O que pensar sobre o
celibato dos padres diocesanos da Igreja Católica Apostólica Romana, rito
latino? É claro que esta é uma pergunta
que gera polêmicas e alimenta as discussões lá, onde as
"coisas" da Igreja têm algum valor na vida das pessoas ou são
importantes para as comunidades eclesiais.
Sabemos que hoje em dia
não são poucas pessoas que são a favor de mudanças na Igreja Católica e esperam
por elas. Mudanças essas que deveriam incluir, inclusive, a questão do celibato,
tornando-o apenas facultativo e não obrigatório. Por outro lado, existem também
pessoas que são defensoras ferrenhas da manutenção do celibato dos padres,
procurando argumentos de todo tipo, para
tornar mais “dogmática” possível essa
questão.
Enfim, existem também
pessoas, e provavelmente elas são a imensa maioria, que não sabem o que pensar
sobre isto, pois nunca tiveram acesso às informações objetivas ou que, talvez,
por falta de interesse, não tenham opinião própria.
E nós - eu e você,
caro(a) amigo(a) leitor(a) ou visitante
deste blog - será que temos uma opinião bem formada e justa em relação a este
assunto? Fazemos questão para buscar respostas que sejam verdadeiras e
objetivas?
O artigo que trago hoje
para o blog Indagações pode ser muito útil para quem estiver interessado em
conhecer mais a fundo a questão do celibato. É um artigo muito
interessante, esclarecedor e contundente do nosso prezado colega José
Lisboa Moreira de Oliveira. O autor analisa o tema com muita competência e
clareza. O artigo foi publicado no seu blog em meados de outubro de 2013.
Penso que abordagens
deste tipo possam ajudar na construção de
uma visão mais objetiva e justa sobre o tema em questão e por isso
merecem ser divulgados e compartilhados
com os outros.
Não deixe de ler! .
WCejnóg
Blog O Chamado
Quarta-feira, 16 de outubreo de 20013.
Celibato forçado
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo,
teólogo e professor universitário.
Há poucos dias o papa Francisco
concedeu uma entrevista ao jornal italiano La
Repubblica, na qual afirmava que a Igreja é “vaticanocêntrica”. Salvo
engano, com tal afirmação o papa queria falar de uma Igreja voltada totalmente
para si mesma, sem suficiente abertura para a missão e para os sinais dos
tempos. Queria também falar da máquina burocrática vaticana que emperra tudo;
que tudo concentra e não responde às urgências do momento. Vivendo para si
mesma a Igreja se distancia do Evangelho e da proposta de Jesus. Transformada
em uma burocracia, a Igreja deixa de ser sensível aos apelos de Deus, que se
apresentam em tantas questões que esperam por soluções urgentes. E tais
soluções não devem ser tomadas por uma questão de modismo, ou porque existem
reivindicações em muitas partes do mundo. Devem ser tomadas para que a Igreja
cumpra mais fielmente a sua missão no momento atual.
Entre os tantos problemas que exigem
uma solução urgentíssima está ocelibato forçado para os padres diocesanos da Igreja
Católica Apostólica Romana de rito latino. Na Igreja Católica Romana de rito
oriental esse problema não existe: os padres podem se casar. O que prova que a
hierarquia da Igreja Romana usa um peso e duas medidas. É injusta com
os padres de rito latino.
Sabemos que até o século XII existiam
padres casados na Igreja Católica de rito latino, os quais conviviam
tranquilamente com os colegas que livremente tinham optado pelo celibato. Na
Igreja do Novo Testamento temos o testemunho de que existiam ministros casados
e ministros celibatários. Pedro, considerado pela Igreja Católica o primeiro
papa, era casado (Mc 1,29-31). É verdade que inventaram uma história de que ele
era viúvo, mas isso não tem nenhum fundamento bíblico e histórico. Pelo
contrário, segundo um depoimento do apóstolo Paulo (1Cor 9,5), tudo indica que
Pedro e os demais apóstolos levavam suas esposas em suas viagens missionárias.
Tentaram minimizar esse dado, dizendo que se tratava de mulheres cristãs que
seguiam os apóstolos. Mas nada nos impede de pensar que as mulheres mencionadas
por Paulo eram as esposas dos apóstolos. A única exigência encontrada no Novo
Testamento é que o ministro ordenado, inclusive o bispo, seja “marido de uma só
mulher” (1Tm 3,2).
O padre e psicólogo norte-americano
Donald Cozzens, em seu livroLiberar o celibato (Loyola, 2008), nos traz uma longa
lista de papas e bispos famosos que eram casados. O papa Sisto era filho de um
padre; o papa Dâmaso I era filho de um bispo. O papa Inocêncio I era filho do
papa Santo Anastásio. O papa Hormisdas teve um filho que se tornou papa e
santo: São Silvério. O último papa casado foi Adriano II que governou a Igreja
entre os anos 867-872. Convém chamar a atenção para o fato de que esses papas e
bispos eram casados e tiveram filhos não porque tenham violado a lei do
celibato ou porque eram viúvos. Simplesmente porque naquele período era normal
o casamento de ministros ordenados.
O celibato forçado para todos os
padres da Igreja Católica se tornou obrigatório a partir do Segundo Concílio de
Latrão (1139). As pesquisas revelam que o motivo dominante que levou a exigir
dos padres o celibato forçado foi apureza ritual. A síntese dessas
pesquisas, com farta documentação, se encontra no livro Por uma Igreja mais humana (Paulus, 1989) de Edward Schillebeeckx.
