Hoje
trago para o blog Indagações-Zapytania mais um artigo acerca da questão
indígena no Brasil. Talvez a publicação desse texto neste espaço possa ser uma
pequena contribuição na defesa da causa indigena.
Na
minha opinião, é importante tomarmos conhecimento do teor do discurso daqueles
que querem justificar ou até mesmo legitimar o genocidio praticado contra os
povos indígenas no Brasil. Não bastassem os cinco séculos de políticas de
extermínio desses povos neste país, em pleno século XXI a ganância e interesses
econômicos dos ‘poderosos’ continuam os mesmos. Desta vez, tenta-se legitimar as ações e
políticas injustas e criminosas contra esses povos indígenas. Pior ainda,
tenta-se até desqualificar os direitos dos indigenas assegurados na própria Carta
Magna do Brasil, propondo “mudanças’ de retrocesso, que visam diminuir ou até anular esses direitos. E isso é abominável! A sociedade brasileira, na sua maioria, precisa
acordar e se opôr a tudo isso.
O
artigo de Cleber César Buzatto foi publicado no mês de junho de 2014 no portal
do CIMI e
também, posteriormente, no site do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Não
deixe de ler!
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IHU - NOTÍCIAS
Sexta, 20 de junho de 2014
A culpa do genocídio de povos indígenas no Brasil é do direito
fundamental às suas terras
"É a efetivação do direito fundamental
às suas terras tradicionais que suplantará o quadro de genocídio de povos indígenas
no Brasil". O comentário é de Cleber César Buzatto, Secretário
Executivo do Conselho Indigenista
Missionário – Cimi, em artigo publicado pelo portal do Cimi, 19-06-2014.
Eis o artigo.
O sub-procurador da República, Dr. Eugênio Aragão, ao participar da
audiência da Comissão Especial da Câmara dos Deputados que trata acerca da Proposta de Emenda Constitucional 215/00, no último dia 11 de junho, questionou
o paradigma demarcatório de terras indígenas, vigente no Brasil, e
defendeu a tese segundo a qual “o modelo atual, a toda evidência, está
apresentando sinais claros de esgotamento”.
Defendeu a referida tese com o argumento de
que “mesmo quando o Poder Executivo, depois de longuíssimas tramitações,
consegue promover a demarcação de uma área indígena, a reação imediata é a
judicialização do respectivo ato administrativo, o que leva a um impasse em que
não se vai nem pra frente nem pra trás”. Um argumento evidentemente falacioso,
haja vista a existência de diversos procedimentos administrativos de demarcação
de terras indígenas paralisados sem que exista qualquer impedimento judicial
para tanto. Ou seja, o motivo da paralisação, no caso, é político e causado
pela opção governamental e pela “pressão” de atores políticos e econômicos bem
conhecidos de todos, dentre os quais os representantes do latifúndio, a bancada
ruralista, para quem Aragão discursava.
Para além da falácia, no entanto, o sub-procurador avançou na argumentação, por um caminho que, julgamos, malicioso, desrespeitoso e ultra ideológico. Segundo ele o genocídio contemporâneo dos povos indígenas tem sua raiz motivacional no direito fundamental dos povos às suas terras tradicionais, conforme assegurado pelo texto constitucional de 1988. Isso porque, segundo ele, fazendo eco aos argumentos ruralistas “o processo concebido na Constituição, no artigo 231, é um processo unilateral. É um processo em que a administração pública, ex-ofício, identifica e demarca as áreas, olhando sobretudo apenas em uma direção, a direção do bem estar do indígena.
Para além da falácia, no entanto, o sub-procurador avançou na argumentação, por um caminho que, julgamos, malicioso, desrespeitoso e ultra ideológico. Segundo ele o genocídio contemporâneo dos povos indígenas tem sua raiz motivacional no direito fundamental dos povos às suas terras tradicionais, conforme assegurado pelo texto constitucional de 1988. Isso porque, segundo ele, fazendo eco aos argumentos ruralistas “o processo concebido na Constituição, no artigo 231, é um processo unilateral. É um processo em que a administração pública, ex-ofício, identifica e demarca as áreas, olhando sobretudo apenas em uma direção, a direção do bem estar do indígena.
