“(...) a
missão é essencialmente amar o próximo e não fazer
proselitismo.” – do texo abixo.
Estamos
no mês de outubro que, na Igreja Católica, é dedicado às missões. E quando
alguns dias atrás eu me deparei com o artigo de José Lisboa Moreira de Oliveira
sobre o a dimensão missionária da Igreja, logo decidi também publicá-lo neste
espaço do blog Ingdagações-Zapytania, para a sua divulgação.
Faço
isso, porque é uma abordagem muito séria e preciosa, e pode ser muito útil para
quem procura entender bem o carater missionário da Igreja e dissipar as dúvidas
e incertezas relacionadas a essa questão.
O autor publicou este artigo no seu blog O Chamado, no
mês de outubro de 2014.
Realmente, vale a pena ler!
WCejnóg
Blog O Chamado
Quarta-feira, 8 de outubro de 2014.
Dimensão missionária da Igreja
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor
universitário
No Brasil, há algumas décadas, a Igreja Católica
Romana considera outubro como mês missionário. O objetivo,
certamente, é levar os católicos a tomarem cada vez mais consciência de uma das
dimensões fundamentais do discipulado ou seguimento de Jesus. A Igreja é, por
natureza, toda ela missionária, nos lembrava há 50 anos atrás o Concílio
Vaticano II. A dimensão missionária, explica o documento conciliar Ad
Gentes, brota da missão do Filho e do Espírito Santo. O Pai manda, na
plenitude do tempo, o seu Filho que nasce de mulher (Gl 4,4) e envia, através
de Jesus (Jo 15,26), o Espírito (Jo 14,16). O Filho, por sua vez, envia os
discípulos como missionários pelo mundo inteiro (Mc 16,15), os quais são
revestidos da força do Espírito (At 1,8). Portanto, uma comunidade cristã que
não é missionária, não é Igreja (ekklesía), ou seja, não é comunidade de
fé convocada e reunida pela Santíssima Trindade. Pode ser um clube, uma
associação de pessoas religiosas, um grupo de amigos, mas não Igreja, no
sentido bíblico e teológico desta palavra.
Dizer que a Igreja é, por natureza, missionária
implica saber e entender qual é a sua missão. A missionariedade decorre
da missão. Qual é, então, a missão da Igreja? A mais antiga definição da missão
da comunidade cristã, ou seja, da Igreja encontra-se no evangelho de
Marcos: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Nova para toda a
humanidade” (Mc 16, 15).
Três aspectos importantes da
missão aparecem neste mandato que Marcos atribui a Jesus. Em primeiro lugar,
o núcleo central da missão. Trata-se de “anunciar a Boa
Notícia”. Mas, qual “Boa Notícia”? Lucas e Mateus nos dão a resposta. Segundo
Lucas, a “Boa Notícia” é dirigida aos pobres e consiste em
“proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista”. O
objetivo da missão da Igreja é “libertar os oprimidos” e “proclamar um ano de
graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Mateus, por sua vez, afirma que, para Jesus, o
sinal da sua messianidade está exatamente nisso: “aos pobres é
anunciada a Boa Notícia” (Mt 11,5). Fica, pois, evidente que a essência da
missão da Igreja é, pela palavra e pela ação, contribuir para a
libertação dos pobres e dos oprimidos. O restante deve ser apenas consequência disso.
Portanto, entre a opção preferencial pelos pobres e a missão da Igreja há um
vínculo indissolúvel. Separar as duas coisas é o mesmo que diluir o
essencial da missão. Não por acaso o papa Francisco voltou a nos relembrar
recentemente este aspecto (EG, 197), que estava sendo sepultado por uma Igreja
Católica, que tinha decididamente se voltado para um estilo direitista e
ultraconservador durante o pontificado de João Paulo II e Bento XVI. Há razão,
pois, a CNBB quando afirma que “o caminho da redenção está assinalado pelos
pobres” (Estudos 107, nº 153).
O segundo aspecto importante da missão, assinalado
pelo texto de Marcos, é o fato de que a Igreja precisa pensar a missão como
ação destinada ao mundo inteiro.Isso significa que o anúncio da Boa
Notícia aos pobres deve chegar a todos os cantos da terra. A missão da Igreja
deve ser tão marcante e impactante, a ponto de ressoar em todos os lugares de
nosso planeta. Este aspecto supõe uma Igreja ousada, corajosa, que não fique
trancada dentro dos templos (Jo 20,19), com medo de ser contaminada ou
perseguida. Supõe uma Igreja profética, que não aceita fazer pactos com os
ricos e poderosos desse mundo, mas que se declara e assume com coragem a causa
dos pobres, denunciando os ricos (Lc 6,24-25) e os exploradores dos pobres (Tg
5,1-6). Uma Igreja “frouxa”, medrosa, comprometida com os ricos e poderosos não
é e nunca será missionária.
O terceiro aspecto da missão evidenciado por Marcos
tem a ver com osdestinatários: o anúncio da Boa Notícia deve ser
dirigido a toda a humanidade. Todos os homens e todas as mulheres têm o
direito de receber da Igreja este anúncio. E não é preciso que se
“convertam” ao catolicismo. Em suas próprias culturas, em suas próprias religiosidades,
em suas situações concretas, os povos e as pessoas têm o direito de receber da
Igreja o testemunho de uma opção firme e decida em favor dos pobres. Este é um
tipo de anúncio que todo mundo entenderá, independentemente de sua língua e de
sua cultura. E é isso que falta à Igreja, especialmente à Igreja Católica. Ela
não consegue sinalizar para a humanidade que está decididamente
do lado dos pobres, combatendo toda forma de opressão e promovendo a libertação
integral das pessoas e dos povos. Daí o fracasso da sua missão nas mais
diversas partes do mundo, inclusive nos países do hemisfério sul, uma vez que
falar aqui de cristianismo, de Igrejas, é o mesmo que falar de colonialismo.