A chamada lex continentiae (lei de continência), que já aparece
no final do século IV, exigia que o padre não mantivesse relações sexuais com a
sua mulher na noite do sábado para o domingo, ou seja, na noite que precedia o
dia da celebração eucarística. A razão era a mais absurda possível: por
influência do maniqueísmo, a relação sexual era considerada impura e indigna de
quem iria “tocar” no Corpo do Senhor, a Eucaristia. Quando no século XII a
missa passou a ser diária, e não apenas no domingo, o dia do Senhor, e o padre
obrigado a celebrá-la todos os dias, a lei da continência perpétua tornou-se
obrigatória para todos os padres do rito latino.
Schillebeeckx nota que ao fazer isso
a Igreja Católica simplesmente adotou um costume pagão, uma vez que esse tipo
de pureza ritual – a abstenção da relação sexual – era obrigatório para os
sacerdotes pagãos das religiões dos povos do Mediterrâneo. O autor fala também
do sofrimento das mulheres dos padres de então que, após a determinação do
Concílio de Latrão II, se viram impedidas de conviver com seus maridos padres
e, por isso, mandas embora de seus lares.
Após a determinação do segundo
concílio de Latrão passou a vigorar o princípio absoluto de que “omnis coitus
immundus est”, ou seja, “todo coito é imundo”. A relação sexual passa a ser
vista como uma coisa suja, intolerável para um padre. A relação sexual e o
prazer sexual já tinham sido “satanizados” havia muito tempo e alguns autores
cristãos – lamentavelmente considerados santos pela Igreja – chegaram a propor
que a lei da continência fosse obrigatória para toda pessoa batizada. A coisa
não foi adiante pelo simples fato de que era preciso continuar com a procriação
da espécie humana. E como a procriação naquela época não podia ser feita de
outra maneira, concordou-se em “tolerar” o matrimônio e dentro dele a relação
sexual.
Fica, então, bem evidente que o
celibato forçado para os padres da Igreja Católica possui uma motivação inicial
absurda, que não pode ser mais aceita no mundo de hoje. Por trás do celibato
obrigatório está uma visão maniqueísta do sexo e da relação sexual. Como vimos
antes, na origem do celibato obrigatório não está um princípio evangélico, mas
um costume pagão ligado ao ideal estóico da “ataraxia” (ausência de
perturbação). Segundo tal concepção, a relação sexual era tida como uma espécie
de “pequena epilepsia” que tirava do homem (varão) os sentidos e, por isso, não
era racional e digna do sábio. É claro que, após a introdução da lei da
continência obrigatória para os padres, centenas de milhares de páginas foram
escritas para “espiritualizar” e justificar o celibato imposto, inclusive
apresentando razões idiotas como, por exemplo, o fato de que o padre casado
colocaria em perigo os bens da Igreja. Tentou-se justificar tal imposição pelo
fato de que Jesus não era casado. O padre, para ser um “alter Christus”, um
“outro Cristo”, para agir “in persona Christi”, no “lugar de Cristo”, deveria
necessariamente ser celibatário. Porém, a história eclesial feita com seriedade
e honestidade comprova que tal “espiritualização” é estúpida e não tem o menor
sentido. A razão verdadeira da manutenção até hoje do celibato obrigatório é
maniqueísta, pagã e absurda. Sem nenhum fundamento bíblico e na contramão da
praxe da Igreja do primeiro milênio.
Existem, pois, razões teológicas
muito sérias para se abolir o quanto antes esta lei absurda da continência
obrigatória para os padres. A principal delas é o fato de que a manutenção
dessa lei impede que homens chamados por Deus tanto para o casamento como para
o ministério possam servir à Igreja como ministros ordenados. Veja-se o absurdo
a que chegamos: esta Igreja “vaticanocêntrica” impede, com suas leis, que se
realize a vontade e o projeto de Deus. Deus chama homens casados, ou homens que
querem se casar, para o presbiterado e o episcopado. Mas a Igreja Católica
impede que o chamado de Deus se realize. Cabe aqui a pergunta pertinente do
padre Cozzens: “Será que devemos concluir que, na ocasião da celebração dos
dois concílios de Latrão, Deus decidiu não mais inspirar a vocação sacerdotal
às pessoas a quem ele tinha inspirado a vocação ao matrimônio, à exceção apenas
dos candidatos ao sacerdócio nas Igrejas orientais?” (Liberar o celibato, p. 47). Se não fosse algo tão triste e
sofrido, até pareceria uma piada!
Aceitar padres casados não significa
desvalorizar o celibato. O celibato, como opção livre “pelo Reino” (Mt 19,12),
continuará tendo todo o seu valor e deverá ser estimulado, estimado e amado, inclusive
pelos padres casados. Aqueles que movidos por um carisma do Espírito querem
permanecer celibatários, não só poderão como deverão viver nessa condição. Não
haverá nenhum problema que convivam num mesmo presbitério diocesano padres
celibatários e padres casados. Provavelmente surgirão novos desafios para essa
convivência na diversidade dos dons do Espírito. Mas a Igreja não pode
continuar mantendo uma disciplina absurda e anti-evangélica apenas por medo de
problemas. Isso seria covardia, frouxidão e uma explícita tentativa de
extinguir o Espírito de Deus. Portanto, esta medida absurda deixa a Igreja
atrasada em quase mil anos. Um tempo longo demais e no qual a Igreja Católica
Romana colocou um empecilho jurídico à liberdade divina de chamar homens casados
para o presbiterado e para o episcopado. Não podemos continuar extinguindo o Espírito de Deus. É urgente mudar
para nos conformarmos com os desígnios divinos e com o Evangelho de Jesus.
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