o amor só são possíveis se reconhecermos que a liberdade individual
não é tudo, enquanto o sofrimento, a morte e o dom da vida mostram que os
valores morais também precisam de uma base mais profunda.
No
entanto, o ponto é que os seus leitores tinham que descobrir isso por si mesmos
ao invés de serem "ensinados". Dessa forma, Kierkegaard endossou
a subjetividade como o meio pelo qual as reivindicações da religião precisavam
ser abordadas. As provas para a existência objetiva de Deus ou da alma, ou a
validade histórica das Escrituras não significam nada, a menos que a questão de
Deus nos agarre pelo coração da nossa existência. "A subjetividade é a
verdade", declarou ele, embora ele também tenha acrescentado que "a
subjetividade é a falta de verdade", no sentido de que grande parte do que
conta como liberdade subjetiva se baseia em mais ou menos autoengano
intencional.
Por
outro lado, as dúvidas teóricas que muitas vezes foram apresentadas como
objeções ao cristianismo estavam, em sua opinião, em grande parte baseadas no
autointeresse do cético e, no fundo, em racionalizações para não querer se
envolver com Deus. Mas, novamente, o ponto não era simplesmente denunciar o
cético, mas sim mostrar como a dúvida refletia o "eu dividido" do
mundo moderno e como a tarefa principal não era para responder às questões
teóricas, mas sim restaurar a unidade do "eu" ou da pessoa.
Tudo
isso significa que Kierkegaard
via a fé como um chamando à decisão e ao compromisso – daí o "salto de
fé" que geralmente é citado como o resumo da sua visão de fé. Mas nunca é,
como afirmam críticos como Alasdair
McIntyre, um salto meramente arbitrário ou imotivado. Pois todo
o impulso da comunicação indireta de Kierkegaard
é mostrar como a fé resolve as tensões de outra forma insolúveis no centro da
existência humana. Usando uma frase que ele tomou emprestado da Escritura, é
uma questão de "fortalecer o homem interior".
Se
a comunicação indireta de Kierkegaard
levou os seus leitores ao ponto em que eles começaram a buscar tal
fortalecimento interior por si mesmos, os seus escritos diretamente religiosos
começaram a analisar a história, desenvolvendo-a para enfatizar o tom
fundamental de gratidão pela vida que a fé em Deus provoca, a necessidade pelo
compromisso constante com obras de amor, e a necessidade do discipulado
sofredor daquele cujo amor foi testado até os limites ao ser desprezado e
rejeitado por aqueles que ele veio salvar.
Esse
modelo de vida religiosa se valeu não só do luteranismo contemporâneo, mas
também de São
Francisco de Sales e da tradição mística medieval, assim como
do seu estudo constante e intenso das Escrituras. Se a maioria dos comentadores
pensam que, no fim, Kierkegaard
foi longe demais na sua ênfase sobre a necessidade do sofrimento, não é menos
verdade que – como Teresa
de Lisieux ou Charles
de Foucauld – ele nunca se esqueceu de que o sofrimento e a
abjeção são inúteis em si mesmos se não forem vividos no espírito de gratidão.
Aqueles que são verdadeiramente independentes, escreveu ele, "são
independentes – mas dão graças".
Alguns
podem pensar que as celebrações reais, as conferências acadêmicas e as feiras
de livros só dão mais força ao fato de caiar os túmulos dos profetas. Mas se
eles são um sinal de que Kierkegaard
está sendo lido, isso é bom – e, no que se refere à teologia, é ainda melhor se
for um sinal de que estamos levando a sério a tarefa do testemunho cristão em
um mundo que não reverencia mais a autoridade das hierarquias ou das Escrituras
e que se desconectou das seus próprias tradições definidoras.
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