Trago hoje para o blog Indagações-Zaptania um artigo muito interessante e bem apropriado para uma época de fim de ano como esta que temos agora. O autor, José Lisboa Moreira de Oliveira, escreve com muito acerto sobre as atitudes e a realidade de vida de muitos cristãos que correndo atrás de "milagres" e prodígios, na realidade demonstram a sua ignorância e uma concepção de fé que tem pouco a ver com a fé verdadeiramente cristã. A
questão torna-se ainda mais grave quando se constata a existência de pessoas ou
setores de instituições eclesiásticas que apóiam e alimentam esse
tipo de fenômenos de procura de ‘milagres’ para obter ganhos e lucros materiais. Podemo-nos indagar: seria isso de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo? ... É óbvio que não!
O artigo foi publicado recentemente no seu blog.
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Não deixe de ler! .
À cata de milagres e de
prodígios
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor,
conferencista e professor universitário
Tem circulado na mídia
informações de que o Vaticano não reconheceu nada de sobrenatural nas
assim chamadas aparições marianas de Medjugorje. O próprio papa Francisco
parece ter se pronunciado sobre fatos semelhantes, chamado a atenção para o
perigo de uma fé que se reduz a essa busca de milagres e de prodígios, à busca
de fenômenos espetaculares.
A liturgia da Palavra desse
período de conclusão e de início de ano litúrgico nos oferece a possibilidade
de refletir sobre o assunto. De fato as leituras bíblicas desse período
costumam enfocar a temática do fim, das coisas últimas, das etapas finais da
vida humana e do cosmo; daquilo que na teologia chamamos de escatologia.
Porém, o que mais se destaca nas leituras é a alerta para o risco de uma religiosidade
que vive à cata de coisas espetaculares. Os textos bíblicos desse período
parecem nos dizer que a fé cristã se contenta com as realidades mais simples,
não sendo necessário nenhum espetáculo fora do comum para nos convencer do amor
e da bondade de Deus. Um dos textos lidos dias atrás durante a liturgia da
missa dizia exatamente o seguinte: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem
se poderá dizer: ‘Está aqui’ ou ‘está ali’, porque o Reino de Deus está no meio
de vocês” (Lc 17,20-21).
A humanidade de todos os tempos
foi sempre tentada a buscar fora dela mesma as respostas para os seus
problemas. Segundo os antropólogos, a religião nasce exatamente dessa busca do
ser humano. O cristianismo quebra essa dinâmica quando proclama e
crê que não precisamos incomodar os deuses para resolvermos os nossos
problemas. Jesus vem para nos dizer que o Reino de Deus está no meio de nós. Em
outras palavras: a partir da vinda do Filho do Homem não precisamos mais correr
atrás do espetacular e do maravilhoso, pois a solução de nossos problemas está
aqui mesmo. Não há necessidade de correr atrás de curas e de milagres.
No cristianismo Deus inverte as
coisas. Ele se faz humano, arma uma tenda no meio de nós e passa a caminhar
conosco. Com isso rejeita a falaciosa tática de determinadas religiões e
religiosidades que obrigavam os humanos a se curvarem diante dos deuses e a
implorarem manifestações espetaculares. Aliás, em Cristo, Deus se torna muito
mais radical. Assume a fragilidade humana. Ao invés de se mostrar grandioso,
potente, glorioso, ele prefere a via da fraqueza e da impotência. O evangelista
João expressa isso muito bem quando afirma que “o verbo se fez carne e habitou
entre nós” (Jo 1,14). Fazer-se “carne” (em grego: sárx) significa
tornar-se fraco, insignificante, pequeno, frágil.
No cristianismo o caminho de
libertação, de cura e de salvação não está mais nas teofanias, ou
seja, nas manifestações grandiosas das divindades, mas na vivência diária do
seguimento de um pobre carpinteiro. Por isso todas as vezes que o povo correu
atrás de Jesus, querendo prodígios e milagres, ele se recusou a fazê-los e
tomou distância da multidão (Jo 6,15). O Mestre se recusava terminantemente a
ser um profissional do sagrado e a exercer o papel de curandeiro e fazedor de
milagres. Quando o povo começa a correr atrás dele, imaginando que fosse mais
um daqueles embusteiros curadores e fabricantes de milagres, ele despacha a
multidão e provoca desilusão, afirmando claramente que não veio a esta terra
para realizar prodígios. Deixa bem claro que a multidão deve mudar de
perspectiva (Jo 6,26-27). Por esse motivo muitos dos que antes se proclamavam
discípulos deixaram de andar com ele (Jo 6,66).
