Temas diversos. Observar, pensar, sentir, fazer crítica construtiva e refletir sobre tudo que o mundo e a própria vida nos traz - é o meu propósito. Um pequeno espaço para uma visão subjetiva, talvez impregnada de utopia, mas, certamente, repleta de perguntas, questionamentos, dúvidas e buscas, que norteiam a vida de muitas pessoas nos dias de hoje.

As perguntas sobre a existência e a vida humana, sobre a fé, a Bíblia, a religião, a Igreja (sobretudo a Igreja Católica) e sobre a sociedade em que vivemos – me ajudam a buscar uma compreensão melhor desses assuntos, com a qual eu me identifico. Nessa busca, encontrando as melhores interpretações, análises e colocações – faço questão para compartilhá-las com os visitantes desta página.

Dedico este Blog de modo especial a todos os adolescentes e jovens cuja vida está cheia de indagações.
"Navegar em mar aberto, vivendo em graça ou não, inteiramente no poder de Deus..." (Soren Kierkegaard)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

“Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” -Comentário bíblico de M. Asun Gutiérrez. Ótimo!


“<Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu?  Ou você está com inveja porque sou generoso>?  Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos.” (Mt 20, 13-16)

Na parábola sobre os trabalhadores na vinha Jesus fala da bondade de Deus. No entanto, as suas palavras conflitam, e muito, com os esquemas dos valores dos homens. Claramente, a lógica de Deus mostra-se diferente, se não oposta, à lógica dos homens – e isso choca!  E nós, muitas vezes, temos muita dificuldade em entender e aceitar essa lógica de Deus, porque ela desnuda aos nossos próprios olhos o nosso egoismo, mediocridade e o nosso vício de julgar os outros pelo que têm e produzem, e não pelo que são.

O comentário bíblico de M. Asun Gutiérrez Cabriada (cristã, leiga) sobre o texto Mt 20, 1-16 (Parábola dos trabalhadores na vinha)  é  muito bem feito e interessante. É uma excelente oportunidade para procurarmos entender melhor a mensagem de Jesus Cristo.
Vale a pena conferir!
WCejnog

Obs.: Os interessados podem  ler esse texto em apresentação de PPS, acessando o  site das Monjas Beneditinas de Montserrat. www.benedictinescat.com/montserrat  Trabalho muito bonito!


Pensamos ainda em cumprimentos com esforço, em renúncias impostas, em obrigações. 
Não pensamos em libertação, em dignidade de ser filhos,   em plenitude de vida.
Não pensamos em Boa Notícia mas em Nova Lei,  mais pesada e exigente que a antiga.
Continuamos a pensar que nos têm que pagar pelo que servimos.
O reino é uma questão de agradecimento, não de paga.
O Reino é uma questão de coração. 
Há que ter coração, e tentar construir um mundo em que as relações humanas não se baseiem na justiça seca,  mas na com-paixão e na fraternidade.


José Enrique Ruiz de Galarreta



Comentário

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos
a seguinte parábola:
“O reino dos Céus pode comparar-se
a um proprietário, que saiu muito cedo
a contratar trabalhadores para a sua vinha.
Ajustou com eles um denário por dia
e mandou-os para a vinha.

Parábola exclusiva de Mateus.
Conta a história do dono de uma vinha que procura jornaleiros no mercado.
A cena era familiar para os ouvintes. Muitas fazendas eram cultivadas por jornaleiros, que começavam a jornada laboral ao nascer do sol.
O facto de que voltasse a contratar jornaleiros à hora de terça, até às nove da manhã, poderia parecer normal; voltar a fazê-lo quatro vezes mais já é insólito, surpreende e desperta a atenção dos ouvintes.
E é assim, diz o texto, que sucede no Reino.
Como todas as parábolas questiona, incomoda e surpreende.

Saiu a meia manhã, viu outros
que estavam na praça ociosos
e disse-lhes:
«Ide vós também para a minha vinha,
e dar-vos-ei o que for justo». E eles foram.
Voltou a sair por volta do meio dia
e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo.
Saindo ao cair da tarde,
encontrou ainda outros
que estavam parados e disse-lhes:
«Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?».
Eles responderam-lhe: «Ninguém nos contratou».
Ele disse-lhes:
«Ide vós também para a minha vinha».

A narração faz que a atenção caia sobre as pessoas que o dono da vinha encontra sem fazerem nada, ociosas. Pergunta-lhes o motivo da sua inactividade. Que classe de pessoas são? Gente que se levantou tarde e perdeu a sua oportunidade? Pessoas não tidas em conta na sociedade, com as quais ninguém conta?

O que vemos é que o único dono da vinha tem trabalho para todos e a todas as horas. E que na vinha há lugar e trabalho para todos.
A vinha - comunidade de Jesus - na qual só podem trabalhar umas poucas pessoas, na qual exista qualquer tipo de descriminação, tem pouco a ver com a vinha que Jesus quer e apresenta na parábola.

Ao anoitecer, o dono da vinha disse ao capataz:
«Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário,
a começar pelos últimos
e a acabar nos  primeiros».
Vieram os do entardecer
e receberam um denário cada um.