O problema é que ao longo dos anos foi-se
percebendo que essa visão unilateral, de só se olhar para a população indígena,
esquecendo as circunstâncias, levaram, na verdade, eu posso dizer com a
maior tranquilidade, a uma política genocida. Porque na medida em que a gente
olha só para um lado do problema, todos os outros que estão excluídos da
atenção do poder público produzem ressentimento. E o ressentimento acaba
levando à estigmatização e a estigmatização, por sua vez, acaba levando ao
genocídio”.
Ora, além de incompatível com o arcabouço jurídico que envolve o procedimento de demarcação, uma vez que o elemento do contraditório é amplamente respeitado, tanto no campo administrativo, quanto no campo do Poder Judiciário, o argumento defendido pelo Dr. Eugênio, ideológica e maliciosamente, esconde os verdadeiros sujeitos político-econômicos responsáveis pelo atual quadro de genocídio dos povos indígenas no país. Como fica evidente no argumento, Aragão admite a existência de genocídio de povos indígenas no país, mas, além de esconder os sujeitos responsáveis pelo genocídio, o mesmo, desrespeitosamente, o legitima uma vez que seria, como que natural, que o “ressentimento” produzido pelo arguido unilateralismo produzisse a “estigmatização” e que, consequentemente, levasse ao genocídio.
O argumento em questão causa-nos, como não poderia deixar de ser, profunda indignação, e se enquadra na típica estratégia da culpabilização da vítima. Segundo ele, os povos indígenas seriam vítimas do genocídio porque ousaram lutar e conseguiram assegurar o reconhecimento do direito às suas terras tradicionais no texto Constitucional do Estado brasileiro.
O que defendemos é exatamente o contrário da opinião do sub-procurador. É a efetivação do direito fundamental às suas terras tradicionais que suplantará o quadro de genocídio de povos indígenas no Brasil. O genocídio de povos indígenas no Brasil precede o texto Constitucional vigente em nosso país. O genocídio de povos indígenas não se justifica e não se legitima sob qualquer hipótese. O genocídio de povos indígenas no Brasil é efetivado por sujeitos político-econômicos bem conhecidos, tais como, dentre outros, latifundiários, usineiros, empreiteiras, mineradoras. Em cada região e período histórico de nosso país, atuaram e atuam com avareza na perspectiva de se apossar e explorar as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos.
Os povos indígenas têm o direito à vida e o direito à vida precede o direito de propriedade. Os não-índios, ocupantes de terras indígenas, além de receberem pelas benfeitorias construídas sobre essas terras, têm direito à justa indenização dos títulos de propriedade de boa fé, por parte dos entes federados responsáveis pela sua emissão. Além disso, a legislação vigente no Brasil estabelece ainda o direito ao devido reassentamento aos ocupantes. O reassentamento, por sua vez, deve ser feito com a desapropriação dos latifúndios, que, infelizmente, se perpetuam em favor de poucos e devido aos genocídios provocados, aos privilégios históricos e à super-representação do setor no Congresso Nacional e noutros espaços de poder do Estado brasileiro.
Ao atacar o direito fundamental dos povos indígenas às suas terras tradicionais com os argumentos acima destacados, ataca-se também o direito dos não-indígenas ao devido reassentamento. Dessa maneira, faz-se a dupla defesa do latifúndio e da concentração fundiária cada vez maior em nosso país, objetivo central da estratégia ruralista ao defender a aprovação da PEC 215/00. Talvez seja este o motivo pelo qual Aragão, em momento algum de sua explanação, tenha feito referência à nota técnica produzida pela 6ª. Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, órgão setorial da Procuradoria Geral da República que trata de temáticas indígenas. Leia aqui a nota, que explicita a inconstitucionalidade da referida Proposta de Emenda
Constitucional.
Fonte: IHU - Notícias
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