E as pessoas mais inteligentes, em número cada vez maior, que habitam o sul do
planeta, sabem muito bem o que significou para seus países, para suas culturas
e para seus povos o colonialismo implantado pelos países “cristãos”.
E não estou dizendo isso por acaso. Todos sabemos
que a partir do momento em que a Igreja, contrariando a vontade de Jesus,
começou a imitar e a copiar o estilo dos poderosos deste mundo (Mc 10,42-44),
ela passou a entender a missão como “plantatio ecclesiae”, ou seja, como mero
transplante do estilo europeu de Igreja para as demais regiões do mundo. Fazer
missão, missionar, era o mesmo que impor às demais culturas a religião
católica. A missão consistia em destruir e eliminar por completo as culturas,
tidas como idolátricas, selvagens e pagãs, impondo a ferro e fogo o
catolicismo. Foi o que aconteceu, por exemplo, na América Latina, ainda hoje
marcada pela violência e pelos massacres praticados contra os indígenas pelos
conquistadores espanhóis e portugueses, em nome da fé católica.
Lamentavelmente a maioria dos bispos e dos padres
ainda entende a missionariedade da Igreja nesta perspectiva colonialista.
Acreditam piamente que fazer missão é o mesmo que fazer proselitismo,
ou seja, converter o maior número possível de pessoas para o catolicismo. A
maioria deles não tem presente a perspectiva bíblica da missão, sobretudo no
que diz respeito à questão do seu significado como anúncio de uma Boa Notícia
para os pobres e oprimidos. Várias vezes, em reuniões de bispos, pude escutar
alguns deles questionando o modo de evangelizar de instituições como o CIMI e a
CPT, que optam pelo diálogo com as culturas e não pelo proselitismo barato.
Esses bispos são do parecer que se deve chegar nesses espaços fazendo
proselitismo, ou seja, convertendo de qualquer jeito ao catolicismo as pessoas
que ali estão. Minha posição foi sempre a de que esse modo de “evangelizar” é
de grupos fundamentalistas cristãos e não de verdadeiros discípulos de Jesus.
Talvez ainda precisamos aprender com os grandes
santos em que consiste realmente a missão. Lembro-me, neste instante, de
Charles de Foucauld, cuja vida foi um mergulho profundo no escondimento e no
silêncio. Mas duvido que alguém tenha sido mais missionário do que ele. O irmão
Carlos de Jesus entendeu, como santa Teresinha do Menino Jesus, que a missão é
essencialmente amar o próximo e não fazer proselitismo. Por
isso não tinha medo de dizer que ele estava ali no deserto não para converter
os tuaregues, mas para compreendê-los. Tinha a convicção, dizia em
1905, que falar de Jesus para eles significaria afugentá-los. Não que o nome de
Jesus, por si só, assustasse os mulçumanos, mas a associação que eles faziam de
Jesus com os bárbaros e violentos europeus cristãos. De fato, naquele mesmo
período a França dominava a região e praticava as maiores barbaridades contra
os nativos, tratando-os como escravos e como objetos quaisquer. Para o irmão
Carlos, numa situação como essa, bastava que os tuaregues sentissem que ele era
apenas seu amigo e seu serviçal. Isso já era missão, já era evangelização.
“O amor é o meio mais poderoso de atrair o amor,
porque amar é o meio mais poderoso de fazer-se amar” (Charles de Foucauld).
Assim, continua o irmão Carlos de Jesus, a melhor forma de realizar a missão da
Igreja é amando, mesmo sem dizer uma palavra: “sem nunca dizer-lhes uma palavra
de Deus, nem de religião, sendo paciente como Deus é paciente, sendo bom como
Deus é bom, amando, sendo um irmão cheio de ternura, e rezando”.
Faço votos de que o mês missionário nos ajude a
entender tudo isso. Faça-nos perceber que a missão não é algo a mais a se
fazer, uma pastoral a mais na Igreja, mas uma dimensão que
deve perpassar toda a vida da Igreja. Faça-nos entender que missionar não é
fazer prosélitos, mas anunciar a Boa Notícia da libertação dos pobres e
oprimidos a todos os homens e mulheres da Terra. E acima de tudo nos faça
entender que “a Igreja não é o centro. Cristo é o centro!” (Estudos da CNBB
107, nº 148). E por essa razão é
indispensável “passar de atitudes fechadas à formação de uma nova cultura, que
constrói cidadania no diálogo e que não tem medo de acolher o que o outro, o
diferente, tem a oferecer” (Ibid., nº 157).
A missão, quando entendida desta forma, faz a
Igreja deixar de se um amontoado de delirantes alienados, carolas e de beatos
para ser uma Igreja laical, isto é, uma Igreja comprometida em
testemunhar Jesus Cristo “em todas as circunstâncias, no interior da comunidade
humana, tão marcada por dinâmicas excludentes, indiferenças, buscas
desenfreadas de consumo e satisfação” (Ibid., nº 163). Quando se entende
a missão na perspectiva bíblica a Igreja deixa de ser “um clube de eleitos” (Ibid.,
nº 146), uma “alfândega controladora da graça de Deus” (EG, nº 47), para ser
“uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e os que se encontram nas
periferias existenciais” (Estudos da CNBB 107, nº 151).
Fonte: Blog O Chamado
Nenhum comentário:
Postar um comentário