Cada pessoa tem a sua hora, o seu dia, a sua idada, a sua circunstância..., de ver e aceitar o seu encontro com Jesus.
O dono da vinha não paga por trabalho realizado, nem por horas, nem por trabalhar a toque de caixa, mas pela disponibilidade, pela atitude, a abertura e acolhimento ao seu convite.

Quando vieram os primeiros,
julgaram que iam receber mais,
mas receberam também um denário cada um.
Depois de o terem recebido,
começaram a murmurar
contra o proprietário, dizendo:
«Estes últimos trabalharam só uma hora
e deste-lhes a mesma paga que a nós,
que suportámos o peso do dia e o calor».

As únicas pessoas  que protestam são as que sabem desde o princípio o quanto vão receber.
Não se queixam de ter sofrido uma injustiça - receberam o denário acordado -, queixam-se daquilo que os outros  recebem.
Incomoda-os comprovar que o Senhor é bom com todos. É a atitude das pessoas que se crêem justas, com mais méritos que os outros;
Incomoda-os a bondade de Deus, relacionam-se com Ele em termos mercantilistas, tentando comprar a sua salvação.

“Deus fez o ser humano à sua semelhança, mas o ser humano empenha-se
em fazer Deus semelhante a ele” (Voltaire).


Mas o proprietário respondeu a um deles:
“Amigo, em nada te prejudico.
Não foi um denário que ajustaste comigo?
Leva o que é teu e segue o teu caminho.
Eu quero dar a este último tanto como a ti.
Não me será permitido fazer
o que quero do que é meu?

A parábola vai ao coração da mensagem de Jesus: o amor livre e gratuito do Pai e a forma de atuar das pessoas que se crêem justas perante Ele.
O texto apresenta, uma vez mais, o retrato de um Deus que é bondade e misericórdia. Sobressai o valor da justiça – paga-se o salário acordado - e o da bondade e da generosidade – dá-se mais que o esperado -.

Estão presentes esses valores na minha vida e na minha relação com os outros?   Não é um convite a “chegar tarde" ou a trabalhar menos, mas a evitar a tentação de projectar sobre Deus as nossas expectativas, os nossos cálculos e as nossas medidas.

Os caminhos e os planos de Deus são diferentes dos nossos e sempre surpreendentes (Primeira leitura).

Ou você está com inveja
porque sou generoso?»

A bondade de Deus transborda  a justiça.  Jesus mostra na sua vida a bondade e atuação de Deus.

Como se portou o dono da vinha com os últimos, assim se porta o Pai/Mãe com todos, sobretudo com as pessoas empobrecidas, excluídas, excomungadas, despejadas..
Exemplo e modelo para a nossa forma de atuar.
Deus é bondade, pura gratuidade, pura graça mais além de todo o interesse, de toda a lei.  Ainda bem que não atua segundo os nossos méritos, nem segundo a nossa lógica, mas segundo a sua bondade.

Tento a pôr barreiras à generosidade e bondade de Deus?
Agradeço a bondade de Deus e contagio-a?
Sou propenso aos ciúmes e à inveja?
Penso que mereço mais prémio e recompensa que os outros?
Louvo e valorizo as ações e qualidades das pessoas?

Contra todas as aparências, só a bondade e a gratuidade podem mover o mundo.

Assim, os últimos serão os primeiros
e os primeiros serão os últimos.

Os últimos e os primeiros pode dar-nos uma pista da diferença entre as nossas maneiras de julgar e valorizar  e a maneira de julgar e valorizar de Deus.
É a mudança radical de situação que traz consigo a chegada do Reino, que propõe um novo modelo e sistema de relação e convivência humana, baseado, não no rendimento e na correspondente compensação, mas na gratuidade, na bondade e no amor.

A quem considero os últimos na sociedade, no meu círculo, nas igrejas?

Coincide com o critério e a atitude de Jesus?




A tua maneira

Saíste, Senhor, na madrugada da história a procurar obreiros para a tua vinha.
E deixaste a praça vazia – sem desemprego -, oferecendo a todos trabalho e vida
- salário, dignidade e justiça.
Saíste a meio da manhã, saíste ao meio dia e à primeira hora da tarde voltaste a percorrê-la.

Saíste, por fim, quando o sol declinava, e aos que ninguém tinha contratado levaste-os para a tua vinha, porque se te revolveram as entranhas vendo tanto trabalho na tua fazenda, vendo a  tantos desempregados que queriam trabalho
- salário, dignidade e justiça -
e estavam condenados todo o dia a não fazer nada.
Ao anoitecer cumpriste a tua palavra.

A todos deste salário digno e justo,
segundo o coração e as necessidades te ditavam.
Os que menos esperavam foram os primeiros a ver as suas mãos cheias;
e mesmo que alguns murmurassem, não mudaste a tua política evangélica.

Senhor, sê, como sempre, justo e generoso, compassivo e rico em misericórdia,
inimigo de preconceitos e classes, e generoso nos teus dons.
Graças por me dares trabalho e vida, dignidade e justiça à tua maneira... não à minha.

Ulibarri Fl.

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