Quando, na cruz, foi provocado
a provar que era Filho de Deus e lhe pediram para realizar um prodígio, Jesus
não cedeu à tentação. Preferiu relevar a sua divindade na fraqueza, não
descendo espetacularmente da cruz, como queriam aqueles que o insultavam (Mc
15,29-32). Foi isso que levou o apóstolo Paulo a afirmar que a grande teofania
ou manifestação do Deus dos cristãos se deu num caminho descendente, mas de rebaixamento.
O Filho abre mão da condição divina, assume a natureza humana, torna-se
servidor da humanidade, aceita morrer como todo ser vivo e, pior ainda, aceita
morrer da maneira mais terrível e ignominiosa para a sua época: a morte de cruz
(Fl 2,6-8).
As considerações feitas mostram
que essa cata de milagres e de prodígios que se espalhou pela Igreja Católica e
entre algumas Igrejas evangélicas vai na contramão do cristianismo e da prática
de Jesus. Fere profundamente a essência do seguimento. Por isso estou
plenamente convencido de que esses santuários e lugares de curas e de milagres
não são nada mais do que espaços de exploração da situação do povo sofrido e
oprimido. Servem apenas para trazer muito dinheiro, status e poder para
determinadas pessoas. Conheço muitos desses santuários e lugares de milagres,
tanto aqui no Brasil como na Europa. E a prova de que são espaços de exploração
da fragilidade do povo é o comércio e o dinheiro que rola nesses lugares.
Lembro-me de ter ficado profundamente chocado quando estive em Lurdes, na
França. A exploração (venda de produtos) começava dentro da própria gruta de
Massabielle e se espalhava por toda a cidade. A única coisa que me consolou
naquele lugar foi a fé das pessoas, especialmente dos doentes.
Geralmente a desculpa usada
para justificar a existência desses lugares é de que ali o povo simples
manifesta a sua crença e de que é necessário acolher tal manifestação de fé.
Mas isso é “conversa para boi dormir”, pois o comércio, a exploração e a manipulação
da fé negam tudo isso. Nos santuários os milagres só existem para os que
dispõem de dinheiro para viajar até lá em romaria e para comprar pelo menos uma
vela a ser acesa ali. Vela essa que depois de derretida volta para a fábrica
onde é refeita e revendida infinitamente. Jesus não construiu nenhum santuário,
embora no seu tempo existissem muitos com a mesma finalidade dos que existem
hoje. O livro do Apocalipse afirma que na nova Jerusalém não havia santuário
(Ap 21, 22).
Cabe aos profetas de hoje, como
aqueles de ontem, educar o povo e preveni-lo contra esse tipo de religiosidade
exploradora. Diante do desejo de sucesso e de fama de alguns padres e pastores
curandeiros, que lucram fortunas com isso, é preciso, como fez Jesus,
enxotá-los dos templos (Jo 2,13-22) e mostrar que a proclamação do Evangelho
passa bem longe dessas coisas (Mc 1,36-39).
É verdade que o povo, vivendo
na precariedade, esquecido pelas autoridades políticas e religiosas, vítima da
ausência de políticas públicas sérias, estará sempre à cata de milagres e
prodígios. Isso já acontecia no tempo de Jesus. Mas isso não justifica o
multiplicar-se de visões, aparições, santuários, basílicas etc. etc.
Infelizmente, quando o povo pobre vai atrás dessas coisas, os ricos, inclusive
os eclesiásticos, logo se aproveitam para explorar a fé simples das pessoas e
ganhar muito dinheiro com isso. Não é por acaso que os maiores divulgadores dos
santuários milagreiros e das supostas aparições são os donos das agências de
viagens, especialmente daquelas dirigidas pelos “pios devotos” patrocinadores
das televisões católicas.
Deveríamos aproveitar deste
período litúrgico de conclusão e de início de ano litúrgico para reafirmar que
o Reino de Deus não está ali ou acolá (em Aparecida, Trindade, Bom Jesus da
Lapa, Juazeiro do Norte, Caravaggio, Fátima, Canção Nova, Lurdes etc.etc.), mas
está dentro de cada um de nós. Deveríamos dizer que não precisamos correr atrás
de milagres e de prodígios, não precisamos visitar nenhum santuário ou lugar de
milagres, pois Deus habita em nós e nos atende sempre que pedirmos com fé (Jo
15,16). E aos que insistem em continuar catando milagres, a resposta pedagógica
deveria ser a mesma de Jesus: “Não busquem o alimento perecível, mas o alimento
que permanece para a vida eterna” (Jo 6,27).
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